terça-feira, 23 de setembro de 2014

APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0194.10.011238-3/001 (ROTEIRO DE ATIVIDADES Nº 02)

Caros, alunos.

Estou disponibilizando nesta postagem o acórdão do caso de Coronel Fabriciano no qual o TJMG reconheceu a usucapião de um imóvel público pertencente ao DER (Departamento de Estradas de Rodagem).

Peço que façam uma leitura atenta do acórdão para realizar o roteiro de atividade nº 02.

Eu particularmente acho que o TJMG (não cheguei a ver a sentença) não analisou a questão que, para mim, seria a crucial. Pelo que observei, o fundamento principal utilizado pelo TJMG foi o de que "malgrado os bens públicos não sejam passíveis de usucapião, o imóvel usucapiendo não está incluído em área de domínio público"

Sendo assim, apesar de considerar correta a decisão do Tribunal, já que, afinal de contas, os moradores já estavam no local há mais de 30 anos, entendo que o fundamento principal é o de que houve a conversão da detenção para a posse. Não há dúvida que, em princípio, os moradores se alojaram no local por conta de atos de tolerância e permissão do Poder Público.... Todavia, com o passar do tempo, os moradores passaram a exercer a posse em nome próprio, e não em nome alheio, saindo da situação de meros detentores...

Enfim, ainda gostaria de ter um acesso mais pormenorizado dos autos para fazer outras considerações. Por ora, segue o acórdão na íntegra:



EMENTA: APELAÇÃO CIVIL - AÇÃO REIVINDICATÓRIA - DETENÇÃO - INOCORRÊNCIA - POSSE COM "ANIMUS DOMINI" - COMPROVAÇÃO - REQUISITOS DEMONSTRADOS - PRESCRIÇÃO AQUISITIVA - EVIDÊNCIA - POSSIBILIDADE - EVIDÊNCIA - PRECEDENTES - NEGAR PROVIMENTO.

- "A prescrição, modo de adquirir domínio pela posse contínua (isto é, sem intermitências), ininterrupta (isto é, sem que tenha sido interrompida por atos de outrem), pacífica (isto é, não adquirida por violência), pública (isto é, exercida à vista de todos e por todos sabida), e ainda revestida com o animus domini, e com os requisitos legais, transfere e consolida no possuidor a propriedade da coisa, transferência que se opera, suprindo a prescrição a falta de prova de título preexistente, ou sanando o vício do modo de aquisição".

APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0194.10.011238-3/001 - COMARCA DE CORONEL FABRICIANO - APELANTE(S): DER MG DEPARTAMENTO DE ESTRADAS RODAGEM ESTADO MINAS GERAIS - APELADO(A)(S): CLAUDIO APARECIDO GONÇALVES TITO, DORACI SANTOS MELO TITO, FATIMA MARIA LOPES TITO, EXPEDITO CASSIMIRO ROSA, JOSÉ CASSIMIRO DE OLIVEIRA, ROSILENE CARVALHO DE OLIVEIRA, JOSÉ PEDRO DE OLIVEIRA RAMOS, MARCO AURÉLIO GONÇALVES TITO E OUTRO(A)(S), MARIA DAS DORES SILVA ROSA, MARIA FERREIRA DAS GRAÇAS OLIVEIRA, MARIA MARGARIDA DE OLIVEIRA, FERNANDO INÁCIO DE OLIVEIRA, IVONETE APARECIDA GONÇALVES TITO E OUTRO(A)(S)

A C Ó R D Ã O

Vistos etc., acorda, em Turma, a 5ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO.

DES. BARROS LEVENHAGEN

RELATOR.

DES. BARROS LEVENHAGEN (RELATOR)


V O T O

Trata-se de recurso de apelação, interposto pelo DEPARTAMENTO DE ESTRADAS E RODAGENS DE MINAS GERAIS (DER/MG), contra sentença proferida pelo MM. Juiz de Direito Marcelo Pereira da Silva às fls. 291/295v, que, nos autos da AÇÃO REIVINDICATÓRIA movida em face de MARCO AURÉLIO GONÇALVES TITO E OUTROS, julgou improcedente o pedido inicial e procedente o pedido contraposto pelos réus, para "declarar o domínio dos requeridos sobre os imóveis descritos na exordial, devendo a presente sentença servir de título para registro, oportunamente, no Cartório de Registro de Imóveis."
Em razão da sucumbência, condenou o autor no pagamento de honorários advocatícios fixados em R$1.000,00.
Nas razões de fls. 297/301, o DEPARTAMENTO DE ESTRADAS E RODAGENS DE MINAS GERAIS-DER/MG, alega que "é proprietário do imóvel, o qual serviu de acampamento para os servidores da autarquia à época da construção das rodovias estaduais", e, neste contexto, os servidores sempre souberam que o imóvel era da autarquia, e que sua tolerância na utilização do bem configura mera detenção consentida. Aduz que não induz posse os atos de mera permissão ou tolerância, pelo que pugna pela reforma da sentença.”
Apresentadas contrarrazões às fls. 303/306 e 307/310, pugnando pelo desprovimento do recurso.
A d. Procuradoria-Geral de Justiça manifestou-se pela desnecessidade de intervenção do Ministério Público no feito (fls. 315 - TJ).
É o relatório.
Conheço do recurso, presentes os pressupostos de admissibilidade.
'Data venia', sem razão o Apelante.

Inicialmente se faz necessário distinguir a detenção, tese encampada pelo autor, ora apelante, da posse, requisito necessário à usucapião.
O Código Civil, em seu artigo 1.198, definiu o instituto da detenção como sendo:
"Considera-­se detentor aquele que, achando­-se em relação de dependência para com outro, conserva a posse em nome deste e em cumprimento de ordens ou instruções suas."
A doutrina se refere ao detentor como servidor da posse. Neste sentido a lição de Maria Helena Diniz:
"(...) é aquele que em razão de sua situação de dependência econômica ou de um vínculo de subordinação em relação a uma outra pessoa (proprietário), exerce sobre o bem não uma posse própria, mas a posse desta última e em nome desta, em obediência a uma ordem ou instrução. É o que ocorre com empregados em geral, caseiros, almoxarifes, administradores, bibliotecários, diretores de empresa, que são considerados detentores de bens sobre os quais não exercem posse própria." (Maria Helena Diniz. Código Civil Anotado. 11ª Ed.)
Lado outro, a posse "ad usucapionem" leva ao reconhecimento do domínio, gerando o direito de propriedade, possuindo requisitos próprios.
Destarte, o "animus domini" constitui requisito da prescrição aquisitiva, devendo ser demonstrado no exercício da posse. Assim, o possuidor deve se comportar como se dono fosse, exteriorizando convicção de que aquele bem lhe pertence, para isso, há de comprovar a prática de atos de proprietário, conforme lição de Antônio Moura Borges, pois, se o proprietário perdeu a propriedade por haver abandonado-a, deixando de praticar atos inerentes ao domínio, justo o possuidor adquirir essa propriedade desde que demonstrado esta manifestação.
Necessário, também, que a posse "ad usucapinonem" seja ininterrupta e contínua, sem oposição ou incontestada.
Neste sentido, os ensinamentos Benedito Silvério Ribeiro:
"A posse ininterrupta ou contínua é que perdura durante o tempo determinado em lei, sem sofrer interrupção ou descontinuidade. (...) A posse em oposição deverá ser conforme o direito, isto é, justa (justa causa possessionis), sem os vícios da violência, clandestinidade e precariedade." (Tratado de Usucapião. Benedito Ribeiro Silvério. 4ª Ed)

Portanto, a detenção simples da coisa, sem o animus de tê-la como sua, não tem consequência para a aquisição da propriedade, constituindo-se mero fato, ou seja, mera detenção, o que não é o caso dos autos, conforme demonstram as provas carreadas aos autos, principalmente, a perícia técnica de fls. 182/218:

"O que acontece neste caso, é que os moradores (ex-funcionários do DER/MG), pouco a pouco foram edificando suas casas no local do acampamento. Com o tempo, as famílias foram crescendo, criando-se vínculo com a propriedade e desde então se passaram aproximadamente 30 anos. Hoje, uma pequena vila, dotada de infraestrutura como: asfalto, energia elétrica, mina e uma pequena igreja. Esta área ocupada pelos moradores, corresponde aproximadamente a 26% do imóvel. O restante encontra-se livre."
Assim, aquele que por mais de trinta anos, como no presente caso, tem como seu o imóvel, tratando-o ou cultivando-o, tornando-o útil, não pode ser compelido a desocupá-lo à instância de quem o abandonou.
Na espécie, os réus demonstraram a aquisição da posse do imóvel há mais de trinta anos, sem qualquer oposição do DER. Destarte, demonstrado está que os réus, ora apelados, não detinham apenas a mera detenção do bem, mas verdadeiramente sua posse, como se donos fossem.
A teor do que ensina Maria Helena Diniz, a respeito da usucapião previsto no Código Civil: "O usucapiente terá apenas de provar a sua posse."
E, ainda, a lição de Tito Fulgêncio:
"A prescrição, modo de adquirir domínio pela posse contínua (isto é, sem intermitências), ininterrupta (isto é, sem que tenha sido interrompida por atos de outrem), pacífica (isto é, não adquirida por violência), pública (isto é, exercida à vista de todos e por todos sabida), e ainda revestida com o animus domini, e com os requisitos legais, transfere e consolida no possuidor a propriedade da coisa, transferência que se opera, suprindo a prescrição a falta de prova de título preexistente, ou sanando o vício do modo de aquisição". (Tito Fulgêncio. Da Posse e das Ações Possessórias, 7ª Edição, p. 450).”

Constata-se ter sido preenchido não só o requisito temporal exigido no Código Civil, como também a qualidade dos apelados de legítimos possuidores a título próprio, da fração do imóvel objeto da presente demanda, sendo mister o reconhecimento de seu direito à aquisição da sua propriedade pela usucapião, ao contrário do que defende o apelante.

Ademais, cumpre ressaltar que malgrado os bens públicos não sejam passíveis de aquisição por usucapião (art. 183, §3º, da CF; art. 102, do Código Civil) o imóvel usucapiendo não está incluído em área de domínio público, tanto que, conforme corretamente decidiu o d. magistrado "a quo":
"Importa salientar que, no caso concreto dos autos, a viabilidade de se declarar a prescrição aquisitiva se encontra ainda mais evidente, porque já existe uma lei em vigor autorizando expressamente o DER a doar os imóveis em comento ao Município de Antônio Dias, justamente para que este lhes dê uma destinação social, promovendo o assentamento das famílias que estão no local, conforme se verifica às fls. 264/266."

No mesmo sentido, o entendimento deste eg. Tribunal de Justiça:

AÇÃO DE USUCAPIÃO - BEM IMÓVEL - ÁREA MARGINAL À RODOVIA ESTADUAL - IMPUGNAÇÃO DO DER/MG - RESPEITO À FAIXA DE DOMÍNIO - REGULAMENTAÇÃO DA LEI QUE EXIGE RESERVA DA ÁREA - AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO - INEFICÁCIA POSITIVA DA NORMA - INAPLICABILIDADE. RESPEITO À ""AREA NON AEDIFICANDI"" - USUCAPIÃO - POSSIBILIDADE - MERA IMPOSIÇÃO DE LIMITAÇÃO ADMINISTRATIVA - RECURSO DESPROVIDO - DECISÃO CONFIRMADA. - Não restando provada a regulamentação, pelo DER/MG (ente com circunscrição sobre a rodovia estadual), da lei que contém disciplina geral acerca da reserva de 'faixa de domínio' de áreas marginais a rodovias estaduais, impõe-se reconhecer a ineficácia positiva da norma, ante a ausência de parâmetros objetivos acerca da identificação e demarcação da área. - A exigência legal de reserva de faixa não-edificável de 15 metros de cada lado das rodovias implica mera limitação administrativa, com imposição de obrigação de não-fazer, não representando óbice, portanto, à usucapião da respectiva área. (Apelação Cível 1.0012.04.001688-8/001, Relator(a): Des.(a) Eduardo Andrade , 1ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 27/04/2010, publicação da súmula em 21/05/2010)
CONSTITUCIONAL - USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIO - POSSE ""AD USUCAPIONEM"" - PRAZO SUPERIOR A 20 (VINTE) ANOS - OCORRÊNCIA - PROCEDÊNCIA DO PEDIDO - MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. 1 - Se o autor comprova possuir o imóvel por prazo contínuo e superior a vinte anos - nos termos do art. 1.238 do Código Civil -, com ""animus domini"" e pacificamente, faz ele jus à aquisição prescritiva. 2 - A existência de área 'non aedificandi' correspondente à parte da faixa de domínio de rodovia estadual não impede a prescrição aquisitiva do bem, por não se tratar de bem público, mas de bem particular sujeito à limitação administrativa. 3 - Recurso não provido. (Apelação Cível 1.0346.07.013776-2/001, Relator(a): Des.(a) Edgard Penna Amorim , 8ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 10/11/2011, publicação da súmula em 27/01/2012)

PROCESSUAL CIVIL. IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DA DEMANDA. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. I - Não se vislumbra a impossibilidade jurídica da demanda, pois, malgrado os bens públicos não sejam passíveis de aquisição por usucapião (art. 183, §3º, da Constituição Federal; art. 102, do Código Civil de 2002), o imóvel usucapiendo não está incluído em área de domínio público. II - O fato de recair sobre a área próxima à malha ferroviária, limitação administrativa consubstanciada na obrigação de não fazer - não edificar -, não a torna bem de domínio público, ao contrário, apenas implica a existência de imposição de obrigação negativa sobre a propriedade particular. (Apelação Cível 1.0499.07.004302-5/001, Relator(a): Des.(a) Bitencourt Marcondes , 16ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 29/04/2009, publicação da súmula em 05/06/2009)

Portanto, estando presentes os requisitos da usucapião, e não logrando o réu, ora apelante, demonstrar os fatos alegados, é de se negar provimento ao recurso, confirmando a d. sentença fustigada.

Com estas considerações, NEGO PROVIMENTO AO RECURSO.
Custas, "ex lege".

DES. VERSIANI PENNA (REVISOR) - De acordo com o(a) Relator(a).

DES. LUÍS CARLOS GAMBOGI - De acordo com o(a) Relator(a).

SÚMULA: "NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO"










sábado, 6 de setembro de 2014

ROTEIRO DE ATIVIDADES Nº 2 (6º PERÍODO "C" E "D" UNIFEMM)



Atividades Extraclasse
Roteiro de Estudos nº 02
Tema: Usucapião de Bem Público
(Estudo de Caso)
Nome da Disciplina
Direitos Civil IV
Professor
Jordano Soares Azevedo
Unidade e Tema de Estudo (obs.: unidade prevista no conteúdo programático)
PROPRIEDADE. Tema: Usucapião de Bem Público. (Estudo de Caso)
Objetivos (obs.: segundo a Taxonomia de Bloom)
Compreender, analisar e avaliar a decisão proferida nos autos do processo nº 194.10.011238-3 da comarca de Coronel Fabriciano, pela qual o juiz declarou a usucapião de bem público.  
Bibliografia indicada (obs.: deve constituir uma das obras indicadas na bibliografia básica ou complementar)
CHAVES, Cristiano. Direitos Reais. Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald. 9 ed. Rio de Janeiro: Lumen juris, 2013

Objetos de Aprendizagem associados (ob.: um artigo, livro, link, reportagem, vídeos, bem como todo e qualquer material que irá disponibilizar para o aprendiz e que esclareça melhor o tema de estudo)
Atividades associadas e data de entrega (atividades que deverão ser desenvolvidas pelo aluno e entregue ao professor para avaliação)
Atividades Associadas:

1.      Elaborar um breve relatório da decisão contendo indicação dos principais fatos, assim como dos fundamentos utilizados pelo juiz. (esclareça, por exemplo, qual é tempo de posse, qual é a espécie de bem público objeto desta posse, quais as benfeitorias realizadas no local, se a posse é de boa ou má fé, qual o fundamento utilizado pelo juiz para entender que era caso de usucapião mesmo diante de imóvel público, dentre outros)
2.      Apresentar suas próprias conclusões.

Atenção: Trabalho digitado, com capa e pelo menos 3 laudas.
Data de Entrega:
07/10/14
Avaliação (obs.: podem ser atribuídos pontos ou faltas)
2 pontos


sexta-feira, 5 de setembro de 2014

UNIDADE II (POSSE)



Unidade II
Posse (art. 1.196 a 1.224)
1. Natureza da Posse (Fato ou Direito)

Para Caio Mario, o instituto da posse, de tão minucioso e complexo que é, está predestinada a sofrer a “maldição das controvérsias”. Assim, logo de entrada, surge a primeira controvérsia sobre a sua natureza jurídica. São duas correntes. A primeira defende que a posse é um fato, e a outra, majoritária, sustenta que se trata de um direito[1].

Dentre os adeptos da corrente dominante está o autor Orlando Gomes[2]. Para ele, a posse é um direito especial, pois reúne muitas características que são típicas dos direitos reais, como a possibilidade do seu exercício contra todos (erga ommnes) e sem a interferência de um intermediário; a sujeição direta e imediata da coisa ao seu titular e a ausência de um sujeito passivo determinado. Além de Orlando Gomes, também compartilham deste entendimento os autores Edmundo Lins, Accursius, Bartolo, Jhering, Molitor, Cogliolo e Teixeira de Freitas[3].

Em outro extremo, alguns autores enxergam a posse como um fato.[4] Para eles, a posse não seria direito, muito menos real, pois isso dependeria de prévia previsão normativa. Neste sentido, um argumento que se coloca é que, por falta de tipicidade, a posse não poderia ser enquadrada como direito real.

Um segundo argumento passa pela própria redação do artigo 1.196 do CC/02, que define o ato de possuir como o exercício de fato de um dos poderes da propriedade. O professor Adriano Stanley elenca alguns juristas que adotam essa postura, tais como: Cujacius, Donnellus, Voet, Windscheid, De Filipis e Trabucchi.[5]

Mas para Stanley, a posse tem natureza sui generis, pois seria simultaneamente um fato e um direito. Um fato capaz de gerar direitos reais, nas palavras do autor.

2. Teorias Justificadoras da Posse

Antes de começar a se pensar num conceito, uma justificativa ou mesmo um fundamento jurídico para a posse, é preciso ter em conta que a posse produz uma série de efeitos que vão desde a sua proteção legal, como o direito ao frutos, às benfeitorias, o direito à usucapião etc.

O titular de um direito real pode exercer o seu direito de seqüela para reivindicar a posse da coisa de quem quer que seja, mas para tanto tem que se valer de uma ação ordinária na qual tem de comprovar sua condição de proprietário ou de outro direito real que o legitime a tanto. Esta pretensão será deduzida no que se chama de juízo petitório.

Por outro lado, a proteção possessória reclama uma tutela muito mais urgente por parte do Estado e é por isso que o possuidor pode contar com os “interditos possessórios” para a defesa da sua situação de fato.

Neste particular, o autor Silvio Rodrigues ensina que:

Não se pode compreender o conceito de posse sem analisar dois dos seus principais efeitos, ou seja, a proteção possessória e a possibilidade de gerar a usucapião. [...] Além de permitir o desforço direto, na forma dos artigos 1.210,§1º, do Código Civil, o direito socorre o possuidor, dando-lhe, entre outras, a ação de reintegração de posse, no caso de esbulho, a ação de manutenção, na hipótese de turbação, e o interdito proibitório, em caso de ameaça à sua posse.[6]

Com efeito, visto que a posse é um fato que produz efeitos relevantes, como a proteção através dos interditos possessórios, que serão melhor examinados a seu tempo, agora temos boas razões para entender qual é o significado de posse para o direito. Afinal, o que o Direito entende como posse?

A pergunta é muito importante, já que existem situações idênticas à posse, que o direito desqualifica para uma situação de simples detenção. A tarefa de compreender esses conceitos nos leva a uma breve digressão histórica que se inicia em Roma.

Os romanos não chegaram a conceituar a posse. Apenas sentiam-na, como ensina o professor Adriano Stanley. Ou seja, sabiam dizer se tinham ou não a posse, mas realmente não construíram um conceito rígido do instituto.

Este trabalho conceitual só foi ocorrer em 1.803, quando Savigny, aos 24 anos, publicou a sua obra intitulada “Tratado da Posse”.[7]

2.1.Teoria Subjetiva ou Subjetivista (Grande Defensor Friedrich Carl von Savigny)

Partindo do tradicional método empírico da observação, Savigny constatou que “[...] as pessoas atribuíam a qualidade de possuidor àquele que demonstrasse poder físico sobre a coisa.[8]No entanto, embora a pessoa tivesse este contato direto com a coisa, se não tivesse ela como sua, não poderia ser classificado como possuidor.

Neste contexto, para Cristiano Chaves[9], a teoria de Savigny sustentava que a lposse era a conjugação de dois elementos: apreensão e animus rem sibi habendi, o primeiro entendido como o contato físico com a coisa e o segundo como a vontade de tê-la como sua.

Em sentido semelhante, Silvio Rodrigues ensina que, para Savigny, “a posse é o poder de dispor fisicamente da coisa, com o ânimo de considerá-la sua e defendê-la contra a intervenção de outrem. Encontram-se, assim, na posse, dois elementos: um elemento material, o corpus, que é representado pelo poder físico sobre a coisa; e, um elemento intelectual, o animus, ou seja, o propósito de ter a coisa como sua, isto é, o animus rem sibi habendi.[10]

Como se pode notar, a teoria subjetiva exige a presença simultânea dos dois elementos, “pois se faltar o corpus, inexiste relação de fato entre a pessoa e a coisa; e, por outro lado, se faltar o animus, não existe posse, mas mera detenção.[11]

2.2.Teoria Simplificada da Posse (que é uma Teoria Objetiva)

A crítica mais conhecida à teoria de Savigny é a de que a teoria subjetiva exclui do conceito de posse algumas situações jurídicas como a do locatário, do comodatário e do depositário, devido à inexistência, em tais casos, do elemento subjetivo (animus domini), já que em nenhum deles há a intenção de tornarem-se proprietários da coisa.

Neste contexto, praticamente todos os autores não poupam críticas à teoria da Savigny, devido ao alto grau de subjetivismo da mesma, e o primeiro e mais contundente crítico foi o seu próprio discípulo, Rudolf von Jhering, autor do livro “Teoria Simplificada da Posse”.

Para este jurista, a “posse é condição do exercício do direito de propriedade, pois esta sem aquela é como um cofre sem chave.[12]” Assim, na tentativa de superar o mestre, Jhering elaborou sua teoria e afirmou que a caracterização da posse como categoria jurídica depende somente de um elemento: o corpus, que, para Cristiano Chaves, deve ser entendido como a efetiva apreensão da coisa.

Flavio Tartuce chama atenção para a existência de um elemento anímico no conceito de corpus, o qual seria formado “ [...] pela atitude externa do possuidor em relação à coisa, agindo este com o intuito de explorá-la economicamente. Para esta teoria, dentro do conceito de corpus está uma intenção, não o animus de ser proprietário, mas de explorar a coisa com fins econômicos.[13]

2.3.Outras Abordagens sobre as Teorias da Posse.

Neste tópico serão apresentadas algumas abordagens mais aprofundadas das teorias da posse para permitir uma compreensão mais adequada por parte daqueles que estão iniciando o estudo da matéria.

Dessa forma, para César Fiuza[14], o grande mérito de Jhering em relação a Savigny foi a de perceber que os termos corpus e animus não tinham, na verdade, aquele sentido que lhe foi atribuído pela teoria subjetivista no direito romano.

Fiuza explica, a partir dos glosadores, que tinham posse “ [...] todos aqueles que possuíram com intenção de ter a coisa para si, pouco importando se o possuidor era ou não dono”[15]

O animus era, portanto, um elemento essencial para a caracterização da posse[16], embora não havia um sentido exato para defini-lo, pois algumas glosas descreviam-no como a convicção de ser dono e outras como a vontade de ter a coisa para si.

Em sentido semelhante, Caio Mario afirma que a noção de corpus, para os glosadores, tinha o sentido de contato material/físico com a coisa, ou atos simbólicos que o representassem, e o animus significava a intenção de ter a coisa para si ou, para outros, a intenção de ser proprietário[17].


Posse para os Glosadores
è  CORPUS (contato físico com a coisa)
è  ANIMUS (intenção de ter a coisa para si ou intenção de ser o seu proprietário)


 
 






Quem tinha a coisa consigo sem a convicção de ser o dono ou sem vontade de ter a coisa para si (posse em nome do proprietário) não tinha posse, mas apenas detenção.

O problema é que o direito romano, pelo menos em um primeiro momento, não conferiu proteção à detenção. Ao contrário, o sistema romano protegia somente a posse por meio dos chamados interditos possessórios, que são ações judiciais com tramitações mais céleres e que visam resguardar, manter ou reintegrar a posse que está sendo ameaçada, turbada ou esbulhada, conforme o caso.

Essa posse à qual o direito romano conferia proteção através dos interditos possessórios era conhecida como posse ad interdicta ou simplesmente como possessio, a qual convivia ao lado de outra modalidade, chamada posse ad usucapionem ou posse civilis.

Era isso, portanto, o que se sabia a respeito da posse com o trabalho dos glosadores. No entanto, o esforço intelectual do início do século XIX acabou por colocar em choque duas teorias que se dedicaram ao estudo da posse no direito romano com vistas à construção de um conceito.

Neste contexto, Savigny, o precursor da chamada teoria subjetivista, sustentou, com base no direito romano, que a posse seria a reunião dos elementos corpus e animus domini. O primeiro elemento (corpus) corresponde à detenção, ou seja, “ [...] o poder físico da pessoa sobre a coisa, a faculdade real e imediata de dispor fisicamente da coisa.[18] Já o animus domini seria a vontade de possuir a coisa como sua.

Assim, o corpus (elemento material), para Savigny corresponde à faculdade real e imediata de dispor da coisa ou de defendê-la das agressões de quem quer que seja.  Já o elemento anímico/subjetivo é o animus, o qual deve ser entendido como intenção de ter a coisa como sua.

Mas atenção! Caio Mario adverte que a intenção de ter a coisa como sua não é a convicção de ser dono, mas a vontade de ter a coisa para si.[19]



Posse para os Savigny
è  CORPUS (faculdade real e imediata de dispor da coisa ou de defendê-la das agressões de quem quer que seja)
è  ANIMUS (vontade de ter a coisa para si)


 
 






Acontece que Rudolf von Jhering, discípulo de Savigny, percebeu um erro de compreensão do sentido dos elementos corpus e animus na teoria subjetivista.

Fiuza conta que Jhering examinou o direito romano e verificou que o sistema protegia certas situações, como a do enfiteuta e a do credor pignoratício, que seriam casos de mera detenção para a teoria de Savigny. Mas como explicar a posse em tais situações se não havia ânimo de dono? Jhering afirmou que a única explicação para a resposta é que estariam errados os conceitos de corpus e animus domini na teoria subjetiva.

O corpus, destacou Jhering, não é exatamente o contato físico ou o poder de disposição da coisa. Este conceito, na verdade, não explica a posse do escravo em viagem, pois o senhorio o possuía, apesar de não ter possibilidade de exercer qualquer poder sobre ele.

No mesmo sentido, o conceito também não explica a posse de um imóvel com a simples entrega das chaves, assim como a posse de um objeto perdido dentro de casa.

Então, para Jhering, o corpus “ [...] é a relação exterior entre possuidor e a coisa possuída. É o procedimento de quem age como dono, ainda que não o seja, e ainda que não exerça poder físico sobre a coisa [...] Para que se caracterize o corpus, basta que a coisa esteja sujeita à nossa vontade[20]. Daí a célebre definição de que a posse é a exteriorização da propriedade.

Outro erro de compreensão era a da expressão animus, que não significa vontade de ser dono e muito menos o de ter a posse para si. Segundo Fiúza, o direito romano conferia proteção possessória ao enfiteuta e ao credor pignoratício, mesmo não tendo eles qualquer vontade de apropriar-se da coisa.

Mas qual é o significado correto, portanto, da expressão animus? Para Fiuza, “ [...] é o desejo de proceder como se procede o dono, ainda que sem pretender sê-lo.[21]

E conclui César Fiuza dizendo que o animus (vontade de proceder como dono) está contido no corpus (procedimento de quem age como dono). Daí a definição de que possuidor é quem procede com aparência de dono, ainda que não o seja nem deseje sê-lo. Em termos ainda mais simples, diz-se que posse é visibilidade (aparência) de domínio. “Tem a posse quem parece ser dono, por estar exercendo um ou alguns dos atributos de propriedade (uso, fruição, disposição e reivindicação.[22]

Em reforço, Silvio Rodrigues adverte que, para Jhering, “a noção de animus já se encontra na de corpus, sendo a maneira como o proprietário age em face da coisa de que é possuidor.” Este autor exemplifica com a situação de um lavrador que deixa a sua colheita no campo. É certo que ele não tem mais o contato físico ou o poder de disposição, mas nem por isso deixa de ter a posse, pois age, em relação ao produto colhido, como o proprietário ordinariamente o faz.

Mas se deixa no local uma jóia, evidentemente já não conserva a posse sobre ela, pois não é assim que o proprietário age em relação a um bem dessa natureza.

Ainda para Silvio Rodrigues, o exame da posse requer simplesmente bom senso. Ele nos mostra isso com exemplos:

O camponês que encontra animal capturado por armadilha sabe que ele pertence ao dono desta; deste modo, se o tirar dali, não ignora que pratica furto, já que o está subtraindo da posse de seu dono; o madeireiro que lança à correnteza os troncos cortados na montanha para que o rio os conduza à serraria não tem o poder físico sobre os madeiros, mas conserva a posse, pois assim é que age o proprietário; o transeunte que vê materiais de construção ao pé da obra sabe que eles pertencem ao dono desta, embora não se encontrem sob a sua detenção física.[23]

Já Caio Mario demonstra que, para a teoria objetivista, o elemento material ou corpus é a relação exterior que há normalmente entre o proprietário e a coisa ou, simplesmente, a aparência de propriedade.

Portanto, deve-se alertar para o fato de que também há elemento subjetivo na teoria de Jhering. Para este autor, o animus não é a vontade de ser dono, mas sim a vontade de proceder como normalmente procede o proprietário (affectio tenendi).[24]

O mestre Caio Mario ainda chama atenção ao dizer que o que sobreleva no conceito de posse é a destinação econômica da coisa. O autor traz exemplos elucidativos, vejamo-los:

Um homem que deixa um livro num terreno baldio, não tem a sua posse, porque ali o livro não preenche a sua finalidade econômica. Mas aquele que manda despejar adubo em um campo destinado à cultura tem-lhe a posse, porque ali cumprirá o seu destino. Se o caçador encontra em poder de outrem a armadilha que deixou no bosque, pode acusá-lo de furto, porque mesmo de longe, sem o poder físico, conserva a sua posse; mas se encontra em mãos alheias a sua cigarreira deixada no mesmo bosque, não poderá manter a acusação, porque não é ali o seu lugar adequado, por não ser onde cumpre a sua destinação econômica.[25]

2.4.Teoria Adotada Pelo Código Civil

Nesse entrechoque de posições, o Código de 2002 se inclinou, no 1.196[26], à toda evidência, pela teoria objetiva, mas faz concessões à Teoria Subjetiva, como, por exemplo, ao tratar do usucapião. Nesse caso, como veremos, o Código exige posse com animus domini.

Para ilustrar, observe a redação do artigo 1.238 do Código Civil, que estabelece, dentre outros requisitos, que a posse seja exercida como animus domini, vejamos:

Art. 1.238. Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis.

Trata-se, como dito, de uma concessão, ou seja, o elemento subjetivo surge como exceção no contexto da posse para fins de usucapião. Mas, como regra, a caracterização da posse independe do elemento subjetivo, pois basta o exercício dos atributos do domínio. Neste sentido, quem exerce os atributos de uso, gozo, livre disposição ou a reivindicação é considerado possuidor.

Ainda com base neste enunciado legal, alguns autores chegam a afirmar que todo proprietário é possuidor, mas nem todo possuidor é proprietário[27].

3.      Posse e Detenção

Concluída a análise do conceito de posse para o direito, cabe agora fazer a devida distinção entre posse e detenção. Como se verá, são duas situações muito parecidas, mas que recebem tratamento completamente diferenciado pela lei, o que demonstra a relevância da diferenciação entre uma e outra.

Segundo Cristiano Chaves, a posse, para a teoria objetiva, é apreensão. Quem apreende é possuidor. No entanto, o ordenamento jurídico às vezes desqualifica determinadas apreensões. Em certos casos, o ordenamento jurídico retira de quem apreende a condição/qualidade de possuidor.

Essa idéia de posse como contato físico, se levada ao extremo, nos levaria a dizer que todos aqueles que apreendem coisas são possuidores. Em certos casos, portanto, em que alguém tem contato físico com a coisa, mas não é considerado possuidor, são casos de meras detenções.

Assim, detenção é o caso em que, embora haja apreensão/contato físico, o ordenamento desqualifica (retira a qualidade de possuidor). O sistema não quer que aquela pessoa seja possuidora. É que o detentor não exerce uma posse em nome próprio, mas sim em nome de terceiros.

a)      Primeiro Caso. Servo, Fâmulo ou Gestor da Posse (art. 1.198)

O primeiro caso está previsto no artigo 1.198, que trata da figura do fâmulo da posse, também conhecido como gestor da posse, o qual se encontra uma relação de subordinação jurídica.

Recordemos da figura do caseiro, do manobrista de um estacionamento, do motorista particular, “do soldado em relação às armas e à cama do quartel, a dos funcionários públicos quanto aos móveis da repartição; a do preso em relação às ferramentas da prisão com quem trabalha; a dos domésticos quanto às coisas do empregador[28]” etc. Todos são exemplos de detenção.

Desta feita, o chamado fâmulo da posse, detentor por definição legal, conserva a “posse” em nome de outrem e em cumprimento de ordens ou instruções de terceiros.[29] Para ilustrar, um caseiro contratado para vigiar uma chácara de lazer não legitimidade para instaurar interdito proibitório contra o seu empregador, após receber o aviso prévio, isso porque ele não tem posse, mas simples detenção. (RT 771/353)

Entretanto, apesar de não ter posse, mas detenção, o também chamado servo da posse (“Besitzdiener”, na Alemanha), tal como o possuidor, pode exercer a autotutela (desforço imediato), prevista no artigo 1.210, §1º, em defesa das coisas que lhe foram confiadas[30], conseqüência natural de seu dever de vigilância. Inclusive, há Enunciado aprovado na V Jornada de Direito Civil do CJF/STJ que firmou esta orientação: “O detentor (art. 1.198 do Código Civil) pode, no interesse do possuidor, exercer a autodefesa do bem sob seu poder” (Enunciado n. 493).

Inclusive, em uma análise interdisciplinar, uma das hipóteses de nomeação à autoria é exatamente a situação do caseiro (art. 69 do CPC). A nomeação à autoria é obrigatória, sob pena de responsabilização por perdas e danos.

Mas e se a ação é promovida contra o possuidor para discutir um aspecto da posse e não contra o proprietário? Também é caso de nomeação à autoria? Negativo, pois a nomeação à autoria é exclusiva do detentor. Assim, não se fala em nomeação à autoria, mas hipoteticamente poderíamos falar em denunciação da lide.

A jurisprudência é riquíssima em casos que envolvem a caracterização de posse ou de detenção. No AgRg no REsp 710.789/RS, por exemplo, o Superior Tribunal de Justiça entendeu que tem interesse de agir e legitimidade ativa ad causam o motorista de um veículo que recebeu autuação de multa de trânsito, dada à possibilidade de vir a ser cobrado pelo empregador, em caráter regressivo.

Outros exemplos são apresentados por Orlando Gomes, em obra atualizada por Luis Edson Fachin: “ [...] os empregados em geral, os diretores de empresa, os bibliotecários, os viajantes em relação aos mostruários, os menores mesmo quando usam coisas próprias, o soldado, o detento”. [31]
b)     Detenção Independente (Atos de Mera Permissão ou Tolerância, Posse Violenta e Posse Clandestina) (art. 1.208[32])

Permissão é diferente de tolerância, pois pressupõe prévio consentimento daquele que permite, ao passo que nesta última o que se tem é uma atitude passiva, de não intervenção.[33]

Portanto, em semelhança ao que ocorre com a figura do servo da posse, os aludidos atos impedem o surgimento da posse. A diferença é que, aqui, não há relação de dependência com terceiros, daí ser chamada pelo nome de detenção independente.[34]

É por isso que Silvio Rodrigues dizia que a posse precária, ao contrário da posse violenta e clandestina, nunca convalesce.

è REsp. 556.721/DF  Nesse Julgado, o STJ qualificou como mera detenção os atos de ocupação de área pública. Entendeu-se que se trata de ato de mera detenção.

EMBARGOS DE TERCEIRO - MANDADO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE – OCUPAÇÃO IRREGULAR DE ÁREA PÚBLICA - INEXISTÊNCIA DE POSSE - DIREITO DE RETENÇÃO NÃO CONFIGURADO.
1. Posse é o direito reconhecido a quem se comporta como proprietário. Posse e propriedade, portanto, são institutos que caminham juntos, não havendo de ser reconhecer a posse a quem, por proibição legal, não possa ser proprietário ou não possa gozar de qualquer dos poderes inerentes à propriedade.
2. A ocupação de área pública, quando irregular, não pode ser reconhecida como posse, mas como mera detenção.
3. Se o direito de retenção depende da configuração da posse, não se
pode, ante a consideração da inexistência desta, admitir o surgimento daquele direito advindo da necessidade de se indenizar as benfeitorias úteis e necessárias, e assim impedir o cumprimento da medida imposta no interdito proibitório.
4. Recurso provido.

Portanto, o ordenamento desqualifica o titular.

Por outro lado, a posse violenta e clandestina se convalescem em posse injusta a partir de ano e dia do esbulho ou da prática do ato clandestino.

c)      Esbulhador de bem de pessoa não presente (art. 1.224)

4.      Teoria da Função Social da Posse

4.1. Introdução

Para Cristiano de Farias Chaves[35], essa teoria começou a ser desenvolvida por um autor espanhol chamado “Antonio Hernandez Gil”. Ele foi um dos precursores da tese da função social da posse.

De acordo com essa teoria, a posse não deveria estar baseada simplesmente no elemento objetivo ou no elemento subjetivo; a posse não deveria se resumir a isso. Assim, sustenta Gil, tal como a doutrina contemporânea, que a posse deve ser justificada socialmente, ou seja, deve ter um fundamento para a proteção. E essa justificação social da posse seria a tese da função social.

Então, o estudo da função social da posse gira em torno de se identificar qual é a justificativa ou o fundamento jurídico para a proteção da posse.

4.2.As Teorias sobre Fundamento da Tutela Possessória

Para alguns estudiosos, a tutela possessória se justifica por si mesma, independentemente de qualquer situação (teorias absolutas). Para outros, a proteção é conferida em razão de fatores diversos, sejam eles específicos, como a pessoa do possuidor ou a propriedade ou sejam eles genéricos, como a paz e o interesse social (teorias relativas)[36].

4.2.1.      Teorias Absolutas

Dentre os que justificam a proteção possessória por si mesma – a posse pela posse – está o autor Bruns, segundo o qual “ [...] o possuidor, pelo só fato de o ser, tem mais direito do que aquele que não o é: Qualiscumque enim possessor, hoc ipso quod possessor est, plus iuris habet quam ille qui non possidet.[37]
No mesmo sentido se posicionam os autores Ahrens e Roder. A diferença é que, para eles, a relação externa daquele que se encontra com a coisa não é injusta, e por isso devem ser mantido na posse.

4.2.2.      Teorias Relativas

Já Savigny e Rudorff surgem como autores que justificam a tutela da posse em fatores externos a ela. Para eles, a posse não é protegida por si mesma, mas sim em razão da figura do próprio possuidor. A teoria de Savigny parte do pressuposto que a turbação e o esbulho são ilícitos, o que justifica a tutela da inviolabilidade do possuidor.

Isso significa que a justificativa de Savigny seria externa e específica à proteção do possuidor. No entanto, Caio Mario afirma que a proteção da posse, para Savigny, se justificaria pela necessidade de ser mantida a ordem social[38].

Fundamento parecido é invocado por Kohler, ao dizer que a proteção é conferida para a manutenção do estado de paz necessário à vida em sociedade. No mesmo sentido, De Page, que menciona a “paz pública” como fundamento.

Já autores como Gans, Stahl e Jhering invocam um argumento em comum, externo e específico, como fundamento para a tutela possessória: o direito de propriedade. Ou seja: protege-se a posse em função da propriedade.

É claro que as teorias apresentam algumas variações, mas a idéia central é a mesma. Para Gans, por exemplo, a posse “ [...] é uma propriedade incipiente.[39], enquanto que, para Stahl, a proteção da posse é provisória, por ser a posse uma propriedade presumida.

Por fim, em sentido aproximado de Gans e Stahl, Jhering sustenta que a proteção da posse é um complemento necessário à garantia da defesa da propriedade.

 Como visto, tanto Savigny como Jhering se debruçaram na tentativa de apresentar uma justificativa para a proteção da posse. O primeiro sustentou que a proteção da posse se justifica ante a necessidade de tutela do próprio possuidor, em respeito à paz social, à negação da violência e do exercício arbitrário das próprias razões.[40]

Já o sucessor von Jhering defendeu concepção mais patrimonialista ao apresentar qual seria o fundamento para a proteção possessória. Assim, para Jhering, por ser a posse a exteriorização da propriedade, o Direito presume ser o titular da posse o proprietário do bem, daí a previsão dos interditos que são mecanismos céleres para a defesa da posse.[41]

Em suma: para Jhering, a tutela possessória existe só porque o possuidor é presumivelmente o proprietário. O objetivo é proteger a propriedade em si, mas não a posse, como situação jurídica autônoma.

Como bem anotaram Cristiano Farias e Nelson Rosenvald, “ [...] ambas as teorias situam o fundamento da proteção possessória em elementos externos à posse.[42]Para Savigny, esse elemento externo seria a “integridade do possuidor”, ao passo que, para Jhering, seria o “interesse complementar da tutela da propriedade

Essas teorias, desenvolvidas nos primeiros anos do século XIX, obviamente que são insuficientes para apresentar uma resposta satisfatória para a realidade brasileira, onde existem sérios conflitos fundiários sobre a posse.

A justificativa não pode ser a proteção da integridade do possuidor, como dizia Savigny, pois é com a proteção da posse que se evita a violência. Ademais, todo o Direito está aparelhado com mecanismos de repressão da violência, especialmente o Direito Penal, não sendo esta uma característica específica da posse.

Mas também não pode dar razão a Jhering, pois a posse é protegida por ser um direito especial, uma situação autônoma que, por si só, merece proteção possessória. Não se deve justificar a proteção da posse porque ela é um apêndice da propriedade.

Essa mesma conclusão é apresentada por Caio Mario, segundo o qual:

Como se vê da exposição acima, nenhuma das explicações satisfaz plenamente. Nem as teorias absolutas, que sustentam a tutela da posse em razão da própria posse, nem as relativas, que vão arrimá-la à pessoa do possuidor, à defesa da propriedade, à paz social, ou ao interesse público. A posse parece condenada a sofrer a maldição das controvérsias.
A teoria de Ihering, que satisfaz aos anseios práticos, no que diz respeito à conceituação, natureza e efeitos da posse, não convence na justificativa do fundamento de sua proteção, pois que pressupõe o ordenamento sistemático da propriedade e das ideias em torno de sua defesa. Ora, isto não encontra supedâneo nos monumentos históricos, nem nas hipóteses formuladas em torno de sua origem e evolução.[43]

Neste sentido, tanto o Código de 1916 como o de 2002 foram extremamente patrimonialistas, ao conceberem a posse apenas como um escudo para a defesa da propriedade.

4.3.A Posse e as Teorias Sociológicas

Por outro lado, as teorias sociológicas sustentam que a posse não é mera aparência de propriedade – teoria objetiva – mas sim “ [...] um poder fático de ingerência socieconômica sobre determinado bem da vida, mediante a utilização concreta da coisa.[44]

Razão assiste a tais teorias porque a posse não se adquire somente a partir de uma relação de direito real ou obrigacional preexistente. Muito mais que isso, a posse também se adquire por qualquer um que exerça o poder fático sobre a coisa com legitimidade para ser capaz de utilizar concretamente o bem[45].

No entanto, ao se adotar a teoria objetiva no artigo 1.196, o Código assumiu postura totalmente patrimonialista, pois deixou de reconhecer a autonomia da posse em relação à propriedade.

Diante de tais críticas, o fundamento para a proteção possessória é bem mais amplo do que foi concebido pelas teorias clássicas examinadas.

Em verdade,“ [...] tutela-se a posse como direito especial, pela própria relevância do direito de possuir, em atenção à superior previsão constitucional do direito social à moradia (art. 6º da CR – EC nº 26/01), e o acesso aos bens vitais mínimos hábeis a conceder dignidade à pessoa humana (art. 1ª, III, da CF).[46]

Enfim, a posse deve ser protegida por ser um fim em si mesma, não a projeção de um direito pretensamente superior. Pode-se até comparar a situação da posse e a da propriedade, com a do casamento e a união estável. Ambas são situações independentes, que merecem proteção por si só.

Essa é justamente a posição de Antônio Hernandez Gil para quem “ [....] Por servir o uso e o trabalho sobre a coisa a necessidades humanas básicas, justifica-se o dever geral de abstenção perante a situação do possuidor e a garantia do desfrute de bens essenciais.[47]

Cristiano Farias[48] ainda alude à obra de Norberto Bobbio, que escreveu o livro “Da Estrutura à Função”, no qual ele trata da evolução do direito civil a partir do período das grandes codificações.

No livro, Bobbio demonstra como a tendência atual caminha no sentido de não enxergar o direito mais como ele é (ponto de vista estrutural), mas para que ele serve (ponto de vista social).

Sobre o tema, ainda convém relembrar o exemplo do homem do chapéu. Pela teoria da função social, o homem, além de estar com o chapéu, deve utilizar, com justificativa social, esse chapéu.

Desta feita, as teorias sociológicas enfatizam o valor socioeconômico da posse e permitem, em certas circunstâncias, que esta prepondere sobre o direito de propriedade.

4.3.1.      Teoria Social de Silvio Perozzi

Na trilha das teorias que dão ênfase ao caráter social e econômico da posse está a teoria social do italiano Silvio Perozzi, que foi formulada nas primeiras edições de suas Instituzioni di diritto romano, em 1906.[49]

Para Perozzi, “a posse prescinde do corpus e do animus e resulta do “fator social”, dependente da abstenção de terceiros com referência à posse.[50]

Para ilustrar a teoria, o próprio Perozzi oferece o exemplo do “homem de chapéu” e sustenta que Savigny diria que este homem tem posse simplesmente porque tem o chapéu na cabeça e a possibilidade real e imediata de dispor dele ou de defender-se contra ataque de terceiros. Já Jhering diria simplesmente que o homem é possuidor por aparentar ser o proprietário do chapéu.

Por outro lado, Perozzi sustenta que não é a aparência de propriedade, em si, que investe o homem da posse do chapéu, mas sim o ato de abstenção social gerada pela noção intuitiva que as pessoas têm de que aquele bem não está livre, já que alguém está dispondo dele com exclusividade.

Portanto, para Perozzi, o que o homem de chapéu torna aparente é sua intenção de dispor do bem com exclusividade, o que, associado à atitude de respeito e abstenção de todos, faz com que ele se invista no poder jurídico sobre a coisa denominada posse.

Neste sentido, Carlos Roberto Gonçalves obtempera que:

Observa o citado jurista que os homens, alcançando certo grau de civilização, abstêm-se de intervir arbitrariamente numa coisa que aparentemente não seja livre, por encontrar-se esta em condições visíveis tais que deixa presumir que alguém pretende ter-lhe a exclusiva disponibilidade. Por força desse costume, quem manifesta a intenção de que todos os outros se abstenham da coisa para que ele disponha dela exclusivamente, e não encontra nenhuma resistência a isso, investe-se de um poder sobre ela que se denomina posse, e que se pode definir como a plena disposição de fato de uma coisa.
  
Portanto, Perozzi define posse como a plena disposição de fato de uma coisa.

4.3.2.      Teoria da Apropriação Econômica de Raymond Salleilles

Outro autor que propõe uma teoria da posse independente da propriedade ou de outro direito real é o francês Raymond Salleilles. Para ele, a posse “se manifesta pelo juízo de valor segundo a consciência social considerada economicamente.[51]

Salleilles ainda diverge de Jhering no que respeita à distinção entre posse e detenção. Para o jurista francês, a diferença não se dá porque o legislador simplesmente desqualificou a posse para uma detenção, mas sim em função de um critério de observação dos fatos sociais: “há fato onde há relação de fato suficiente para estabelecer a independência econômica do possuidor.[52]

4.3.3.      Teoria da Função Social da Posse de Antonio Hernandez Gil

Talvez a mais influente teoria sociológica é a proveniente do espanhol Antonio Hernandez Gil. Este autor lembra que grandes coordenadas da ação humana, como a necessidade e o trabalho, passam pela posse, mas que os juristas e sociólogos não lhe dedicam o seu devido tratamento.

Para além de suas críticas aos conceitos tradicionais de posse, tais como apresentados nos Códigos, Hernandez Gil destaca, acima de tudo, que a posse, no contexto de um Estado Social que estabelece um programa de distribuição de recursos coletivos, é chamada a desempenhar um importante papel para a consecução de tais objetivos.[53]

4.3.4.      A Função Social da Posse e a Constituição de 1988

Reflexo desta perspectiva social da posse se fez sentir na Constituição da República de 1988 de forma contundente. A começar, a dignidade humana e o valor social do trabalho estão arrolados como fundamentos da república. Em seguida, dentre os objetivos aparecem a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, a erradicação da pobreza e da marginalização, além da redução das desigualdades sociais e regionais e a promoção do bem estar de todos.

Nos princípios fundamentais e da ordem econômica e financeira, a Constituição determina que a propriedade cumpra a sua função social (art. 5º, XXIII e art. 170, III). O valor social do trabalho reaparece como fundamento não só da república, mas também da ordem econômica.

Esses princípios e fundamentos são aplicados nas políticas urbanas com a previsão de prazos reduzidos para a usucapião especial urbana e rural (art. 183 e 191).

Com efeito, um direito civil constitucionalizado demanda uma reanálise do conceito de posse para enquadrá-la em todos esses objetivos e programas. Assim, muito acima dos elementos (corpus e animus) a posse deve ser entendida como instrumento de concessão de dignidade para os possuidores, e não uma “sentinela avançada”  da propriedade.

Hoje a posse é um dos mais importantes instrumentos de garantia do direito à moradia (art. 6º) e, em última instância, da dignidade humana.

Justamente por isso, num duelo entre o proprietário, que tem a propriedade registrada em cartório, e o possuidor, que cumpre a função social, este último, nessa perspectiva constitucional, deverá sair vitorioso.

4.3.5.      Função Social da Posse.

Assim, diante das teorias sociológicas, possuidor não é aquele simplesmente que tem o exercício de uma das faculdades do domínio, mas sim aquele que cumpre a função social. Neste sentido, Cristiano Chaves sustenta que a função social da posse se caracteriza quando o possuidor cumpre a função social da propriedade em lugar do respectivo titular.

Na jurisprudência, conferir o seguinte julgado:

“Agravo de Instrumento. Imissão de Posse. Natureza Petitória. Não aplicação do art. 928 do CPC. Restrição aos Interditos Possessórios. Tutela Antecipada. Art. 273 do Codex. Possibilidade. Terceiro Possuidor. Comodato Verbal. Não Comprovação. Ausência de prova inequívoca. Direito de Moradia. Função Social da Posse. A Ação de imissão de posse possui natureza petitória, a partir da qual se tem como consequência a ‘impossibilidade de concessão de liminar de posse, pois o referido provimento satisfativo é restrito aos interditos possessórios’, sendo possível, todavia, a antecipação dos efeitos da tutela (art. 273 do CPC). – Ausente prova inequívoca conducente à verossimilhança das alegações, eis que omissa a comprovação da natureza jurídica do vínculo alegado entre as partes (vendedor e pretenso comodatário), sendo temerário acolher a afirmação contida na exordial de existência de comodato verbal, sem qualquer indício concreto a corroborá-lo, imperioso o indeferimento da medida liminar. – Omissa prova idônea acerca da existência de comodato verbal e correlata consumação da precariedade, torna-se impossível retirar o réu (colono rural) de sua moradia, direito social de relevante valor para o ordenamento jurídico pátrio, consagrado pelo art. 6.º da Carta Magna, o que acabaria por vilipendiar o devido processo legal, a função social da posse e a materialização da dignidade humana” (TJMG, Agravo de Instrumento 1.0112.08.080619-6/0011, Campo Belo, Décima Terceira Câmara Cível, Rel.ª Desig. Des.ª Cláudia Maia, j. 30.10.2008, DJEMG 01.12.2008).

4.4.O Código Civil e a Função Social da Posse.

Mas o Código Civil abraçou essa tese?

Em resposta, Flavio Tartuce esclarece que o atual Código Civil perdeu a oportunidade de adotar a teoria da função social expressamente[54]. No entanto, o PL nº 699/2011 prevê alteração da redação do artigo 1.196, que passaria a dispor:

“Art. 1.196. Considera-se possuidor todo aquele que tem poder fático de ingerência socioeconômica, absoluto ou relativo, direto ou indireto, sobre determinado bem da vida, que se manifesta através do exercício ou possibilidade de exercício inerente à propriedade ou outro direito real suscetível de posse”.

Segundo Tartuce, a proposta segue a sugestão do jurista Joel Dias Figueira Jr., o qual apresenta a seguinte justificativa:

“Por tudo isso, perdeu-se o momento histórico de corrigir um importantíssimo dispositivo que vem causando confusão entre os jurisdicionados e, como decorrência de sua aplicação incorreta, inúmeras demandas. Ademais, o dispositivo mereceria um ajuste em face das teorias sociológicas, tendo-se em conta que foram elas, em sede possessória, que deram origem à função social da propriedade. Nesse sentido, vale registrar que foram as teorias sociológicas da posse, a partir do século XX, na Itália, com Silvio Perozzi; na França com Raymond Saleilles e, na Espanha, com Antonio Hernandez Gil, que não só colocaram por terra as célebres teorias objetiva e subjetiva de Ihering e Savigny, como também se tornaram responsáveis pelo novo conceito desses importantes institutos no mundo contemporâneo, notadamente a posse, como exteriorização da propriedade (sua verdadeira ‘função social’)”.

No entanto, na exposição de motivos do Código, Miguel Reale faz alusão indireta à função social da posse, ao mencionar a “posse trabalho”. E Reale afirmou que, embora o Código não tenha acolhido expressamente a teoria, acolheu de forma implícita ou indireta a tese da função social da posse.

A expressão foi mencionada nos comentários sobre a inovação do artigo 1.228,§§4º e 5º. Nas palavras do próprio Miguel Reale:

Trata-se, como se vê, de inovação do mais alto alcance, inspirada no sentido social do direito de propriedade, implicando não só novo conceito desta, mas
Também novo conceito de posse, que se poderia qualificar como sendo de
posse-trabalho, expressão pela primeira vez por mim empregada, em 1943, em parecer sobre projeto de decreto-lei relativo às terras devolutas do Estado de São Paulo, quando membro de seu “Conselho Administrativo” Na realidade, a lei deve outorgar especial proteção à posse que se traduz em trabalho criador, quer este se corporifique na construção de uma residência, quer se concretize em investimentos de caráter produtivo ou cultural. Não há como situar no mesmo plano a posse, como simples poder manifestado sobre uma coisa, “como se” fora atividade do proprietário, com a “posse qualificada”, enriquecida pelos valores do trabalho. Este conceito fundante de “posse-trabalho” justifica e legitima que, ao invés de reaver a coisa, dada a relevância dos interesse sociais em jogo, o titular da propriedade reinvindicanda receba, em dinheiro, o seu pleno e justo valor, tal como determina a Constituição.[55]

A rigor, a função social da posse é um desdobramento da função social da propriedade. Isso porque toda propriedade precisa cumprir uma função social (art. 5º, XXIII da CR/88)[56].

E como muito acontece na prática, pode ocorrer de o proprietário permanecer em estado de inércia, deixando a sua propriedade improdutiva, mas alguém, em seu lugar, venha a atender a função social. Em situações como essa, o Direito premia, podemos dizer assim, aquele que atendeu a função social.

Neste sentido, algumas previsões do código retratam muito bem as situações em que a lei prestigia o cumprimento da função social e não o título de propriedade. Vejamos alguns exemplos:

4.5.Exemplos de Função Social da Posse no Código Civil

4.5.1.      Impossibilidade de discussão de Propriedade em Ação de Reintegração de Posse (Art. 1.210, §2º[57])

Em ação de manutenção ou reintegração de posse não se discute a propriedade. Em ação possessória, interessa saber quem é o melhor possuidor. Não cabe mais a chamada exceção da propriedade. É o Código Civil rendendo homenagens à teoria da função social da posse.

4.5.2.      Redução do prazo temporal da usucapião em função da posse-trabalho. (P. único dos arts. 1.238 e 1.242[58])

Esses dois dispositivos permitem ao juiz reduzir o prazo de usucapião “em cinco anos” De 15 para 10, ou de 10 para 5, conforme o caso (ordinário ou extraordinário), quando o usucapiente estiver utilizando a terra de forma produtiva, vale dizer, quando está cumprindo a função social da posse.

4.5.3.      Acessão Inversa. (arts. 1.255, p. único, art. 1.258 e 1.259[59])

Em tais hipóteses a lei defere ao possuidor que plantou, construiu ou edificou, total ou parcialmente, em terreno alheio, a aquisição compulsória da propriedade em razão do exercício da função social. Isso é o que se chama de acessão inversa ou invertida, pois o que prevalece normalmente é a regra superficies solo cedit, ou seja, tudo o que se incorpora ao solo pertence ao respectivo titular.

4.5.4.      Desapropriação Judicial por Posse-Trabalho (arts. 1.228, §§4º e 5º)

a)      Requisitos e Natureza Jurídica

De todos os exemplos, este sem dúvida é o mais significativo. O dispositivo consagra o que a doutrina denominou como Desapropriação Judicial Indireta, desapropriação judicial no interesse privado, ou ainda, desapropriação judicial Indireta por Posse-Trabalho.

A lei trata do instituto como modalidade de perda da propriedade, o que pressupõe os seguintes requisitos:

·         Extensa área
·         Posse ininterrupta de boa fé
·         5 anos
·         Considerável número de pessoas
·         Obras e serviços considerados de interesse social e econômico relevante.

Não se trata de usucapião. E isso por uma questão muito simples:  a lei impõe o pagamento de uma justa indenização (§5º) dentre os requisitos para a aquisição da propriedade.  Por isso, o instituto mais se assemelha à figura da desapropriação.

Flávio Tartuce é um dos que enquadra o instituto como modalidade de desapropriação, só que qualificada pelo fato de ser judicial e privada (no interesse particular). Segundo tartuce, a hipótese em estudo não encontra correspondente na legislação anterior, nem no direito comparado.

Miguel Reale chegou a comentar sobre ele na exposição de motivos do Código Civil. O filósofo destaca que o instituto se inspira no sentido social do direito de propriedade e implica formulação de novo conceito desta, assim como do conceito de posse, que se qualifica como posse-trabalho:

“Trata-se, como se vê, de inovação do mais alto alcance, inspirada no sentido social do direito de propriedade, implicando não só novo conceito desta, mas também novo conceito de posse, que se poderia qualificar como sendo de posse-trabalho, expressão pela primeira vez por mim empregada, em 1943, em parecer sobre projeto de decreto-lei relativo às terras devolutas do Estado de São Paulo, quando membro do seu Conselho Consultivo”.[60]

Diante de tal justificativa, Flávio Tartuce sugere que a nomenclatura “desapropriação privada por posse-trabalho” seria a mais adequada.

Tartuce ressalta, ainda, que se trata de desapropriação, pois o sistema brasileiro não prevê hipótese de usucapião onerosa, sendo que o §5º do art. 1.228 exige o pagamento de justa indenização, como requisito para a aquisição da propriedade.

Uma vez caracterizada como desapropriação, ainda cabe advertir que se trata de desapropriação privada, eis que concretizada no interesse particular dos ocupantes da área.

O fundamento, como dito, é a posse-trabalho que, para Flávio Tartuce, “constitui uma cláusula geral, um conceito aberto e indeterminado a ser preenchido caso a caso. Representa tal conceito a efetivação da função social da posse, pelo desempenho de uma atividade positiva no imóvel, dentro da ideia de intervenção impulsionadora, antes exposta.”

b)     Desapropriação Judicial Indireta e Usucapião Especial Urbana Coletiva.

Além desta característica, que por si só já aparta o instituto da usucapião, a hipótese do artigo 1.228 apresenta outras diferenças em relação a certas modalidades de usucapião previstas no Brasil, como a usucapião urbana coletiva, prevista no Estatuto da Cidade[61].

Vejamos tais diferenças no quadro que se segue:


Desapropriação Jud. Indireta
Usucapião Especial Urbano Coletivo
Previsão Legal
Art. 1228,§§4º e 5º
Artigos 10 a 12 do Estatuto da Cidade
Requisitos
è  Extensa área

è  Urbana ou rural
è  Posse de boa fé
è  5 anos
è  Considerável número de pessoas
è  Obras e serviços relevantes
è  Justa Indenização
Grande parte dos conceitos são abertos
Função Social da Posse
è  Imóvel com área superior a 250m2
è  Urbano
è  Posse de boa ou má fé
è  Por população de baixa renda
è  Finalidade: moradia
è  Não há indenização
Também estão fundados na função social da posse

c)      Enunciados do Conselho de Justiça Federal.

Por se tratar de instituto sem precedentes na legislação pátria e comparada, e ainda, diante da existência de tantos conceitos jurídicos indeterminados, o artigo 1.228 foi objeto de atenção especial pela comunidade jurídica. Neste contexto, foram aprovados vários enunciados nas jornadas de direito civil realizadas pelo Conselho de Justiça Federal. Vamos a eles:

Enunciado 82, I Jornada (2002)

“É constitucional a modalidade aquisitiva de propriedade imóvel prevista nos §§ 4.º e 5.º do art. 1.228 do novo Código Civil”.

Chegaram a sustentar a inconstitucionalidade ao argumento de que o instituto estimularia a invasão de terras. Será?

Enunciado 83, I Jornada e Enunciado 304, IV Jornada (2006)

“Nas ações reivindicatórias propostas pelo Poder Público, não são aplicáveis as disposições constantes dos §§ 4º e 5º do art. 1.228 do novo Código Civil.”

“são aplicáveis as disposições dos §§ 4.º e 5.º do art. 1.228 do CC às ações reivindicatórias relativas a bens públicos dominicais, mantido, parcialmente, o Enunciado n. 83 da I Jornada de Direito Civil, no que concerne às demais classificações dos bens públicos”.

O réu pode invocar o instituto, em sua defesa, na ação reivindicatória proposta pela Administração Pública? O instituto é oponível ao Poder Público?

Foram aprovados 2 Enunciados sobre o assunto. O primeiro foi o 83, da I Jornada:

Neste primeiro momento foi consolidado o entendimento de que a desapropriação judicial privada não se aplica aos imóveis públicos. O fundamento utilizado foi que os bens públicos não são usucapíveis, como prescrevem os artigos 183,§3º[62] e 191, p. único, da CR/88 e artigo 102 do CC.

No entanto, em 2006, por ocasião da IV Jornada, a Comissão de Direito das Coisas aprovou o Enunciado 304, que fez uma ressalva no Enunciado 83, apenas para admitir a possibilidade de aplicação dos §§4º e 5º do artigo 1.228 do Código Civil aos bens públicos dominicais (art. 99, III[63], do CC). Logo, abriu-se a ressalva apenas para aplicar a desapropriação judicial privada a apenas uma classe de bens públicos (dominicais[64]).

Porém, Flávio Tartuce adverte que este posicionamento é ainda minoritário na doutrina.

Enunciado 84, I Jornada e Enunciado 308, IV Jornada (2006)

O instituto só pode ser utilizado como meio de defesa (exceção) a uma ação reivindicatória ajuizada pelo proprietário, ou seria possível a propositura de uma “ação de desapropriação judicial privada” para a aquisição da propriedade? Quanto à indenização, quem é o responsável pelo pagamento. Os possuidores ou o Poder Público?

Tais questões também foram objeto de 3 Enunciados. O primeiro deles (84) consolidou a seguinte posição:

“A defesa fundada no direito de aquisição com base no interesse social (art. 1.228, §§ 4.º e 5.º, do novo Código Civil) deve ser arguida pelos réus da ação reivindicatória, eles próprios responsáveis pelo pagamento da indenização”.

Como se vê, neste primeiro enunciado reconheceu-se que o instituto é uma defesa possessória (uma exceção) a ser argüida na ação reivindicatória. Quanto ao pagamento, este cabe aos possuidores da área.

A exemplo da anterior, este Enunciado (84) foi parcialmente modificado por ocasião da IV Jornada de 2006, por conta da aprovação do Enunciado 308. Com a alteração, admitiu-se a possibilidade do pagamento da indenização ser feito pela Administração Pública, em certos casos.

“A justa indenização devida ao proprietário em caso de desapropriação judicial (art. 1.228, § 5.°) somente deverá ser suportada pela Administração Pública no contexto das políticas públicas de reforma urbana ou agrária, em se tratando de possuidores de baixa renda e desde que tenha havido intervenção daquela nos termos da lei processual. Não sendo os possuidores de baixa renda, aplica-se a orientação do Enunciado n. 84 da I Jornada de Direito Civil”.

Além disso, na V Jornada, realizada em 2011, alterou-se o entendimento de que o instituto só pode ser utilizado como forma de defesa (exceção). Reconheceu-se, pois, que a desapropriação privada pode ser requerida em sede de ação própria instaurada perante o Poder Judiciário. Este entendimento foi consolidado no Enunciado 496, como explica Flávio Tartuce:

Por fim, na V Jornada de Direito Civil, do ano de 2011, foi aprovado enunciado que amplia a construção, possibilitando que o instituto da desapropriação privada seja alegado em petição, inicial, ou seja, em ação autônoma (Enunciado n. 496). Assim, pela nova interpretação doutrinária que se tem feito, não é cabível apenas alegar a categoria como matéria de defesa, o que representa notável avanço a respeito do instituto.

Eis o teor do Enunciado 496:

“O conteúdo do art. 1.228, §§ 4º e 5º, pode ser objeto de ação autônoma, não se restringindo à defesa em pretensões reivindicatórias.”

Enunciado 240, III Jornada (2004)

Polêmicas também surgem na avaliação do valor do imóvel. Afinal, qual o critério deve ser utilizado pelo juiz? Nas desapropriações, o artigo 14 do Decreto-Lei 3.365/1941 prescreve que o juiz deve indicar perito para realizar a avaliação. O critério é técnico e lastreado no mercado imobiliário. Além disso, é comum incidir juros nas desapropriações. Quanto à desapropriação privada, ficou entendido o seguinte:

“A justa indenização a que alude o § 5.º do art. 1.228 não tem como critério valorativo, necessariamente, a avaliação técnica lastreada no mercado imobiliário, sendo indevidos os juros compensatórios”.

Bem por isso, tenho que o enunciado está parcialmente correto. É de se concordar que não seriam devidos juros compensatórios que servem para remunerar o capital. O proprietário está perdendo a propriedade porque foi negligente, não cumpriu a função social. Já quanto ao critério de cálculo do valor, o enunciado por dar margens à subjetividades do juiz. É necessário ter um critério seguro, já que a indenização se mede pela extensão do dano (art. 944)

Vários outros enunciados foram editados sobre o artigo 1.228, vejamos:

Enunciado 241, III Jornada (2004)

“O registro da sentença em ação reivindicatória, que opera a transferência da propriedade para o nome dos possuidores, com fundamento no interesse social (art. 1.228, § 5.º), é condicionada ao pagamento da respectiva indenização, cujo prazo será fixado pelo juiz”.

Enunciado 305, IV Jornada (2005)

“tendo em vista as disposições dos §§ 3.º e 4.º do art. 1.228 do CC, o Ministério Público tem o poder-dever de atuação nas hipóteses de desapropriação, inclusive a indireta, que envolvam relevante interesse público, determinado pela natureza dos bens jurídicos envolvidos”.

Enunciado 307, IV Jornada (2005):

“na desapropriação judicial (art. 1.228, § 4.º), poderá o juiz determinar a intervenção dos órgãos públicos competentes para o licenciamento ambiental e urbanístico”.

Enunciado 309, IV Jornada (2005)

Art. 1.228: O conceito de posse de boa-fé de que trata o art. 1.201 do Código Civil não se aplica ao instituto previsto no § 4º do art. 1.228.

De acordo com Flávio Tartuce, o Enunciado afirma que a boa fé referida no §4º do 1228 não é a boa fé subjetiva, que se relaciona com a intenção, mas sim com a boa fé objetiva, que tem haver com o comportamento dos possuidores. Nas palavras do autor:

Por tal conteúdo, a boa-fé da posse dos ocupantes na desapropriação privada não é a boa-fé subjetiva, aquela que existe no plano intencional; mas a boa-fé objetiva, relacionada às condutas dos envolvidos. A partir desse entendimento, pode-se pensar que invasores do imóvel têm a seu favor a aplicação do instituto da desapropriação privada, o que não seria possível caso a boa-fé a ser considerada fosse a subjetiva. Em casos assim, devem ser confrontadas as posses dos envolvidos, prevalecendo a melhor posse, aquela que atenda à função social. Foi justamente o que ocorreu no outrora comentado caso da Favela Pullman.

Enunciado 310, IV Jornada (2005)

“Interpreta-se extensivamente a expressão ‘imóvel reivindicado’ (art. 1.228, § 4.º), abrangendo pretensões tanto no juízo petitório quanto no possessório”.

Enunciado 311, IV Jornada (2005):

“caso não seja pago o preço fixado para a desapropriação judicial, e ultrapassado o prazo prescricional para se exigir o crédito correspondente, estará autorizada a expedição de mandado para registro da propriedade em favor dos possuidores”.

d)     Jurisprudência. Caso da Favela Pullman em São Paulo.

Flávio Tartuce colaciona dois julgados que examinaram o caso, mas não concederam o pedido por falta de requisitos. O primeiro é do Tribunal Regional Federal da 4ª Região:

“Civil. Ação de reintegração de posse de gleba invadida. Preliminares afastadas. Procedência da demanda. Discussão sobre domínio. Irrelevância. Posse inconteste e esbulho comprovado. Desapropriação judicial, indenização por benfeitorias e direito à retenção. Descabimento. 1. Devem ser afastadas as preliminares em hipótese na qual se mostra inexistente o cerceamento de defesa, quando irrelevante à apreciação do apelo a rejeição dos embargos declaratórios, e, ainda, diante do fato de que o Ministério Público Federal reputou regular o processamento do feito, por não ter se ocupado das questões preliminares ao embasar o seu parecer nesta instância. 2. Nas ações possessórias, a discussão acerca do domínio se mostra irrelevante. 3. O fato de a autora ser proprietária dos bens esbulhados em nada altera o deslinde do jus possessionis, de vez que sua posse é inconteste, embasada em licença para operação, expedida pelo órgão público competente, e por se ter como comprovado o esbulho. 4. Descabido o pedido de desapropriação judicial, por ausência de suporte fático para a regra do art. 1.228, §§ 4.º e 5.º do CC/02, bem como o pedido de indenização por benfeitorias e de reconhecimento do direito à retenção, porquanto os invasores, por definição, não se reputam possuidores de boa-fé” (TRF da 4.ª Região, Acórdão 2006.72.16.002588-3, Santa Catarina, Quarta Turma, Rel. Des. Fed. Valdemar Capeletti, j. 10.12.2008, DEJF 25.02.2009, p. 698) (grifei).

O segundo é proveniente do Tribunal de Justiça de Rondônia (TJRO):

“Reintegração de posse. Valoração das provas. Atribuição do juiz. Desapropriação pela posse-trabalho. Ausência de boa-fé. Compete ao magistrado apreciar livremente as provas, desde que decida motivadamente. Configurada a suspeição das testemunhas trazidas pela parte requerida, age corretamente o juiz ao atribuir valor relativo aos seus depoimentos, confrontando-os com as demais provas existentes. Havendo circunstâncias nos autos que permitam a presunção de que o possuidor não ignora que ocupa indevidamente o imóvel, mostra-se incabível a desapropriação judicial (CC, art. 1.228, § 4.º)” (TJRO, Apelação 100.001.2006.018386-0, Rel. Des. Kiyochi Mori, DJERO 05.06.2009, p. 55).

Nota-se que o TJRO utilizou o conceito de boa fé subjetiva, ao contrário do entendimento consolidado nos enunciados do CJF/STJ. A decisão não me parece correta, pois a exigência de boa fé subjetiva (desconhecimento do vício que existe na posse) praticamente elimina a possibilidade de se aplicar o instituto que teria a favorecer classes mais pobres da população, que exercem a posse de áreas abandonadas para estabelecer moradia.

Embora não seja fácil encontrar algum julgado que tenha aplicado o instituto, um caso interessante, julgado pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e pelo Superior Tribunal de Justiça, é sem dúvida o mais significativo de todos.

Refiro-me ao famoso caso da “Favela Pullman”, examinado nos autos da ação reivindicatória proposta pelo proprietário de nove lotes de terreno no Loteamento Vila Andrade, subdistrito de Santo Amaro, adquiridos nos anos de 1978 e 1979. De acordo com o que consta do relatório do Recurso Especial nº 75.659/SP, o loteamento foi inscrito em 1955 e a ação petitória foi ajuizada em 1995.

Diante da inércia dos proprietários, foi-se instalando gradativamente no local a comunidade que hoje é conhecida como Favela Pullman, que está situada mais precisamente na Avenida Giovanni Gronchi, perto do Shopping Sul.

O ponto mais importante deste caso é que o TJSP, que deu provimento ao recurso dos moradores da favela, entendeu que a situação examinada era comparada a uma desapropriação indireta, que justificou a perda da propriedade, ressalvado o direito de indenização[65].

è Legitimação da Posse (Previsão Legal (Lei 6.383/76 e Lei 9.636/98, com alterações promovidas pela Lei 11.481/2007)

Ainda dentro do contexto da função social da posse está inserido o instituto da legitimação da posse, que se trata de um dos instrumentos de regularização da política fundiária brasileira, exclusiva para a ocupação de bens públicos.

Como se nota do texto da lei, a legitimação é basicamente um recurso para a formalização da posse exercida sobre um bem público, que confere ao possuidor o a licença de ocupação do imóvel e o direito de preferência na aquisição da terra nua, atendidos, é claro, os pressupostos legais. Vejamos, então, o teor do artigo 29 da Lei 6.383/76, que expressamente consagra esta possibilidade:

Art. 29 - O ocupante de terras públicas, que as tenha tornado produtivas com o seu trabalho e o de sua família, fará jus à legitimação da posse de área contínua até 100 (cem) hectares, desde que preencha os seguintes requisitos:
I - não seja proprietário de imóvel rural;
II - comprove a morada permanente e cultura efetiva, pelo prazo mínimo de 1 (um) ano.
§ 1º - A legitimação da posse de que trata o presente artigo consistirá no fornecimento de uma Licença de Ocupação, pelo prazo mínimo de mais 4 (quatro) anos, findo o qual o ocupante terá a preferência para aquisição do lote, pelo valor histórico da terra nua, satisfeitos os requisitos de morada permanente e cultura efetiva e comprovada a sua capacidade para desenvolver a área ocupada.
§ 2º - Aos portadores de Licenças de Ocupação, concedidas na forma da legislação anterior, será assegurada a preferência para aquisição de área até 100 (cem) hectares, nas condições do parágrafo anterior, e, o que exceder esse limite, pelo valor atual da terra nua.

Há também lei específica que versa sobre o instituto da legitimação de posse em relação a bens públicos da União, a saber, Lei 9.636/98, que foi alterada pela Lei 11.481/2007). No entanto, o centro de atenção desta lei é o “ [...] atendimento prioritário às ocupações irregulares de terrenos da união por populações de baixa renda.”, considerando-se como tais aquelas que alcancem renda mensal de até 05 salários mínimos.[66]

4.6. Atuação do Ministério Público

O MP não tem legitimidade para atuar em conflitos possessórios de natureza meramente patrimonial ou individual disponível, pois esta função não lhe foi atribuída expressamente pela lei (art. 127 da Constituição Federal). “Porém, tudo muda quando se tratar de litígio coletivo pela posse de terra rural, nos termos da parte final do inciso III do art. 82 do Código de Processo Civil.[67]

Mas a legitimidade para a intervenção vai muito além e abarca todos os conflitos chamados “multidinários[68]”, tais como ações que envolvem o acesso à moradia, acesso à propriedade, ações de usucapião coletiva e desapropriação judicial indireta.

5.      Classificação da Posse

O Código Civil invoca diferentes critérios para a classificação da posse.

5.1. Posse Direta e Indireta (art. 1.197)

5.1.1.      Desdobramento da Posse (Posses Paralelas)

a)      Conceito

Embora não livre de críticas, a teoria objetiva de Jhering foi importante para permitir que duas pessoas sejam consideradas possuidores, quando apenas uma delas estiverem ocupando a coisa.

Isso significa que a teoria objetiva permite o desdobramento da posse (posses paralelas), que se caracteriza pela possibilidade de uma pessoa estar diretamente ocupando a coisa enquanto a outra, que não tem o contato físico, também é reputado possuidor.

Quanto a este critério, a posse pode ser classificada em direta ou imediata e indireta ou mediata, como consta da redação do artigo 1.197, in verbis:

Art. 1.197. A posse direta, de pessoa que tem a coisa em seu poder, temporariamente, em virtude de direito pessoal, ou real, não anula a indireta, de quem aquela foi havida, podendo o possuidor direto defender a sua posse contra o indireto.

O dispositivo contempla o que é conhecido como desdobramento da posse. Trata-se de uma única posse desdobrada em duas que coexistem paralelamente. Com efeito, a posse direta é de quem mantém contato físico imediato com o bem, enquanto a posse indireta “media este contato por meio de um negócio jurídico.[69]

Em outros termos, a posse direta é aquela exercida por quem tem a coisa materialmente e a indireta é a exercida por meio de outra pessoa.[70]

O desdobramento da posse pressupõe a realização de um ato jurídico que pode dar origem a um direito pessoal, como o direito do locatário, do comodatário e do depositário, ou a um direito real, como é o caso do credor pignoratício e do usufrutuário.

Adriano Stanley esclarece que o possuidor direto também pratica atos de proprietário. Basta imaginar a situação do locador de um imóvel que aufere renda mensal decorrente do contrato de locação. No caso, o possuidor indireto está exercendo o atributo da fruição.[71]

Mas, afinal, qual é a importância prática de tal classificação? É a de permitir que o proprietário que conferiu a posse a terceiros continue sendo tratado como possuidor e, via de consequência, continue sendo legitimado para a defesa possessória.

Assim, se Mario aluga um imóvel para Carla e ocorreu um esbulho, tanto Carla quanto Mario (locador) legitimidade para a ação possessória, um como possuidor indireto e a outra como possuidora direta.

Mas aí surge um problema: Já que ambos são qualificados para defender a coisa, pode se falar em defesa do possuidor direto contra o indireto e vice e versa?? Pelo Enunciado 76[72], da I Jornada do CJF, a resposta é positiva.
Mas atenção: se não houver o desdobramento, fala-se em posse plena. Só faz sentido falar em posse direta e indireta quando houver desdobramento.

Por outro lado, é possível um subdesdobramento da posse, como se dá, por exemplo, na sublocação. E outra: Quem pode usucapir o bem? O possuidor direto ou indireto?  Para Cristiano Chaves, nenhum dos dois. Isso porque o indireto já é proprietário. O direto também não pode, já que um dos requisitos da usucapião é o “animus domini”.

Em sentido contrário, Carlos Roberto Gonçalves[73], apesar de não justificar o posicionamento, afirma que o possuidor indireto pode adquirir a propriedade por usucapião. Penso que razão assiste a este último, pois o possuidor indireto não é necessariamente o proprietário.

Basta imaginar a situação de alguém que adquiriu a posse de um bem de forma originária, sem ter uma relação jurídica como causa. Neste exemplo, verificando-se o elemento subjetivo (aninus domini), é perfeitamente possível a aquisição originária do bem via usucapião.

b)     Características do desdobramento da Posse

è A posse direta é temporária!
è A posse direta é subordinada! Os poderes do possuidor direto dependem da vontade do indireto.

7.1.2.      Posse Exclusiva e Composse (art. 1.199)

a)      Conceito

É importante salientar que tanto a posse direta como a indireta podem ser exercidas com exclusividade ou não. Será exclusiva quando exercida por um único possuidor, mas se for exercida por vários possuidores simultaneamente, teremos aí uma situação de composse (art. 1.199)

Assim, de acordo com a definição de Carlos Roberto Gonçalves, composse é a “situação pela qual duas ou mais pessoas exercem, simultaneamente, poderes possessórios sobre a mesma coisa.[74]

Em outras palavras, a composse é caracterizada pelo Exercício simultâneo da posse por duas ou mais pessoas. Resulta de convenção das partes ou a título hereditário, como na situação dos adquirentes de coisa comum, cotitulares do mesmo direito, marido e mulher em regime de comunhão de bens, coerdeiros antes da partilha, comunheiros antes da communi dividundo.[75]
Vários exemplos servem para ilustrar a situação, como a do adquirente de coisa comum, do marido e da mulher em regime de comunhão de bens ou dos coerdeiros antes da partilha[76].  O importante é não perder de vista que o condomínio está para a propriedade, assim como a composse está para a posse.

No sistema brasileiro, existem basicamente duas regras fundamentais a respeito da composse. A primeira é a de que o compossuidor pode exercer sozinho o poder de fato sobre a coisa, contanto que não exclua a posse dos demais.[77]

Um bom exemplo é o do cônjuge que impede o seu consorte de exercer os atos possessórios sobre qualquer fração da comunhão. Esta violação autoriza que o cônjuge prejudicado faça uso dos interditos possessórios.

Nada impede, todavia, que os compossuidores estabeleçam uma divisão para a utilização do bem, o que vem a ser chamado de composse pro diviso. Do contrário, haverá composse pro indiviso “se todos exercerem, ao mesmo tempo e sobre a totalidade da coisa, os poderes de fato.[78]

Em resumo, enquanto na composse pro diviso os compossuidores exercem poderes apenas sobre uma parte definida da coisa, na composse pro indiviso ocorre o exercício simultâneo dos poderes de fato sobre a totalidade da coisa.

Na prática, são comuns conflitos entre cônjuges e companheiros no que tange ao exercício dos poderes de fato. O término da relação, por si, não exclui a posse do cônjuge ou companheiro, ainda que o bem seja de propriedade exclusiva do outro.

b)     Efeitos da Composse

Cristiano Chaves ensina que a composse produz dois efeitos principais, um de natureza material e outro de índole processual.

b.1) Material

Segundo Cristiano Chaves, caracterizada a composse, cada um dos co-possuidores pode exercer o seu direito sobre o todo, independentemente de sua quota, podendo inclusive defender o todo, já que um dos elementos/requisitos da composse é a indivisibilidade do objeto.

Assim, em relação a terceiros, qualquer dos compossuidores poderá usar os remédios possessórios que se fizerem necessário. Flávio Tartuce cita o exemplo de um cônjuge ou companheiro que permanece no imóvel e promove ação possessória em face de terceiros.[79] O julgado abaixo reflete exatamente esta orientação, veja-se:

REINTEGRAÇÃO DE POSSE. CONCUBINA. COMPOSSE. E DE RECONHECER-SE A TUTELA POSSESSORIA A CONCUBINA QUE PERMANECEU OCUPANDO O APARTAMENTO APOS A MORTE DO COMPANHEIRO DE LONGOS ANOS E QUE POSTULA, EM AÇÃO PROPRIA, A MEAÇÃO DO BEM ADQUIRIDO NA CONSTANCIA DA SOCIEDADE DE FATO, MEDIANTE O ESFORÇO COMUM. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO.  (STJ, REsp 10.521/PR, Rel. Min. Barros Monteiro, 4.ª Turma, j. 26.10.1992, DJ 04.04.1994, p. 6.684).

Já Caio Mario da Silva Pereira, citando Lafayette, afirma que “[...] nenhum dos compossuidores possui a coisa por inteiro, porém cada um tem-lhe a posse por fração ideal.”

Na verdade o exercício da posse sobre o todo ou sobre a respectiva fração ideal depende da modalidade de composse do caso concreto. Dessa forma, são modalidades de composse:
à Composse pro indiviso ou indivisível – os compossuidores têm fração ideal da posse, pois não é possível determinar, no plano fático e corpóreo, qual a parte de cada um. Exemplo: dois irmãos têm a posse de uma fazenda e ambos exercem-na sobre todo o imóvel, retirando dele produção de hortaliças.
è   Composse pro diviso ou divisível – cada compossuidor sabe qual a sua parte, que é determinável no plano fático e corpóreo, havendo uma fração real da posse. Exemplo: dois irmãos têm a composse de uma fazenda, que é dividida ao meio por uma cerca. Em metade dela um irmão tem uma plantação de rabanetes; na outra metade, o outro irmão cultiva beterrabas
Finalmente, registre-se que esta posse não pode ser exercida de maneira a impedir o mesmo direito assegurado ao outro compossuidor. Aliás, esta é a norma que se extrai do texto do artigo 1.199 do Código Civil: “Se duas ou mais pessoas possuírem coisa indivisa, poderá cada uma exercer sobre ela atos possessórios, contanto que não excluam os dos outros compossuidores.

b.2. Processual

Recordando o tema da natureza jurídica da posse, esta, por si só, não é um direito, muito menos um direito real, exceto se a posse originar-se de um direito real, como a propriedade, o usufruto, o direito do credor hipotecário etc.

Por óbvio, a ação possessória não é ação real. Logo, não se aplica o art. 10 do CPC. Esse artigo exige a formação de litisconsórcio necessário para ações imobiliárias reais entre cônjuges.

Exemplo: Quero ajuizar ação de usucapião contra Mario. Nesse caso, exige-se a formação do litisconsórcio; diversamente, ação possessória dispensa essa exigência.

Ação real não é possessória, mas atenção para o artigo 10, §2º do CPC:

Art. 10. O cônjuge somente necessitará do consentimento do outro para propor ações que versem sobre direitos reais imobiliários.

§ 2o Nas ações possessórias, a participação do cônjuge do autor ou do réu somente é indispensável nos casos de composse ou de ato por ambos praticados.

Se houver composse, exige-se a formação do litisconsórcio necessário. Assim, se eu pretendo ajuizar ação de reintegração de posse contra Mario, e hoje ele se encontra na posse com sua esposa, aí exige-se a formação do litisconsórcio passivo.

7.2.      Posse Natural ou Civil ou Jurídica.

A regra geral é de que toda a posse é natural (leia-se: contato físico; exercício de um dos poderes da propriedade). Contudo, o CC permite (art. 1204 e 1.205[80]) a aquisição da posse por meio de contrato e a isto se dá o nome de clausula “constituti” possessória ou cláusula constitute.

Portanto, “a posse civil ou jurídica é a que se adquire por força de lei, sem necessidade de atos físicos ou da apreensão material da coisa.[81]” Ou ainda: “é aquela posse que tem um título que a fundamenta; é a posse que tem um título que lhe serve de substrato [...] é aquela posse em que o sujeito que ocupa um bem ali está em virtude de um direito real ou obrigacional ou em virtude de um direito real.”

Por outro lado, contrapondo-se à posse civil, há a posse natural. Esta posse é aquela que é fruto da ocupação de um bem, sem que exista qualquer relação jurídica que a fundamente. O melhor exemplo é a do invasor de um lote desocupado que ingressa no local e ali cumpre a função social.

Partindo-se desta distinção, afirma-se que o possuidor que exerce a posse adquirida por um título que lhe serve de fundamento exerce o jus possidendi, enquanto aquele que exerce a posse que não está amparada por um título exerce o chamado jus possessionis.

Dessa forma, o ius possidendi “ [...] é a faculdade que tem uma pessoa, por já ser titular de uma situação jurídica, de exercer a posse sobre determinada coisa. É o direito ao exercício da posse por quem já tem um título que o autoriza, como é o caso do locatário, do comodatário, do depositário etc.

Já o ius possessionis “ [...] é o direito originado da situação jurídica da posse, e independe da preexistência de uma relação.” E como ensina Silvio Rodrigues: “A circunstância de alguém se instalar em terra alheia, e nela manter-se mansa e pacificamente por mais de ano e dia, gera uma situação possessória que vai alcançar proteção do ordenamento jurídico, a despeito de não se alicerçar em direito.[82]

Com efeito, são exemplos de posse civil: comodatário, arrendatário e do locatário, assim como a posse do usufruário, do credor anticrético etc.

Outros Exemplos: o contrato pelo qual uma pessoa vende o seu imóvel, mas se mantém como locatário. Atenção: Nesse caso o contrato transfere para o locador a posse indireta.

Para Cristiano Chaves, a importância da clausula “constituti” – sem dúvida – está no campo processual (Processo Civil). Lembrar da propaganda da CEF – Minha Casa Minha Vida (com o ex-jogador Raí). A pessoa arremata o bem imóvel em leilão, mas o devedor ainda se encontra no imóvel. Qual é a ação para tirar o devedor do imóvel?

Reintegração de Posse? Tem liminar (art. 927) Como se falar em reintegração de posse, de quem não tem a posse. Esta ação é a de imissão na posse, com procedimento comum ordinário e sem liminar. O arrematante adquire a posse indireta da CEF e pode propor ação de reintegração de posse.

A Questão caiu no MP de São Paulo. 

7.3.       Quanto à Presença de Título.

a)      Posse com título:

Situação em que há uma causa representativa da transmissão da posse, caso de um documento escrito, como ocorre na vigência de um contrato de locação ou de comodato, por exemplo.

b)     Posse sem Título

Situação em que não há uma causa representativa, pelo menos aparente, da transmissão do domínio fático. Exemplo: alguém acha um tesouro, depósito de coisas preciosas, sem a intenção de fazê-lo. Nesse caso, a posse é qualificada como um ato-fato jurídico, pois não há uma vontade juridicamente relevante para que exista um ato jurídico.[83]

7.4.      Quanto ao Tempo

Como bem esclarece o professor Adriano Stanley, “quanto mais antiga for a posse, maior será a sua força. Quanto mais velha for a posse, maiores serão as proteções e garantias que o seu possuidor receberá.[84]

A relação de posse e tempo traz a tona uma classificação que influi basicamente na proteção conferida pelo sistema jurídico à posse. Assim, classifica-se a posse em:

a)      Posse Nova

É a que conta com menos de um ano e um dia, ou seja, é aquela com até um ano.
É a que conta com menos de um ano e um dia de exercício.

b)     Posse Velha

É a que conta com pelo menos um ano e um dia, ou seja, com um ano e um dia ou mais.

c) Origem Histórica do Prazo

Alguns autores sustentam que o prazo tem relação com o período de plantio e colheitas; outros dizem que surgiu dos costumes germanos, já que somente quando a posse tem certa duração é que se pode produzir o efeito de aquisição da propriedade.

d)Importância da Classificação

A classificação da posse quanto ao tempo é fundamental para a questão processual relativa às ações possessórias. Enuncia o art. 924 do CPC que “Regem o procedimento de manutenção e de reintegração de posse as normas da seção seguinte, quando intentado dentro de ano e dia da turbação ou do esbulho; passado esse prazo, será ordinário, não perdendo, contudo, o caráter possessório”.[85]

A ação possessória de força nova é, digamos, mais célere do que a ação possessória de força velha, pois o possuidor tem direito à obtenção de uma liminar para cessar o efeito do esbulho, da turbação ou ameaça, conforme o caso. Ao contrário, a ação de força velha segue o procedimento ordinário e não há cabimento de liminar nos moldes previstos para a ação de força nova.

Neste sentido, dispõe o artigo 924 do CPC:

Art. 924. Regem o procedimento de manutenção e de reintegração de posse as normas da seção seguinte, quando intentado dentro de ano e dia da turbação ou do esbulho; passado esse prazo, será ordinário, não perdendo, contudo, o caráter possessório.

Tão importante quanto isso é o fato de o transcurso do prazo de ano e dia consolida uma situação de fato, “permitindo que a posse seja considerada purgada dos defeitos da violência e da clandestinidade, malgrado tal purgação possa ocorrer antes.[86]

7.5.      Quanto aos Efeitos

a)      Posse Ad Interdicta

É a posse que pode ser defendida pelos interditos possessórios (interdito proibitório, manutenção e reintegração de posse) quando violada, mas que não conduz à usucapião.[87] Para esta proteção, basta que a posse seja justa, isto é, que não esteja maculada por algum vício objetivo como violência, clandestinidade ou precariedade.

b)     Posse Ad Usucapionem

É a que se prolonga por determinado lapso de tempo previsto na lei, admitindo-se a aquisição da propriedade pela usucapião, desde que obedecidos os parâmetros legais. Em outras palavras, é aquela posse com olhos à usucapião (posse usucapível), pela presença dos seus elementos.

A posse ad usucapionem deve ser mansa, pacífica, duradoura por lapso temporal previsto em lei, contínua e ininterrupta, pública e, principalmente, com intenção de dono (animus domini – conceito de Savigny).

Como esclarece Luciano de Camargo Penteado, “posse contínua e ininterrupta é aquela que não sofreu contestação judicial ou extrajudicial, ou, tendo sofrido a primeira, foi a demanda julgada improcedente[88]

Este mesmo autor lembra que existem certas espécies de posse que não são ad usucapionem e que, portanto, não autorizam o possuidor a se valer do instituto, como ocorre no exemplo do “credor pignoratício, do locatário, do titular de posse oriunda de compromisso de compra e venda financiado, enquanto não pagas as prestações, do depositário, do comodatário.[89]

7.6.       Quanto à Existência de Vícios

O Código Civil ainda classifica a posse quanto à existência de vícios, que podem ser objetivos ou subjetivos. Esta classificação quanto aos vícios é importante para regular ou modular os efeitos possessórios.

Portanto, como se verá adiante, os efeitos da posse podem variar a depender da existência ou não dos chamados vícios objetivos ou subjetivos. E quais são esses efeitos (os principais): direitos aos frutos, benfeitorias, proteção pelos interditos e usucapião.

Como se verá, a presença ou não de vícios objetivos é relevante para classificar a posse como justa ou injusta, ao passo que a existência de vícios subjetivos define se uma posse é de boa fé ou de má fé.

Para ilustrar, basta lembrar que o possuidor de boa fé tem direito de indenização pelas benfeitorias necessárias e úteis, assim como direito de retenção pelo não pagamento das mesmas (art. 1.219). Lembre-se, ainda, que a posse de boa fé influi diretamente no tempo necessário para a aquisição da propriedade via usucapião (art. 1.238 e 1.242)

Da mesma forma, geralmente a ação possessória é intentada contra o injusto possuidor, que obteve a posse de forma violenta, clandestina ou precária.

Pelo exposto, percebe-se que a classificação da posse quanto aos vícios é importante para dimensionar ou regular os seus respectivos efeitos.

7.6.1. Classificação quanto aos Vícios Objetivos

O critério nesse momento é objetivo, pois injusta é aquela que apresenta os vícios objetivos da posse (posse violenta, clandestina ou precária). Sendo assim, a posse justa é definida por antagonismo ou exclusão, ou seja, é aquela que “não é violenta, nem clandestina, nem precária.[90]

O Código Civil utiliza um conceito negativo: posse justa é aquela que não for violenta, clandestina ou precária (art. 1.200)

7.6.1.2. Posse Injusta por Violência

Violenta é a posse que decorre de um esbulho, como acontece no roubo. Ela é obtida mediante o emprego da força ou da coação física ou moral (vis abusoluta e vis compulsiva). Geralmente as invasões de terras são executadas justamente dessa forma, com violência contra à pessoa do possuidor, à família deste ou diretamente contra seus bens.

Não se pode olvidar que enquanto perdurar a violência não haverá posse, mas mera detenção (art. 1.198). Dessa forma, o invasor de terras alheias não pode pretender a proteção possessória enquanto não cessar os efeitos da violência. Este foi exatamente o entendimento do STJ em ação de interdito proibitório ajuizado por um invasor que expressamente confessou a sua condição:

PROCESSUAL - INTERDITO PROIBITÓRIO - INVASÃO - POSSE – ATO CLANDESTINO OU VIOLENTO - PODER DE POLÍCIA - CÓDIGO CIVIL, ARTs. 65e 497.
I - O Art. 65 do Código Civil não veda ao Distrito Federal o exercício do poder de polícia em relação ao uso dos imóveis urbanos, nem outorga posse a invasores confessos. A ampliação do dispositivo legal, evidentemente o maltratou.
II - Em nosso direito positivo vige a regra de que "não induzem posse os atos de mera permissão ou tolerância, assim como não autorizam a sua aquisição os atos violentos ou clandestinos" (CC,Art. 497). Ora, a invasão é necessariamente clandestina ou violenta, não pode, assim, gerar posse. (STJ, 1ª T., REsp 219.579/DF. j. 26.09.2000. rel. Min. Humberto Gomes de Barros. DJ 04.12.2000.
 
Silvio Rodrigues assinala que a “violência estigmatiza a posse, impedindo que a sua aquisição gere efeitos no âmbito do direito. Ainda que exercida pelo proprietário, deve a vítima ser reintegrada, porque não pode o esbulhador fazer justiça pelas próprias mãos.[91]

7.6.1.3. Posse Injusta por Clandestinidade

Já a clandestina é aquela tomada ou mantida às escondidas do verdadeiro possuidor e que pode resultar, por exemplo, de um furto. Em outras palavras, é a posse omitida de quem tinha verdadeiro interesse em conhecê-la.

O que importa, frisa-se bem, é se ela foi adquirida ocultamente do verdadeiro possuidor. Portanto, se um imóvel é invadido à luz do meio dia perante 200 pessoas que por ali passavam, ela não deixará de ser clandestina, pois o que importa saber é se ela foi ocultada ou não do legítimo possuidor. A publicidade, aqui, é aferida somente em relação ao legítimo possuidor e não em relação a terceiros.

Neste sentido, um bom exemplo desta espécie é a do “cessionário que tenha adquirido o bem alienado ao credor por alienação fiduciária ou que seja cessionário de leasing, perante o credor fiduciário ou arrendante...[92]

De fato, se o credor não teve conhecimento da venda do bem a terceiros, estes não podem pretender utilizar as ações possessórias, ou pedir a declaração da usucapião do bem, em sua defesa, contra o credor fiduciário ou contra que arrendou o bem. Vejamos um precedente em que tal situação foi examinada:

CIVIL. USUCAPIÃO. VEÍCULO. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. INADIMPLEMENTO. PRESCRIÇÃO AQUISITIVA. IMPOSSIBILIDADE. POSSE INJUSTA.
I.- A posse de bem por contrato de alienação fiduciária em garantia não pode levar a usucapião, seja pelo adquirente, seja por cessionário deste, porque essa posse remonta ao fiduciante, que é a financiadora, a qual, no ato do financiamento, adquire a propriedade do bem, cuja posse direta passa ao comprador fiduciário, conservando a posse indireta (IHERING) e restando essa posse como resolúvel por todo o tempo, até que o financiamento seja pago.
II.- A posse, nesse caso, é justa enquanto válido o contrato. Ocorrido o inadimplemento, transforma-se em posse injusta, incapaz de gerar direito a usucapião.Recurso Especial não conhecido. (REsp 844.098/MG, j. 06.11.2008, rel. Min. Nancy Andrigui, rel. p/ acórdão Min. Sidnei Beneti, DJe 06.04.2009.
 
É importante observar que o convalescimento da posse clandestina não depende do efetivo conhecimento, da parte do legítimo possuidor, da ocorrência do esbulho ou da clandestinidade. Basta apenas que “o esbulhador não oculte mais dela, tornando possível que venha a saber do ocorrido[93]”. Portanto, basta verificar se o legítimo possuidor tinha condições de conhecer o vício, caso em que a situação passará de simples detenção para de posse injusta.
 
7.6.1.4. Posse Injusta por Abuso de Confiança (Posse Precária)

A posse precária é posse de quem tem o dever de restituí-la quando reclamada por quem de direito. É aquela que deriva do inadimplemento do dever de restituição da coisa.[94]

Portanto, ela resulta do abuso de confiança, como no exemplo do locatário de um bem que não o devolve ao final do contrato, ou ainda, “do comodatário notificado à devolução do bem ao comodante, mas que, nada obstante isso, não o devolve.[95]

Uma particularidade da posse precária é que, diferentemente das posses violenta e clandestina, é que ela nasce justa, eis que decorre de um contrato ou de atos de permissão ou tolerância. Por isso, afirma-se que as posses violenta e clandestina padecem de vícios originários, enquanto a posse precária apresenta vício derivado, que ocorre no momento seguinte à recusa da restituição da coisa.

7.6.1.5.Outras Hipóteses de Posse Injusta

Como bem adverte Carlos Roberto Gonçalves, os “três vícios mencionados correspondem às figuras definidas no Código Penal como roubo (violência), furto (Clandestinidade) e Apropriação Indébita (precariedade)”

Isso não significa, porém, que os vícios objetivos da posse são apenas aqueles indicados no artigo 1.200. Assim, mesmo aquele invadiu um terreno de forma pacífica e sem se preocupar em esconder o fato de terceiros é considerado possuidor injusto, de forma que, em sentido amplo, a posse injusta é aquela obtida de maneira não autorizada pela direito.

7.6.1.5.Efeitos da Posse Injusta

Flávio Tartuce faz duas observações preliminares sobre a posse injusta. O autor afirma que basta a ocorrência de um dos vícios para caracterizá-la como tal, ou seja, não se exige cumulação. Além disso, Tartuce esclarece que os efeitos da posse injusta são oponíveis inter partes e não erga omnes, o que implica que o possuidor, mesmo com posse injusta, pode defendê-la contra terceiros, valendo-se dos interditos.[96]

Neste sentido, conclui Carlos Roberto Gonçalves, que “a posse obtida clandestinamente, até por furto, é injusta em relação ao legítimo possuidor, mas poderá ser justa em relação a um terceiro que não tenha posse alguma.[97]” Daí a afirmação de que os efeitos da posse injusta são relativos.

Em outros termos, Luciano de Camargo Penteado esclarece que o “possuidor injusto tem efeitos da posse em seu favor, não podendo, entretanto, exercer as ações possessórias em face do possuidor diante de quem está em situação de vício objetivo de violência, clandestinidade ou precariedade.[98]

É importante anotar, também, que a posse violenta, clandestina ou precária não exerce qualquer influência na questão dos frutos, das benfeitorias e das responsabilidades, pois o que se utiliza, para esta finalidade, é o critério subjetivo. Por outro lado, quem tem a posse injusta não tem posse para fins de usucapião.

7.6.1.6.Convalescimento ou Intervessão

  O convalescimento ou interverssão rompe com o princípio geral de que a posse mantém o mesmo caráter com que foi adquirida (art. 1.203[99]). Por tal princípio, a posse violenta seria sempre violenta, a clandestina sempre clandestina e assim por diante.

Neste contexto, a interverssão é a mudança do caráter da posse. E quais são as hipóteses de intervessão?

Um dos exemplos seria, como sustenta Bruno Zampier, a celebração de um contrato posteriormente à ocorrência da invasão. Por exemplo, o proprietário do imóvel invadido celebra um contrato de locação com o invasor, fazendo alterar a posse justa para injusta.

Como se vê, esta hipótese de interverssão ocorre por intermédio de um ato bilateral, um contrato. Mas isso não impede que ocorra a mudança do caráter da posse por ato unilateral do possuidor. Basta imaginar um locatário que mora em um imóvel cujo proprietário vem a falecer, deixando inúmeros herdeiros que não entram em consenso quanto à partilha.

Nesta hipótese cogitada, caso o locatário permaneça no imóvel por longo período de tempo, sem pagar os alugueis, arcando com os tributos, ocorrerá a mudança do caráter da posse (de injusta para justa), viabilizando a usucapião.

Cristiano Chaves adverte que a violência e a clandestinidade podem convalescer (cuidado: pode aparecer convalescimento como sinônimo de intervessão) – convalescer é curar o vício. E curar o vício é produzir todos os efeitos de uma posse justa. Esse convalescimento ocorre quando curada a sua causa ou depois do prazo de ano e dia.

Neste aspecto, esclarece Carlos Roberto Gonçalves que “na posse de mais de ano e dia, o possuidor será mantido provisoriamente, inclusive contra o proprietário, até ser convencido pelos meios ordinários (CC, arts. 1.210, 1.211; CPC, art. 924)”

Art. 1.210. O possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação, restituído no de esbulho, e segurado de violência iminente, se tiver justo receio de ser molestado.
Art. 1.211. Quando mais de uma pessoa se disser possuidora, manter-se-á provisoriamente a que tiver a coisa, se não estiver manifesto que a obteve de alguma das outras por modo vicioso.

Art. 924. Regem o procedimento de manutenção e de reintegração de posse as normas da seção seguinte, quando intentado dentro de ano e dia da turbação ou do esbulho; passado esse prazo, será ordinário, não perdendo, contudo, o caráter possessório.

No entanto, a posse precária, pelo texto da lei, não convalesce. Essa afirmação pode ser extraída do artigo 1208 do CC, vejamos:

Art. 1.208. Não induzem posse os atos de mera permissão ou tolerância assim como não autorizam a sua aquisição os atos violentos, ou clandestinos, senão depois de cessar a violência ou a clandestinidade.

Na verdade, como regra geral ela não convalesce. No entanto, ela pode convalescer, hipoteticamente. Isso acontece quando for rompida a relação originária. Toma-se o exemplo do comodato (que é posse precária que decorre do empréstimo). O comodatário tinha que devolver o bem no dia 10, mas não o fez. No dia 15 ele é possuidor.

A redação do art. 1.208, a rigor, sequer qualifica a posse de quem a obteve de forma violenta, clandestina ou precária como posse plena. A lei desqualifica a situação de posse para detenção. São hipóteses de detenção.

No entanto, o mesmo dispositivo estabelece que a posse precária não convalesce (não induz posse). Apesar do caráter peremptório da disposição legal, uma corrente contemporânea sustenta que a posse precária pode convalescer se houver, por exemplo, uma alteração substancial na sua causa. E este entendimento foi adotado na III Jornada de Direito Civil, no Enunciado 237:

“É cabível a modificação do título da posse – interversio possessionis – na hipótese em que o até então possuidor direto demonstrar ato exterior inequívoco de oposição ao antigo possuidor indireto, tendo por efeito a caracterização do animus domini”.

Um exemplo ainda mais elucidativo é apresentado por Bruno Zampier, e que está retira seu fundamento do artigo 1.198, p. único do CPC. O citado professor conta o caso de um caseiro que, no início, toma conta de um pequeno sítio para o respectivo proprietário.

A situação retrata a hipótese de detenção, porque o caseiro se encontra subordinando, seguindo ordens e instruções de terceiros. Neste caso, pela redação literal do artigo 1.198, a situação permaneceria indefinidamente como detenção, sem gerar os efeitos possessórios.

Todavia, se o proprietário, hipoteticamente, ignorar aquele sítio por tempo considerável, e o caseiro aproveitar-se da situação para pagar impostos, obrigações, e comportar-se como verdadeiro possuidor, exercendo a posse para si, estará configurada a intervessão da posse, isto é, a sua mudança de caráter – de detenção para posse injusta.

Essa é, aliás, uma hipótese de convalescimento da detenção, que deixa de ser desinteressada e passa a ser interessada e retrata, no final das contas, uma situação em que a posse precária já nasce com vício objetivo originário por abuso de confiança.

No entanto, para que ocorra tal situação, o interessado deverá fazer a respectiva prova, como se infere do parágrafo único do artigo 1.198:

Art. 1.198. Considera-se detentor aquele que, achando-se em relação de dependência para com outro, conserva a posse em nome deste e em cumprimento de ordens ou instruções suas.
Parágrafo único. Aquele que começou a comportar-se do modo como prescreve este artigo, em relação ao bem e à outra pessoa, presume-se detentor, até que prove o contrário.

7.6.2.      Quanto aos Vícios Subjetivos (Posse de Boa Fé ou de Má Fé)

Diversamente do critério para definir posse de justa de injusta que, como visto, é objetivo (violência, clandestinidade e precariedade), os critérios para se classificar uma posse de boa ou má fé levam em consideração o estado anímico ou subjetivo do possuidor.

Bem por isso, a posse injusta é marcada pelos vícios objetivos, enquanto a posse de má fé é denominada vício subjetivo da posse. Então, a posse de boa fé “é a posse do que ignora o vício ou o obstáculo que impede a aquisição do direito, enquanto a de má-fé é a posse daquele que é ciente do vício.”[100]

Como uma série de conseqüências ou efeitos resulta diretamente desta classificação de posse de boa fé ou de má fé, convém examiná-las dentro do próximo capítulo, que trata dos efeitos da posse.

7.6.3.      Qual é a melhor Posse ou a “posse mais forte”?

Sem sombra de dúvidas, e melhor posse que existe é aquela que não apresenta nenhum vício, seja subjetivo ou objetivo, assim considerada a posse justa e de boa fé. Mas será que se pode cogitar de uma posse justa e de má fé? Sobre tal indagação, ensina o ilustre professor Adriano Stanley que:

ter uma posse dessa forma implica dizer que, muito embora o seu possuidor não tenha lançado mão de qualquer violência, clandestinidade ou precariedade na sua aquisição, esse mesmo possuidor tem consciência de que sobre aquele bem recai outra posse ou uma propriedade.[101]

Para exemplificar, Stanley cita o caso de uma pessoa que invade um lote vago sem exercer qualquer violência e sem se preocupar em se esconder do legítimo possuidor. De acordo com o citado autor, este possuidor não pode ser chamado de clandestino e tampouco se encontra diante de uma posse precária. No entanto, o invasor obviamente não pode alegar o desconhecimento do obstáculo que impedia a aquisição da sua posse. Trata-se, portanto, de posse justa, mas de má fé.

O interessante é que a situação inversa também pode acontecer, ou seja, uma posse injusta, mas de boa fé! O próprio Stanley exemplifica com a situação de uma pessoa que compra um determinado bem, ignorando a existência do vício da posse do alienante.

A situação é similar à do receptador (art. 180) do Código Penal, com a diferença, importantíssima, de que a caracterização do tipo penal depende da comprovação do dolo.

Mas por que a posse é injusta? Como se verá nos próximos capítulos, em uma aquisição derivada, os vícios da posse se transferem ao novo adquirente. Sendo assim, o comprador da mercadoria recebe uma posse já maculada por um vício objetivo (violência, por exemplo), mas não sabe da existência deste vício. Posse injusta e de boa fé, portanto.

Finalmente, a pior espécie de posse é a injusta e de má fé, como acontece em todos os tipos de agressões praticadas diariamente contra o patrimônio das pessoas.

8.                  Efeitos Jurídicos da Posse

Como exposto, os efeitos da posse estão intrinsecamente ligados à classificação da posse de boa e má-fé. Assim, dependendo da classificação da posse em boa ou má fé, serão produzidos uma série de efeitos jurídicos materiais e processuais.

E para classificar a posse em boa e má fé, devemos partir do pressuposto que estamos tratando de vícios subjetivos. É certo, e não custa lembrar, que o direito civil trata da boa fé objetiva e da boa fé subjetiva.

No direito civil, trabalha-se com a boa fé objetiva, aquela que se refere ao comportamento, além da boa fé subjetiva, esta relacionada com o conhecimento, por parte do possuidor, de algum vício que exista na posse.

Nesse caso, ao tratar da posse de boa e má fé, estamos dizendo que o possuidor será de boa fé quando ele não tem conhecimento sobre eventuais vícios que pesam sobre a coisa; se ele não conhece o vício, está de boa fé; do contrário, se tem conhecimento, está de má fé.

E atenção: O Possuidor de má fé é possuidor! Pensar o contrário é um equívoco, porque parte do pressuposto errôneo de que que ele não merece a proteção. A diferença é o tratamento jurídico. Mais uma coisa é certa! Tanto um quanto o outro tem proteção jurídica.

O vício, então, é de ordem subjetiva. Exemplificando:

Arrendatário e o locatário são possuidores de boa fé; já o esbulhador, é de má fé. Esse vício é de índole subjetiva.

Partindo desta distinção, vejamos os efeitos jurídicos que são produzidos, começando pelos Efeitos Jurídicos Materiais:

8.6.             Efeitos Jurídicos Materiais da Posse

a)      1º Direito à Usucapião

Comecemos com uma pergunta aparentemente simples, mas que pode gerar confusões, qual seja: O possuidor de ma fé tem direito à usucapião?

Obviamente que sim! A possibilidade de adquirir o bem pelo usucapião é conferida tanto ao possuidor de boa fé quanto ao possuidor de má fé. A boa fé não é requisito do usucapião. Ou seja: É possível o usucapião, mesmo que a posse seja de má fé.

Agora, há um detalhe aqui: se o possuidor é de boa fé, o ordenamento reduz os prazos da prescrição aquisitiva. Exemplificando:

è Usucapião extraordinário: de 15 para 10 (1.238)
è Usucapião ordinário: de 10 para 5 (1.242)

Agora outra pergunta melindrosa: Todo possuidor tem direito à usucapião?

A resposta é negativa, pois nem todo possuidor faz jus à aquisição por usucapião. Isso porque, o CC dividiu a posse em dois quadrantes, de modo que nem todo possuidor fará jus à usucapião.

Como vimos, algumas posses são ad usucapionem e outras são ad interdicta

O sistema não quer que todo possuidor tenha direito à usucapião. Então ele estabelece que alguns terão apenas a proteção dos interditos possessórios. Em outros termos, alguns somente têm direito aos interditos (proteção); outros, além desta proteção, têm direito de usucapir.

è Posse ad usucapionem à INTERDITOS E USUCAPIÃO
è Posse ad interdicta à INTERDITOS, apenas.

Isso acontece porque somente alguns possuidores possuem o chamado animus domini (intenção de possuir a coisa como se sua fosse). O arrendatário e o locatário possuem a coisa como se sua fosse ou para merecer proteção? É claro que eles possuem a posse ad interdicta. Por outro lado, o esbulhador tem a posse usucapionem e, consequentemente, direito a usucapir.

Do mesmo modo, o possuidor indireto (porque é proprietário) e o indireto (porque tem posse ad interdicta) não podem usucapir.

b)     2º Direito à Percepção de Frutos

Frutos são utilidades renováveis de um bem. Espécies de bens acessórios. Utilidades que se renovam periodicamente. Não se confunde com o produto, também espécie de bem acessório, mas o produto não é renovável.[102] Só quem se renova são os frutos. Os minerais são exemplos de produtos.

Os frutos podem ser de três diferentes categorias:

I – naturais (independem da intervenção humana)
II – artificiais/industriais (que dependem da ação humana) Exemplos: manufaturas
III – frutos civis (rendimentos) decorrem de uma relação jurídica Exemplos: juros e alugueis

Essas três categorias de frutos podem ser organizar quanto ao tempo (critério temporal dos frutos). Nesse caso, há outra classificação, veja-se:

I – pendentes (ainda não está na hora de colher)
Ii – percipiendos (deveriam ter sido colhidos, mas não foram)
iii – estantes (foram colhidos e estão armazenados)
iv – percebidos (foram colhidos e entregues ao titular)

Ilustrando, basta pensar no aluguel. O aluguel vence no dia 30. Cobrar no dia 25 significa que o fruto está pendente; se o contrato diz que o locador deve buscar o aluguel; se ele não foi buscar no dia 25, trata-se de fruto percipiendo; e se, nesse caso, o locatário consignou, o fruto está estante...[103]

Relembrar estas classificações dos frutos é importante porque o possuidor, em certas circunstâncias, tem direito de percepção de tais bens acessórios. Há, na verdade, um regime jurídico do possuidor em relação aos frutos, que está previsto no artigo 1.214 a 1.216 do Código Civil.

Mas a pergunta que fica é: O possuidor tem direito aos frutos sempre?

O possuidor de boa fé, ordinariamente, tem direito a todos os frutos. Aqui vem uma ressalva: há um tipo de fruto que ele não pode colher, a saber: são os frutos pendentes na data de restituição da coisa.

Ora, se os frutos estão pendentes na data da restituição, eles não estão no tempo de serem colhidos. Aí, se o possuidor de boa fé vier a colher fruto pendente de forma antecipada, será obrigado a reparar o dano causado.

Mas se, por um lado, ele não tem direito a fruto pendente; por outro, tem direito a ser ressarcido das despesas desse fruto. E faz sentido, pois do contrario geraria enriquecimento sem causa.

Portanto, em relação ao possuidor de boa fé, ele, ordinariamente, faz jus a todos os frutos; salvo os pendentes ao tempo da restituição, podendo, todavia, ser ressarcido das despesas empregadas na sua manutenção.

A situação do possuidor de boa fé em relação aos frutos está contemplada no artigo 1.214 do Código Civil:
Art. 1.214. O possuidor de boa-fé tem direito, enquanto ela durar, aos frutos percebidos.
Parágrafo único. Os frutos pendentes ao tempo em que cessar a boa-fé devem ser restituídos, depois de deduzidas as despesas da produção e custeio; devem ser também restituídos os frutos colhidos com antecipação.
O exemplo de Flávio Tartuce ilustra muito bem a situação:

Ilustrando, um locatário está em um imóvel urbano e, no fundo deste, há uma mangueira. Enquanto vigente o contrato, o locatário, possuidor de boa-fé amparado pelo justo título, terá direito às mangas colhidas, ou seja, percebidas. Se o contrato for extinto quando as mangas ainda estiverem verdes (frutos pendentes), não poderão ser colhidas, pois são do locador proprietário. Se colhidas ainda verdes, devem ser devolvidas ao último, sem prejuízo de eventuais perdas e danos que couberem por este mau colhimento.

De outro norte, o possuidor de má fé não faz jus aos frutos em razão do vício subjetivo. E se ele colheu indevidamente qualquer fruto, terá o dever de indenizar. Em acréscimo, pode-se dizer que se o possuidor de má fé tiver assumido despesas com a manutenção dos frutos (produção e custeio), terá direito ao ressarcimento para impedir enriquecimento sem causa, vedado pelos artigos 884 e 885 do CC.

Essa é a previsão do artigo 1.216[104] do Código Civil. Para ilustrar, o exemplo de Flavio Tartuce: “se um invasor de um imóvel colhe as mangas da mangueira do terreno, deverá indenizá-las, mas será ressarcido pelas despesas realizadas com a colheita. Por outra via, se deixaram de ser colhidas e, em razão disso, vierem a apodrecer, o possuidor também será responsabilizado.”

Como se vê, o momento da colheita dos frutos pode ser relevante na apuração dos deveres do possuidor. Neste sentido, o artigo 1.215 dispõe de regra que descreve o momento em que o fruto se considera colhido. Vejamos: Art. 1.215. Os frutos naturais e industriais reputam-se colhidos e percebidos, logo que são separados; os civis reputam-se percebidos dia por dia.

Em arremate, um comentário:

A doutrina vem indagando se o regime jurídico dos frutos também se aplica aos produtos, no que tange ao possuidor.

Há tempos, a doutrina, capitaneada por Orlando Gomes, inclusive, sustenta que não. Isso por um motivo simples. Porque enquanto os frutos são renováveis, os produtos não. Assim, eles pertencem ao proprietário.

Assim, para Orlando Gomes, no tocante aos produtos, há dever de restituição mesmo quanto ao possuidor de boa fé. Para Flávio Tartuce, o “jurista tem razão, uma vez que os produtos, quando retirados, desfalcam a substância do principal. Assim sendo, a aplicação do regime dos frutos para os produtos poderia gerar uma perda substancial da coisa possuída, o que não pode ser admitido. Em suma, os problemas envolvendo os produtos devem ser resolvidos com as regras que vedam o enriquecimento sem causa (arts. 884 a 886 do CC).”

c)      3º Direito às benfeitorias

Logo de entrada, é preciso diferenciar os frutos das benfeitorias, ambas espécies de bens acessórios. As benfeitorias são bens acessórios introduzidos em um bem móvel ou imóvel, visando a sua conservação ou melhora da sua utilidade. Enquanto os frutos e produtos decorrem do bem principal, as benfeitorias são nele introduzidas.

Além disso, devemos voltar no tempo para diferenciar benfeitoria de acessão. O direito civil trabalha com duas diferentes categorias de acréscimos na coisa. Esses acréscimos podem se apresentar sob duas óticas. As acessões e as benfeitorias.

As acessões podem ser naturais (avulsão, aluvião, abandono de álveo, formação de ilhas) ou humanas (construções e plantações); as benfeitorias sempre resultam de atividade humana. Essa a primeira diferença.

Nesse momento, o que pode causar espécie são as acessões humanas com as benfeitorias. Qual seria a diferença, portanto? O critério de distinção é finalístico. É a finalidade do acréscimo realizado. Isso porque, o critério jurídico de benfeitoria é sempre de acordo com a finalidade em relação à coisa.

As benfeitorias podem ser[105]:

è Úteis (gera comodidade no uso)
è Necessárias (servem para evitar o perecimento)
è Voluptuárias ou suntuárias (deleite ou aformoseamento)

Pensemos em uma piscina, por exemplo. Tudo depende da finalidade. Tratando-se de academia de natação (necessária); ginástica (útil); casa em Campos do Jordão (voluptuária).

Chama-se atenção para um detalhe: se o critério de benfeitoria é finalístico, o critério de acessões não é. Construções e plantações não se submetem ao critério finalístico e, assim sendo, tais acessões podem ser realizadas independentemente de uma finalidade.

Exemplo corriqueiro! Laje. Filha encalhada. Pai oferece ao genro a laje. O dono da laje constrói uma churrasqueira ou uma lavanderia; se tem uma finalidade em relação à casa, é uma benfeitoria.

Agora, se o genro constrói uma casa na laje, com acesso próprio. Aí é caso de acessão. Essa digressão foi necessária porque, segundo a doutrina, o regime jurídico das benfeitorias também é aplicável às acessões. Portanto, tudo o que se disser sobre benfeitorias, vale também para as acessões. A questão é pacífica na doutrina e jurisprudência.[106]

Antes, porém, de falar do regime jurídico das benfeitorias, é preciso falar de uma observação:

è Não confundir benfeitorias e acessões com pertenças (art. 93)

Isso porque as pertenças, diferentemente das primeiras, não se submetem à teoria da gravitação jurídica, posto que as pertenças não têm natureza acessória. (quem segue o principal é o acessório). Pertenças não são bens acessórios.

As pertenças são bens com função própria que se acoplam a outros bens onde irão cumprir a sua função. Portanto, não perdem a funcionalidade. E por não perder essa funcionalidade, é que as pertenças não são bens acessórios e, consequentemente, não se submetem à teoria da gravitação.

Lembrando do exemplo de Orlando Gomes à Ar condicionado e Trator na Fazenda. Assim, se eu vendo minha casa ou minha fazenda, não se presume que as pertenças seguirão a coisa; exceto se tiver disposição expressa.

Voltando para os Direitos Reais, o regime das benfeitorias ao:

POSSUIDOR DE BOA FÉ (art. 1.219)

Art. 1.219. O possuidor de boa-fé tem direito à indenização das benfeitorias necessárias e úteis, bem como, quanto às voluptuárias, se não lhe forem pagas, a levantá-las, quando o puder sem detrimento da coisa, e poderá exercer o direito de retenção pelo valor das benfeitorias necessárias e úteis.

è Tem direito de indenização e retenção pelas necessárias e úteis
è Direito de retirada (ou levantamento) das voluptuárias;

Obs: Direito de retenção é o de se manter na coisa.

POSSUIDOR DE MÁ FÉ

Art. 1.220. Ao possuidor de má-fé serão ressarcidas somente as benfeitorias necessárias; não lhe assiste o direito de retenção pela importância destas, nem o de levantar as voluptuárias.

è Não tem direito sobre as benfeitorias; (nem indenização, nem retenção; nem retirada)
è Porém, será indenizado, sem retenção, pelas necessárias, para evitar enriquecimento sem causa.[107]

Mas as diferenças entre os possuidores de boa fé e de má fé em relação às benfeitorias não param por aí. De acordo com o artigo 1.222, O reivindicante, obrigado a indenizar as benfeitorias ao possuidor de má-fé, tem o direito de optar entre o seu valor atual e o seu custo; ao possuidor de boa-fé indenizará pelo valor atual.

Obs: comentário processual

O Direito de retenção, segundo o texto do CPC, deve ser exercido no processo de execução, por meio de um instrumento chamado de Embargos de Retenção!

Porém, depois do artigo 475, com sua nova redação, dispondo sobre as novas regras do cumprimento de sentença, Cristiano Chaves entende que o momento oportuno de alegação de direito de retenção, agora, é a petição inicial, para o autor, ou na contestação, para o réu.

Forçoso reconhecer, por outro lado, que se o interessado não alegar neste momento inicial, nada impedirá que venha a alegar depois.

Ainda sobre o direito de retenção, especificamente sobre as benfeitorias úteis, a jurisprudência entende que o limite para o exercício do direito de retenção é a notificação para a restituição do bem.

Ou seja: se eu celebrei com Carla contrato de arrendamento ou de comodato, e o contrato previu que a devolução será feita a qualquer tempo com antecedência de 60 dias, dentro desse prazo, se a possuidora realizar benfeitoria útil nesse prazo, essa vantagem será usufruída por ela.

Assim, para impedir que as benfeitorias úteis fossem utilizadas indevidamente, firmou-se o entendimento de que aquelas realizadas depois da notificação não geram direito de retenção, mas somente indenização.

Em outros termos, as benfeitorias úteis só geram direito de retenção se realizadas antes da notificação.

d)     EXCEÇÕES AO REGIME DAS BENFEITORIAS

Existem 3 casos que não se submetem ao regime das benfeitorias:

1º COMODATO (art. 584 do Código Civil)

Lembrar que o comodato é empréstimo gratuito. Empresto um bem para José, gratuitamente, e ele realiza benfeitoria útil que gera comodidade para ele, e eu ainda devo indenizar? Fosse dessa forma, se aplicaria aquele ditado: além da queda, coice!

Assim, no contrato de comodato, o possuidor somente fará jus á indenização pela benfeitoria necessária.

2ª DESAPROPRIAÇÃO

Conferir o art. 26 do Dec. 3665/41 (Lei Geral de Desapropriações)

A sistemática é muito interessante! Todas as benfeitorias realizadas até a data do decreto expropriatório devem ser computadas no preço da indenização.

Curioso é perceber se foram realizadas benfeitorias dentro do prazo compreendido entre a data da publicação do decreto expropriatório e a imissão na posse do Poder Público Expropriante.

Neste lapso temporal, o art. 26 dispõe que as benfeitorias necessárias serão indenizadas independentemente de qualquer autorização do expropriante. Por outro lado, as benfeitorias úteis realizadas neste interregno somente serão indenizadas com prévia autorização.

Por fim, as voluptuárias não serão indenizadas.

3º LOCAÇÃO DE IMÓVEIS URBANOS

Conferir o art. 35 da Lei 8.245/91. Dispõe o art. 35 da Lei de Locação que, salvo expressa disposição contratual em contrário, as benfeitorias necessárias introduzidas pelo locatário, ainda que não autorizadas pelo locador, bem como as úteis, estas desde que autorizadas, são indenizáveis e permitem o direito de retenção.

As benfeitorias voluptuárias não são indenizáveis, podendo ser levantadas pelo locatário, finda a locação, desde que a sua retirada não afete a estrutura e a substância do imóvel (art. 36 da Lei 8.245/1991).

A lei de locações estabelece que, no contrato de locação, as benfeitorias, salvo as necessárias, serão indenizadas se tiverem prévia autorização do locador. A exceção das necessárias se justifica para evitar o enriquecimento sem causa.

A redação do art. 35 não é das melhores; mas esta é a sua melhor intelecção.

Destarte, discute-se, na jurisprudência, a validade ou não da cláusula de renúncia antecipada (e do direito de retenção) pelas benfeitorias nos contratos de locação.

Inclusive, a maioria dos contratos de locação são contratos de adesão. Para Cristiano Chaves, a cláusula é nula porque afronta a boa fé objetiva. Esta posição, embora majoritária na doutrina, destoa da Súmula 335 do STJ.

Porém, repise-se que se a renúncia às benfeitorias necessárias constar em contrato de adesão, a cláusula de renúncia será nula, o que é aplicação do art. 424 do CC, dispositivo pelo qual, nos contratos de adesão, serão nulas de pleno direito as cláusulas que implicam a renúncia antecipada do aderente a um direito resultante da natureza do negócio (Enunciado n. 433 CJF/STJ, da V Jornada de Direito Civil – 2011).

Além de afrontar a boa fé objetiva, pode-se argumentar que a Súmula diz respeito apenas às benfeitorias úteis.

Inclusive, se for para interpretar a súmula para englobar as benfeitorias necessárias, melhor o locatário deixar a casa cair.

9.                  Responsabilidade Civil do Possuidor

O possuidor responde civilmente pela perda ou deterioração da coisa; se de boa fé, responde somente quando comprovada a sua culpa, isto é, só responde pelos danos que deu causa, quando atuou com culpa.[108] Portanto, a responsabilidade civil do possuidor de boa fé é subjetiva.[109]

Lado outro, o possuidor de má fé responde pela perda ou deterioração da coisa, salvo se provar que a coisa teria se perdido ou deteriorado mesmo sem a sua posse.[110] Então, a responsabilidade civil do possuidor de má fé é objetiva com risco integral. Isso porque o caso fortuito e força maior não eliminam essa responsabilidade!

Ele só não responde se comprovar uma excludente específica – qual seja – a de que a coisa teria perecido ou deteriorado mesmo sem a sua posse.

Chama-se atenção para o fato de que não é comum encontrar no sistema hipóteses de responsabilidade civil objetiva com risco integral.

Por fim, ainda no que toca às responsabilidades, segundo o art. 1.221 do CC, as benfeitorias compensam-se com os danos, e só obrigam ao ressarcimento se ao tempo da evicção ainda existirem. Segundo Flávio Tartuce, o comando possibilita, portanto, que as benfeitorias necessárias a que teria direito o possuidor de má-fé sejam compensadas com os danos sofridos pelo reivindicante, hipótese de compensação legal, pela reciprocidade de dívidas. Entretanto, se a benfeitoria não mais existia quando a coisa se perdeu, não há que se falar em compensação e muito menos em indenização. A norma está inspirada na vedação do enriquecimento sem causa.

10.              Aquisição e Perda da Posse

São apontadas três razões principais para a análise da aquisição da posse, são eles:

è Verificar a qualidade da posse daquele que a exerce, pois os vícios objetivos e subjetivos, como visto acima, surgem no momento da sua aquisição;
è A data da aquisição permite apurar se ocorreu o transcurso de ano e dia, o que é necessário para se identificar a posse nova ou velha, assim como a força da ação possessória;
è Marca o início do prazo de usucapião[111]

11.              Modos de Aquisição da Posse

Em sintonia com a teoria objetiva de Jhering, o Código Civil estabelece que: “Art. 1.204. Adquire-se a posse desde o momento em que se torna possível o exercício, em nome próprio, de qualquer dos poderes inerentes à propriedade.

Como se percebe, o legislador utilizou formulação genérica para abarcar as mais variadas formas de aquisição da posse, que vão desde a apreensão, ao constituto possessório, assim como por qualquer ato jurídico. Inclusive, a abstração do conteúdo legal em análise é muito próxima da redação do artigo 854 do Código Civil alemão, “que assim dispõe: “A posse de uma coisa se adquire pela obtenção do poder de fato sobre essa coisa.[112]

Os modos de aquisição da posse são tradicionalmente classificados em originários ou derivados, a depender, basicamente, da existência ou não de relação de causalidade entre a posse atual e a posterior.

Neste caso, a posse será originária se não há essa relação de causalidade ou, como prefere Orlando Gomes, “quando não há consentimento de possuidor precedente.[113]” Neste sentido, um bom exemplo de aquisição originária da posse é a situação em que ela foi adquirida de forma violenta, mas, com o tempo, veio a convalescer.

Por outro lado, quando há o consentimento prévio do possuidor anterior, como ocorre, por exemplo, na tradição que se segue ao ato de compra e venda, estamos diante de uma posse derivada.

Por mais estranho que possa parecer, a aquisição originária elimina todos os vícios que a posse anterior apresentava. Com isso, o novo possuidor é titular de uma situação jurídica completamente nova e isenta de quaisquer vícios anteriores.

Lembre-se que na aquisição originária não há uma relação jurídica prévia entre o antigo possuidor e o atual, e daí que os vícios que a posse apresentava não são transmitidos ao sucessor. É o que ocorre na hipótese de esbulho, situação em que a posse será injusta, perante o esbulhado, mas isenta de vícios perante a sociedade. Isso resulta, como já vimos, dos efeitos da posse injusta que são inter partes e não erga omnes.

Em sentido contrário, na aquisição derivada, como há formação de um vínculo jurídico de sucessão entre o antigo e o novo possuidor, todas as características – não apenas os vícios – são transmitidas para o adquirente. Assim, por exemplo, na venda de uma coisa, se a posse exercida pelo vendedor padecia de algum vício objetivo (violência, clandestinidade ou precariedade), tais vícios serão transmitidos ao comprador.

Isso acontece porque, de acordo com o artigo 1.203 do Código Civil, “Salvo prova em contrário, entende-se manter a posse o mesmo caráter com que foi adquirida.”, o que vale tanto para a sucessão inter vivos como na sucessão causa mortis, nos termos do artigo 1.206[114] do mesmo diploma.

A única exceção que se tem em relação à posse derivada é do sucessor a título singular, que pode, a seu critério, unir a sua posse à de seu antecessor, para efeitos legais, nos termos do artigo 1.207 do Código Civil.[115] Isso é muito comum em caso de usucapião. O comprador de um imóvel pode, por exemplo, somar o tempo de posse do seu antecessor com o seu e pleitear que seja declarada a aquisição da propriedade via usucapião.

11.1. Modos de Aquisição Originário

11.1.1.  Apreensão

A apreensão se caracteriza pelo ato de apropriação unilateral de três tipos de coisas:

a)      Coisa abandonada (res derelicta)

b)      Coisa “sem dono” (res nullius)

c)      Coisa “com dono”, porém retirada sem permissão do legítimo possuidor, como ocorre na hipótese de esbulho, clandestinidade ou precariedade.

Quanto a esta última hipótese, o direito faculta à vítima o exercício da autotutela ou desforço imediato (art. 1.210,§1º) e, ainda assim, enquanto perdurar os atos de violência ou clandestinidade o esbulhador não adquirirá a posse, mas permanecerá como detentor da res. (art. 1.208)

O que importa, portanto, é que a pessoa exerça um poder fático de ingerência social e econômica sobre o bem, para que a posse seja efetivamente adquirida.[116]

11.1.2.  Exercício do Direito dos bens que podem ser Objeto de Posse

De acordo com Carlos Roberto Gonçalves, “Adquire-se pelo exercício do direito a posse dos jus in re aliena, ou seja, direitos reais sobre coisas alheias, e, pela apreensão, das coisas propriamente ditas.[117]

O mesmo autor destaca que não é qualquer direito cujo exercício implica na aquisição da posse, mas apenas daqueles que podem ser objeto de posse, como o direito real de servidão.

O exemplo mais evidente é de uma servidão de aqueduto, em que uma pessoa constrói uma tubulação de água que passa pelo terreno alheio. A inércia do proprietário deste terreno faz com que o exercício deste direito, pelo possuidor, se transforme em aquisição da posse, a qual, se exercida de forma mansa, pacífica e ininterrupta por determinado período de tempo pode acarretar a usucapião do direito real de servidão.

11.1.3.  Atos de Disposição da Coisa

Se a posse é o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes ao domínio, aquele que dispõe de um bem indica ser o seu possuidor. E como adverte Carvalho Santos, “nenhum outro fato, como a disponibilidade da coisa, é capaz de traduzir melhor a intenção de ser proprietário.[118]

Não me parece adequado incluir essa modalidade como espécie de “aquisição da posse”, pois ela não retrata a origem, ou seja, a forma como a posse foi adquirida, mas apenas a forma como ela é exteriorizada, o que apenas indica, por inferência, que aquele que dispõe é possuidor.

11.2.      Modos Derivados de Aquisição 

Como visto, esta forma de aquisição pode resultar de uma sucessão inter vivos, por meio de um negócio jurídico, ou da sucessão causa mortis, como ocorre na sucessão hereditária ou testamentária. Com efeito, a transmissão da posse pode ocorrer pela tradição ou pela sucessão. Vejamos cada uma delas:

11.2.1.  Tradição

A tradição, na sua acepção mais pura, caracteriza-se por ato material de entrega da coisa, de mão a mão, do antigo possuidor ao outro. Por vezes, porém, o tipo de objeto, pelo seu volume ou fixação, não comporta deslocamento. Justamente por isso, existem três formas de tradição: real, simbólica e ficta[119]:

a)      Tradição Real

É a espécie que se caracteriza pela efetiva entrega material da coisa. Para tanto, exige-se a presença dos seguintes requisitos:

è Entrega material da coisa (corpus)
è Intenção das partes em efetuar essa tradição
è Justa causa, assim entendida como a presença de um negócio jurídico que fundamente a tradição.

b)     Tradição Simbólica

Como o nome sugere, esta modalidade de tradição é caracterizada por um ato representativo da transmissão da posse. Isto é, um ato que traduz a alienação. Cite-se o exemplo da entrega das chaves de um apartamento. Apesar de não ter ocorrido a transmissão material do bem, o ato simbólico representa pelo menos a intenção de transmiti-lo, e daí que o novo possuidor está autorizado a exercer os poderes de fato sobre o bem.

c)      Tradição Ficta

Esta modalidade de tradição opera-se de duas formas: pelo constituto possessório (cláusula constituti) e pela traditio brevi manu. Como veremos, as duas formas retratam situações em que o possuidor mantém o contato físico com a coisa, alterando-se, no entanto, o elemento subjetivo, ou seja, o ânimo de possuidor. Além disso, tais cláusulas também servem para evitar a realização de atos desnecessários de devolução e entrega da coisa.

Partindo para a ilustração, pensemos no exemplo de um locatário que reuniu condições para comprar o imóvel do locador. Caso a venda venha mesmo a se concretizar, não haveria motivos para o locatário devolver o imóvel ao proprietário, para depois receber a posse direta da coisa pela tradição real.

Neste caso, por uma simples cláusula inserida no contrato de compra e venda, o locatário, que tinha a posse direta do bem, adquire a posse plena, pois ocorre apenas a transmissão da posse indireta, que estava com o locador. Ademais, o locatário, agora proprietário do bem, passa a ter a posse plena e com animus domini.

Já a cláusula constituti retrata situação inversa, como a de um proprietário de um bem imóvel que exerce a posse plena sobre o bem. Imagine que este proprietário passe por dificuldades financeiras e que, em razão disso, tenha de vender esse imóvel para pagar umas contas. Ainda neste exemplo, suponha que o comprador locou o mesmo imóvel para o vendedor, em condições mais favoráveis.

Em tal situação, o vendedor, que era o antigo dono e agora o locatário do imóvel, não precisa entregar o bem ao proprietário para depois receber novamente a posse.

Essa dinâmica é simplificada pelo constituto possessório, que se opera com a inserção da cláusula constituti no contrato de compra e venda. Por esta disposição, o agora locatário do bem, que tinha a posse plena, passa a ter somente a posse direta, eis que a posse indireta é transmitida para o comprador e agora proprietário do bem.

Em suma, enquanto a traditio brevi manu põe fim ao desdobramento da posse, unificando a posse direta e indireta com proprietário/adquirente, o constituto possessório viabiliza o inverso, pois a posse indireta é transmitida ao adquirente do bem, surgindo, com isso, as posses paralelas.

Ademais, distingue-se das outras a chamada traditio longa manu que, para Arnold Wald, “consiste no ato pelo qual o tradens (que faz a tradição) leva o accipiens (que recebe a posse do objeto transferido) a um lugar normalmente elevado para lhe indicar a área de terra que lhe esta entregando, como uma fazenda, por exemplo.[120]

11.2.2.  Sucessão na Posse (art. 1.206 e 1.207)

A sucessão é outra modalidade de aquisição da posse prevista no Código Civil, no art. 1.206 e 1.207. Para o direito, a sucessão tem o significado de transmissão de uma dada situação jurídica para um novo titular, por ato inter vivos (contrato) ou causa mortis (sucessão hereditária ou testamentária), de forma gratuita (doação) ou onerosa (compra e venda), a título universal ou a título singular.

a)      Sucessão Causa Mortis

Com relação à sucessão causa mortis, ela será a título universal quando o herdeiro é chamado à sucessão pela totalidade, fração ou por um percentual sobre a herança, o que pode ocorrer tanto na sucessão hereditária como na testamentária.

Ao contrário, será a título singular, quando o testador “deixar ao beneficiário um bem certo ou determinado, denominado legado, como um veículo ou um terreno, por exemplo.[121]

Neste sentido, pode-se dizer que a sucessão legítima é sempre a título universal, eis que cada herdeiro é chamado à sucessão para receber certo quinhão hereditário, ao passo em que a sucessão testamentária pode ser tanto a título singular como a título universal, a depender da vontade do testador.

Tal distinção é relevante para o tema da posse, em razão do disposto nos artigos 1.206 e 1.207 do Código Civil:

Art. 1.206. A posse transmite-se aos herdeiros ou legatários do possuidor com os mesmos caracteres.

Art. 1.207. O sucessor universal continua de direito a posse do seu antecessor; e ao sucessor singular é facultado unir sua posse à do antecessor, para os efeitos legais.

 Como se vê, a legislação dispensa a necessidade de contato físico ou outro poder sobre os bens transmitidos. Isso porque a transmissão é automática, decorrência do princípio da saisine, “segundo o qual os herdeiros entram na posse da herança no instante do falecimento do de cujos.[122]

Dessa forma, como o sucessor a título universal continua de direito a posse do seu antecessor, todas as características da posse lhe são transferidas. Assim, “se a posse daquele era viciada ou de má-fé, a posse do sucessor é viciada e de má-fé.[123]

Já na sucessão a título singular, caso do legatário, este tem, na opinião de Carlos Roberto Gonçalves, a faculdade de unir sua posse à do antecessor. Em termos mais claros, o legatário pode optar pela não transmissão da posse e permanecer coma a sua. Diante disso, afirma-se que na sucessão universal opera-se a sucessio possessionis (a posse continua de direito), ao passo que na sucessão singular ocorre a acessio possessionis (acessão de posse, uma se une à outra).

Entretanto, fazendo uma comparação entre os artigos 1.206 e 1.207, fica a dúvida se o legatário pode unir sua posse à do antecessor, como previsto no artigo 1.207, ou se recebe a posse com os mesmos caracteres, como dispõe o artigo 1.206.

A interpretação literal leva alguns autores a dizer que a regra da parte final do artigo 1.207 só se aplica à sucessão inter vivos a título singular, como na compra e venda, doação, dação e pagamento etc. Com esta posição está o autor Serpa Lopes.[124]

Por outro lado, Washington de Barros Monteiro e Orlando Gomes defendem que a acessio possessionis não é obrigatória, pois a sucessão a título singular é aquela em que o sucessor substitui o antecessor em direitos ou coisas determinadas, não importando que a sucessão seja inter vivos ou causa mortis.

b)     Sucessão Inter Vivos

A sucessão inter vivos geralmente é a título singular, pois o sucessor substitui o antecessor em direitos ou coisas determinadas, como acontece na compra e venda. Assim, como se depreende do artigo 1.207, a acessio possessionis não é obrigatória, mas sim facultativa, pois o novo possuidor “pode” unir a sua posse com a anterior.

E, como anota Carlos Roberto Gonçalves, “se fizer uso da faculdade legal, sua posse permanecerá eivada dos mesmos vícios da anterior.[125]

O mencionado autor também apresenta implicações práticas da acessão de posse na sucessão a título singular, como ocorre na usucapião, vejamos:

Se preferir desligar sua posse da do antecessor, estará purgando-a dos vícios que a maculavam, iniciando, com a nova posse, prazo para a usucapião.

A usucapião extraordinária, de prazo mais longo, dispensa a boa fé (CC, art. 1.238). Pode o comprador utilizar, portanto, o período de posse de má-fé de seu antecessor, para que se consume, em menor prazo, tal espécie de prescrição aquisitiva. Se não houver a junção das posses, a atual ficará expurgada do vício originário, mas o prazo para usucapião terá de ser maior, pela inutilização de tempo vencido pelo antecessor. O expediente poderá ser utilizado para a usucapião ordinária, que exige posse de boa-fé (CC, art. 1.242).

Noutro giro, a sucessão inter vivos também pode ser a título universal, como ocorre, ilustrativamente, na hipótese da venda do estabelecimento empresarial.

11.3.      Quem pode Adquirir a Posse

Podem assumir a condição de possuidor as pessoas naturais, as jurídicas, assim como os demais entes coletivos desprovidos de personalidade jurídica, como a massa falida, o espólio, a sociedade de fato e o condomínio. Essa conclusão foi extraída nas jornadas de direito civil, ocasião em que se aprovou o enunciado 236.

Não se exige capacidade civil, aquela capacidade específica para celebrar atos jurídicos, para a aquisição da posse, pois a pessoa incapaz também pode adquirir posse, como no exemplo do menino que tem a posse do peixe que pesca, ou da criança que tem a posse de seus brinquedos.

Basta, no dizer de Moreira Alves, a intenção de possuir e a consciência dos atos que praticam.[126] Quanto à situação do nascituro, eu diria que ele não pode adquirir posse, já que não tem condições de exprimir essa intenção e consciência. Outros também negam a qualidade de possuidor ao nascituro, não por isso que falei, mas por não reconhecerem o nascituro como sujeito de direitos (pessoa), adeptos que são da teoria natalista.[127]

O Código Civil reserva um dispositivo específico para tratar do assunto, que é o artigo 1.205[128]. A dogmática é simples. A posse pode ser adquirida pessoalmente ou por meio de representação voluntária ou legal. Advirta-se, no entanto, que nem sempre se exige a outorga de procuração para a constituição da representação voluntária (contrato de mandato).

Como bem lembra Caio Mario da Silva Pereira, “Assim é que o jardineiro que vai buscar as plantas, ou a doméstica que recebe a caixa de vinho adquirem a posse alieno domini, para o patrão em nome deste, embora dele não sejam mandatários.” Em suma, os chamados gestores da posse (art. 1.908) exercem a posse em nome de terceiro, por isso são representantes daquele que efetivamente adquire a posse, independentemente de procuração.

Diferente é a situação cogitada pelo inciso II, do artigo 1.205 (terceiro que adquire a posse em nome de outrem). Neste caso, como o terceiro atua como gestor de negócios e não na condição de procurador (art. 861 e ss.), dependerá de ratificação. Para ilustrar, suponha...

o exemplo de alguém que cerca uma área e coloca lá um procurador, mas este não só cultiva, em nome do mandante, a área cercada, senão uma outra circunvizinha. O capataz, nesse caso, não é mandatário para o cultivo da segunda área, “mas a aquisição da posse desta pelo titular daquela pode efetivar-se pela ratificação, expressa ou tácita.[129]

Por fim, ainda cabe menção ao artigo 1.209 que estabelece que “a posse do imóvel faz presumir, até prova contrária, a das coisas móveis que nele estiverem.

A regra é desdobramento do princípio da gravitação jurídica, dispondo que o acessório (posse dos bens móveis que guarnecem o imóvel) segue a sorte do principal (posse do imóvel). No mais, ao admitir prova em contrário, o artigo trata de presunção relativa ou juris tantum, que, portanto, pode ser afastada.

11.4.      Perda da Posse

As hipóteses de perda também podem ser resumidas numa formulação genérica e simples: perde-se a posse sempre que a pessoa, mesmo contra a sua vontade, deixa de exercer os poderes inerentes ao domínio. É o que prescreve o artigo 1.223 do Código Civil:

Art. 1.223. Perde-se a posse quando cessa, embora contra a vontade do possuidor, o poder sobre o bem, ao qual se refere o art. 1.196.

As situações abaixo descritas servem apenas para ilustrar o comando legal. Vejamo-las:

11.4.1.  Abandono (derelictio)

É o ato de renúncia à posse, pelo qual o antigo possuidor revela sua intenção de se despojar da coisa. Segundo Carlos Roberto Gonçalves, a perda definitiva só ocorre no momento em que um terceiro apreende a res derelictae.[130]

11.4.2.  Tradição (traditio)

Configura hipótese de perda por transferência, decorrente da intenção de transmiti-la a terceiros. Assim, enquanto no abandono a renúncia é unilateral, a tradição pressupõe o acordo de vontades entre o antigo e o novo possuidor.

Nem sempre a tradição implicará na perda da posse. Basta lembrar do constituto possessório, pelo qual o proprietário, possuidor pleno, aliena o bem a terceiro, mas reserva para si a posse direta. No caso, o adquirente recebe a posse indireta, de forma que não se pode dizer que houve perda, mas apenas inversão do animus domini para detenção pro alieno.

11.4.3.  Perda Propriamente Dita da Coisa

Trata-se da perda da coisa ocorrida em virtude de seu desaparecimento, como se dá no extravio de um relógio ou fuga de um animal. Nestes casos, possuidor se vê privado da posse sem querer.[131]

Em relação ao extravio, a perda somente ocorre se verificada a impossibilidade de reencontrar o bem. Assim, não há perda da posse, na acepção jurídica do termo, se perco um relógio dentro de casa, mas a situação se altera se o extravio acontece na rua.

11.4.4.  Outras hipóteses de Perda da Posse

Além das hipóteses já mencionadas, os autores ainda apontam outros exemplos de perda da posse, a saber: a) pela destruição ou perecimento; b) pelo desapossamento violento, clandestino ou precário por ato de terceiro.

12.            Objeto

Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald afirmam que nem todos os bens podem ser objeto de posse. Neste sentido, apenas os bens corpóreos, de existência concreta ou ao menos perceptíveis pelos nossos sentidos,  admitem-na. Nas palavras dos mencionados autores:

De acordo com a doutrina e a jurisprudência dominantes, podem ser objeto da posse as coisas corpóreas, que podem ser visualizadas e tocadas. A posse apenas alcança os bens que tenham materialidade, pois apenas sobre eles é possível exteriorizar um poder fático. [...]

Apesar das tentativas de Rui Barbosa em ampliar o raio de ação dos interditos possessórios, a ponto, mesmo, de pretender-se a adoção desses remédios para reintegrar ou manutenir servidores públicos em seus cargos, em virtude de demissões ilegais, prevaleceu a tese de Clóvis Bevilaqua (legada pelo Direito Romano), no sentido de restringir-se o objeto da posse e sua proteção ao relevo das coisas – bens tangíveis e corpóreos. Ademais, a defesa clássica que se compadece quanto aos atos ilegais e arbitrários da administração que atingem diretamente a liberdade e a integridade da pessoa é a impetração do mandado de segurança, habeas corpus ou outro remédio constitucional adequado.[132]

Em reforço à sua concepção mais estrita do objeto de posse, Chaves e Rosenvald argumentam que o Código Civil atual já não faz menção à posse sobre direitos, como fazia o código revogado (artigos 488 e 490). Sendo assim, para esses autores, a posse é exercida sobre coisas, bens dotados de materialidade, mas não sobre bens imateriais ou intangíveis, como os direitos autorais, as invenções e softwares, que são “abstrações concebidas pela inteligência humana.[133]
Em resumo, de acordo com esta concepção, o Código Civil exclui da incidência dos interditos possessórios “todo exercício de direito que não implique poder de fato sobre a coisa.”

Admitem posse, portanto, coisas corpóreas ou aqueles que podem ser captadas pelos nossos sentidos, como energia elétrica, gás, vapor, também chamados de bens semi-corpóreos.

Ressalta-se que os bens públicos dominicais, por estarem desafetados também admitem posse. Neste sentido, recente decisão proferida por Juiz de Direito, em Minas Gerais, reconheceu a propriedade de área pública a moradores que se instalaram no local há cerca de 30 anos. A decisão foi proferida nos autos do processo nº 195.10.011238-3.

A notícia já circula pelos meios de comunicação. Nas redes sociais, a matéria foi divulgada da seguinte forma:

SENTENÇA DE MG RECONHECE USUCAPIÃO DE BEM PÚBLICO.

Em uma decisão inédita na região e pouco comum no país (processo nº 194.10.011238-3), o juiz titular da Vara da Fazenda Pública de Coronel Fabriciano, Marcelo Pereira da Silva, indeferiu o pedido do Departamento de Estradas de Rodagem de Minas Gerais (DER-MG), que solicitava a desocupação de uma área pública estadual de 36 mil metros quadrados, no Km 280 da BR-381, próximo ao trevo de Antônio Dias, onde residem cerca de dez famílias, formadas, em sua maioria, por servidores e ex-servidores do próprio DER-MG, instalados no local desde a construção da rodovia, há cerca de 30 anos.

De acordo com o parágrafo 3º do artigo 183 e o parágrafo único do artigo 191, ambos da Constituição Federal, além do artigo 102 do Código Civil, imóveis públicos não podem ser adquiridos por usucapião (quando uma propriedade é adquirida pela posse ininterrupta e prolongada, verificando-se continuidade e tranquilidade). Além de conceder ganho de causa em 1ª Instância aos moradores, o magistrado declarou o domínio das famílias sobre a área ocupada. “Nossa defesa foi fundamentada no sentido de que a absoluta impossibilidade de usucapião sobre bens públicos é equivocada, justamente por ofender o princípio constitucional da função social da posse”, justificou o advogado dos moradores da propriedade, Leonardo Bezigiter Sena.

Ao todo, cerca de 120 pessoas residem na área pública do Estado, localizada no município de Antônio Dias. O Departamento de Estradas de Rodagem de Minas Gerais tem até o dia 15 de outubro para recorrer ao Tribunal de Justiça do Estado, em Belo Horizonte.
Pedido alternativo

Antes da sentença, Leonardo Bezigiter Sena revelou ter solicitado a realização de uma perícia no local, para que houvesse a avaliação dos bens das famílias que residem na área próxima ao trevo de Antônio Dias. “Tratou-se de um pedido alternativo que fizemos.

Caso a Justiça não autorizasse a aquisição da propriedade pelo instituto da usucapião, nossa solicitação seria de que o DER-MG indenizasse os moradores, em razão de suas benfeitorias na propriedade em questão, executadas durante cerca de três décadas de posse mansa e pacífica”, explicou o advogado, ao informar que os bens das famílias que residem na área estadual foram avaliados em aproximadamente R$ 430 mil.
Parecer do MP

Por meio de parecer do promotor de Justiça, Aníbal Tamaoki, curador do Patrimônio Público da Comarca de Coronel Fabriciano (onde está inserido o município de Antônio Dias), o Ministério Público também opinou pela improcedência do pedido do DER-MG, sendo favorável à declaração do domínio da área ocupada por parte de seus moradores.

“Não se pode permitir num país como o Brasil, em que, infelizmente, milhões de pessoas ainda vivem à margem da sociedade, que o Estado, por desídia ou omissão, possa manter-se proprietário de bens desafetados e sem qualquer perspectiva de utilização para o interesse público, se desobrigando ao cumprimento da função social da propriedade”, afirma o parecer emitido pelo MP. Fonte: JusBrasil

Por outro lado, não podem ser objeto de posse:

è Bens imateriais e direitos de qualquer natureza;
è Bens fora do comércio, insuscetíveis de apropriação, como os bens públicos de uso comum do povo e os bens públicos especiais.

Disso resultam duas consequências primordiais:

a)      Os bens incorpóreos não admitem interditos possessórios;
(Inadmissibilidade dos interditos possessórios para bens incorpóreos)

Como exemplo, lembre-se do direito autoral, tutelado pela Lei 9.610/97. Inclusive, o direito autoral, sobre o qual recai o direito real de propriedade, é considerado um bem móvel para efeitos legais (art. 3º). Apesar disso, o direito autoral é, na essência, um bem imaterial, de existência abstrata ou ideal.

Diante disso, o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula 228 que tem a seguinte redação:

É inadmissível o interdito proibitório para a proteção do direito autoral.

Mas então como o titular do direito violado poderia se defender? Por meio de ação indenizatória ou tutela específica, dependendo do caso. Uma coisa é certa: Não se pode defender direito autoral por meio do interdito possessório.

Aliás, a própria legislação já apresenta um conjunto de meios de defesa para o ataque aos titulares, como previsto na Lei 9.610, que trata dos direitos autorais, na Lei 9.609/90 (Lei do Software) e Lei 9.279/96, que dispõe sobre os bens que compõem a propriedade industrial (marcas, invenções, modelos de utilidade, desenhos industriais etc).

b)      Os bens incorpóreos não admitem usucapião
Já que um dos requisitos da usucapião é a posse.

EXCEÇÃO – S. 193 DO STJ

Usucapião de linha telefônica.
Hoje a súmula é praticamente impraticável. Quem vai querer usucapir linha telefônica?

O direito de uso de linha telefônica pode ser adquirido por usucapião.

Posição diversa é adotada por César Fiuza. Para este autor, qualquer bem pode ser possuído, desde que suscetíveis de poder externo, característico da propriedade. Dessa forma, Fiuza afirma que não são suscetíveis de posse os direitos de crédito, bem como aqueles que não sejam essencialmente reais. (direitos pessoais)

No entanto, os direitos reais, segundo Fiúza, seriam suscetíveis de posse. Basta imaginar uma servidão aparente, pela qual se exerce o direito de passar fios elétricos pelo terreno vizinho. O Direito é imaterial/incorpóreo, mas é passível de controle externo. O uso e gozo desse direito é visível e daí caracteriza situação de posse, podendo ser protegida pelos interditos.

Este também é o entendimento de Caio Mario para o qual “ [...] podem ser objeto da proteção possessória, na verdade, tanto as coisas corpóreas quanto os bens incorpóreos ou os direitos, mas, sendo a posse a visibilidade do domínio, os direitos suscetíveis de posse hão de ser aqueles sobre os quais é possível exercer um poder ou um atributo dominial, como se dá com a enfiteuse, as servidões, o penhor. Não os outros, que deverão procurar medidas judiciais adequadas à sua proteção. À posse dos direitos dá-se o nome de quase posse, como se dizia em Direito Romano – iuris quasi possessio –, exempli gratia quase posse de uma servidão.[134]

13.            Proteção Possessória

Essa proteção se subdivide em tutela jurídica penal e tutela jurídica civil.

13.1.      Tutela Penal da Posse (legítima defesa da posse)

Está contemplada no art. 1.210, §1º[135] do CC, ao que se deu o nome de desforço in continenti ou desforço imediato. É a possibilidade de defesa da posse com mãos próprias. O possuidor pode defender a coisa de mãos próprias. Essa possibilidade é reconhecida tanto ao possuidor direto como ao indireto.

Segundo Flávio Tartuce, “a legítima defesa da posse e o desforço imediato constituem formas de autotutela, autodefesa ou de defesa direta, independentemente de ação judicial, cabíveis ao possuidor direto ou indireto contra as agressões de terceiro. Nos casos de ameaça e turbação, em que o atentado à posse não foi definitivo, cabe a legítima defesa. Havendo esbulho, a medida cabível é o desforço imediato, visando à retomada do bem esbulhado.”

Assim, a legítima defesa da posse exige:

è Atualidade ou iminência
è Agressão prévia
è Moderação do uso dos meios necessários para a repulsa[136]

A falta de moderação no uso dos meios implica excesso na legítima defesa da posse. Nesses casos, se o possuidor se exceder – ultrapassa os limites – fica caracterizado o excesso culposo e caracteriza responsabilidade civil.

A pergunta é: Que tipo de responsabilidade tem o possuidor? E o porquê?

A responsabilidade é objetiva, porque caracteriza abuso do direito do artigo 187 do Código Civil. E, na forma do en. 37 da Jornada, o abuso do direito gera responsabilidade objetiva. Por isso, a responsabilidade do possuidor por excesso culposo é objetiva.

13.2.      Proteção Civil da Posse (Interditos Possessórios)

A proteção civil da posse se realiza por meio dos interditos possessórios ou ações possessórias.[137] E são três: reintegração, manutenção de posse e interdito proibitório.

13.2.1.  Espécies

a)      Ação de Manutenção de Posse (interdito retinendae possessionis)

A manutenção de posse (interdito retinendae possessionis) é para o caso de turbação. E a turbação é a perturbação ou embaraço no uso da coisa. De acordo com o mestre Caio Mario, O possuidor, sofrendo embaraço no exercício de sua condição, mas sem perdê-la, postula ao juiz que lhe expeça mandado de manutenção, provando a existência da posse, e a moléstia. Não se vai discutir a qualidade do direito do turbador, nem a natureza ou profundidade do dano, porém o fato em si, perturbador da posse. Por isso é que o interdito retinendae, tais sejam as circunstâncias, pode ser concedido contra o malfeitor, contra o que se supõe fundado em direito, e até mesmo contra o proprietário da coisa.
Esta circunstância é aparentemente estranha, pois que pode chegar ao extremo de defender o salteador ou o ladrão contra o verdadeiro dono. Mas é a consequência inevitável da proteção à posse: se em cada caso se fosse apurar o domínio, a pretexto de tutelar a sua exteriorização, seria um nunca ter fim, e a diabolica probatio repetir-se-ia em todos os conflitos, nulificando a defesa da posse mesma.[138]
Ainda para o mestre das alterosas, o interdito pode ser concedido contra qualquer tipo de moléstia, que podem ser de fato (embaraço. Atentado fracionado) ou de direito (anúncio de venda da coisa possuída)

b)     Ação de Reintegração de Posse (interdito recuperandae possessionis)

A reintegração é para o caso de esbulho, que constitui ato de privação da coisa. Lembre-se que a agressão, segundo a jurisprudência do STJ, é caracterizada por violência física, como também por descumprimento contratual. Exemplificando, no contrato de comodato, pode ocorrer o esbulho quando o comodatário, apesar de notificado, não restituiu a coisa.

c)      Interdito Proibitório 

Por fim, o interdito proibitório é cabível no caso de simples ameaça.[139] É “a defesa preventiva da posse, ante a ameaça de turbação ou esbulho. Consiste em armar o possuidor de mandado judicial, que a resguarde da moléstia iminente.”[140]

13.2.2.   Fungibilidade / Conversibilidade

Pois bem. Cada uma tem sua finalidade, mas tem aplicação a chamada fungibilidade processual. Isso significa que (art. 920 do CPC) a propositura equivocada de um interdito possessório não compromete a proteção.

Além disso, a fungibilidade também autoriza que, se na propositura da ação havia mera ameaça, ensejando o ajuizamento do interdito proibitório, mas no curso da ação a ameaça se converta em turbação ou esbulho, permite que o juiz conceda o mandado adequado quando a situação fática se alterou durante o procedimento.

Assim, têm-se o realce das três medidas possessórias. E atenção: não existem no Brasil outras ações possessórias!!

13.2.3.  Outras ações que tem como objeto a posse.

Agora, não se pode esquecer que outras ações podem até ter como objeto a posse, mas não serão tratadas como possessórias. Alguns exemplos:

è Imissão na posse
è Dano infecto
è Nunciação de obra nova
è Embargos de terceiro

Alguns autores, como Maria Helena Diniz, elencam tais ações como se fossem possessórias. No entanto, essas 4 ações não são possessórias!

a)      Ação de Imissão na Posse (interdito adipiscendae possessionis)

Para Cristiano Chaves[141] e Silvio de Salvo Venosa[142], a ação de imissão na posse não tem natureza possessória, porque lhe falta o requisito fundamental: a própria posse! Para este autor, a ação de imissão na posse é uma ação pela qual se pretende obter a posse. Logo, se é a ação pela qual se pretende obter a posse – falta a posse!

 Com efeito, se não é possessória, não tem procedimento especial e nem medida liminar. Pode até ter tutela antecipada, porque tem procedimento comum ordinário (art. 273).

Por outro lado, Caio Mario afirma que a ação de imissão na posse é aquela pela qual, em certos casos, o que tem direito à posse adquire-a contra o detentor.

A questão da natureza possessória é mais profunda do que parece. Savigny e Jhering, por exemplo, discordaram sobre o assunto. Segundo Caio Mario, “enquanto Savigny lhe negava a natureza possessória, Ihering sustentava-a, qualificando a opinião de Savigny como errônea.”

Caio Mario, ao contrário de Cristiano Chaves, segue o entendimento de Jhering e afirma que o direito brasileiro prevê a ação de imissão da posse como ação possessória, pois que assim a tratou e regulou o direito positivo (Código de Processo Civil, de 1939, art. 381[143]).

Quanto ao histórico do instituto, Caio Mario adverte que a imissão na posse, em termos de execução de sentença, sempre teve livre curso entre nós. Mas como ação autônoma, se fez presente nos Códigos de Processo de Minas, da Bahia e do Distrito Federal.

No âmbito da legislação ordinária federal, o instituto foi previsto, pela primeira vez, no Código de Processo Civil de 1939, no artigo 381.

As hipóteses de cabimento da imissão na posse eram restritas. A ação era admitida nos seguintes casos:
1. Para haver a posse dos bens adquiridos, contra o próprio alienante ou contra terceiro que os conserve, sem fundamento em um título jurídico.
2. Para compelir os antigos administradores de pessoas jurídicas de direito privado a entregar aos atuais e demais representantes, bens pertencentes à entidade administrada.
3. Para permitir que o procurador receba de seu antecessor os bens do mandante.
Em arremate, Caio Mario adverte que “a reforma processual de 1973 não cogitou da imissão de posse como ação. Mas não se eliminou na execução de sentença para entrega da coisa certa.”

Silvio Venosa esclarece que, na sistemática do Código de 1939, o pedido devia se fundar no domínio. Assim, cuidava-se mesmo de juízo petitório.

Ainda sobre a imissão da posse, colacionam-se alguns julgados que sintetizam o que foi exposto sobre o tema. Confira-se:

- A chamada ação de imissão de posse não é, como se supõe, um dos remédios possessórios também chamados interditos: interdito de recuperação ou  reintegração, interdito de manutenção e interdito proibitório - todos destinados à proteção da posse, que realmente os autores nunca tiveram. A ação de imissão de posse, embora classificada entre as chamadas ações petitórias, tem natureza possessória, evidentemente não no sentido da ação que visa a proteção da posse, que os autores não têm, mas a aquisição da posse, que eles reclamam. Ela se destina à proteção de que, sem ter a posse, tem, todavia o direito a ela. o chamado juris possidendi. A denominada ação petitória, em cuja classe se inclui a ação de imissão de posse, tem por finalidade obter o reconhecimento definitivo do direito em litígio. Em geral, mas não necessariamente, mira a defesa do domínio. Com tal finalidade, ela está colocada do lado oposto à ação possessória, que encontra seu fundamento apenas na defesa da posse. Ensinam os mestres que o verdadeiro critério jurídico para distinguir as duas espécies de ação está no apurar se a demanda se funda apenas na posse como estado de fato, ou se tem por fundamento a ofensa do direito: no primeiro caso, o juízo é possessório, no segundo petitório. Ao tempo do Código de Processo Civil de 1939, o legislador criou uma ação especial que denominou de ação de imissão de posse, mas com alcance bastante limitado, pois só exercitável por adquirentes de bens contra os alienantes ou terceiros, que. em nome destes. detivessem a posse, ação que era de caráter nitidamente dominial, pois a inicial deveria vir instruída com o título de domínio. O legislador de 1939 partiu do pressuposto de que só o dominas tem o direito de possuir, direito de imitir-se na posse de bem objeto da alienação, e restringiu a ação em favor dos adquirentes de bens contra os alienantes ou terceiros que em nome daqueles os detivessem. Ocorre que o direito de possuir, o denominado jus possidendi, não é privativo do dono. Tem-no aquele que o adquire por via de um contrato, como por exemplo o promitente comprador. E porque assim é, e porque imissão na posse não é instituto de direito processual, é que o legislador de 1973 eliminou do rol das chamadas ações especiais a ação de imissão dc posse. Quem tiver o direito de imitir-se na posse de um bem porque tem direito à posse o estatuto processual lhe assegura o processo comum. (Ap. 2.009-89, 18.12.89, 1ª CC TJRJ. Rel. Des. RENATO MANESCHY. ia ADV .JUR. 1990. p. 159, v. 48287).

- Ação de procedimento comum. Concessão de liminar se houver cumulação do pedido de imissão de posse com o de medida cautelar baseado na ampla cláusula de poder geral de cautela do Juiz, prevista no Art. 798 do CPC e desde que reunidos os pressupostos para sua antecipação. (AI 59.941-2, 26.10.83, 14ª CC TJSP, Rel. Des. KAZUO WATANABE. in JTJ 87-260).

- Reintegração de posse. Ação ajuizada por adquirente de imóvel contra terceiros. Transformação era imissão de posse. Admissibilidade. (Ap. 339.266, 26.6.85, 3ª C TACSP, Rel. Juiz LUCIANO LEITE, in JTA 98-142).

É interessante observar que, não obstante a falta de previsão da ação em análise no código de processo civil vigente, continua em pleno vigor a ação de imissão na posse específica para quem adquiriu o imóvel hipotecado em leilão, previsto no Decreto-Lei 70/66[144], conforme demonstra o precedente abaixo:


- As disposições desse Decreto-lei (70-66. artigo 37, §§ 2º e 3º). pertinentes à imissão na posse de quem adquiriu o imóvel hipotecado em leilão, não foram revogadas pelo vigente Código de Processo Civil. (REsp. 6.976, 12.3.91, 3ª T STJ, Rel. Min. EDUARDO RIBEIRO, in JSTJ 7-24).[145]

b)     Dano Infecto (art. 826 e ss. do CPC)

De acordo com Caio Mario, “é medida preventiva como o interdito proibitório, e dá-se quando o possuidor tenha fundado receio de que a ruína de prédio vizinho ao seu, ou vício na sua construção, possa vir a causar-lhe prejuízo. Precavendo-se, o autor obtém que a sentença comine ao réu a prestação de caução que o assegure contra o dano futuro – cautio damni infecti.”

Portanto, a ação se destina à proteção do bem possuído de dano potencial.[146]

Cristiano Chaves reforça seu entendimento de que a ação de dano infecto também não é possessória. Para ela, esta ação é cominatória, porque através dela o autor pretende que o juiz fixe uma multa para que o seu vizinho se acautele com obra nova, de modo a evitar um dano.

Exemplo: o meu vizinho está realizando construção e eu sei que ela pode me causar prejuízo. O que se quer é cominar uma sanção para evitar um dano. Logo, não se trata de ação possessória.

c)      Nunciação de Obra Nova (934, I do CPC)

Trata-se de ação destinada a embargar (suspender) a execução de uma obra em fase de construção, diante da violação de normas do direito de vizinhança. Assim, “Quando a moléstia possessória consiste em construção que levanta o vizinho, dentro de suas próprias linhas lindeiras, o possuidor tem, para o efeito de sustar o seu prosseguimento e desfazer o que se acha edificado, uma ação específica, mista de possessória e cominatória, denominada nunciação ou embargo de obra novaoperis novi nuntiatio.
Seu principal objetivo é o embargo à obra, isto é, o obstáculo a que seja concluída, e, secundariamente, a cominação de multa para o caso de reinício ou de reconstrução. E tem lugar, ainda que a obra não cause um dano atual, mas permita antever resultado turbativo, se vier a completar-se.33
Para que tenha cabimento, será necessário que ocorram os seguintes requisitos:
à que haja posse;
à que o vizinho esteja realizando uma obra dentro de seus próprios confins, porque, se ultrapassá-los já se converte em turbação à posse, e cabível será o interdito retinendae possessionis;
à que a obra cause moléstia à posse;
à que se trate de obra nova, isto é, em vias de construção, descabendo o remédio se já estiver concluída. Neste último caso, o prejudicado tem de se valer da ação demolitória, cujo objetivo é limitado ao desfazimento de obra terminada, já que a sua conclusão é incompatível com o embargo, ou interrupção de seu curso.
Esta modalidade de ação também não se qualifica como ação possessória, isso porque se trata de ação que tende a proteger direitos de vizinhança e leis municipais sobre construção. Exemplo: vizinho quer construir além dos limites (art. 1301 e 1303) – 1,5 m na zona urbana e 3 m na zona rural – o Poder Público pode fazer.

d)     Embargos de Terceiro (art. 1.046 e ss do CPC)

Por último, embargos de terceiros (art. 1046 do CPC). Os E. 3º’s não podem ser ação possessória, pois seu objetivo é desconstituir penhora indevidamente decretada pelo juiz. Trocando em miúdos, o objetivo é atacar uma constrição judicial e não defender a posse.

Por essa ação se protege a turbação ou esbulho de bens por atos constritivos judiciais, tais como a penhora (hipótese mais corrediça), arresto, seqüestro, busca e apreensão etc.

Em razão de sua natureza, os embargos de terceiro são sempre decorrentes de outro processo judicial. Além disso, os embargos podem ser ajuizados a qualquer tempo, antes da sentença final ou, na execução, até cinco dias após a arrematação, adjudicação ou remissão, mas sempre antes da assinatura da carta respectiva (art. 1.048 do CPC)

e)      Reflexões Finais Sobre as Ações Possesórias

Por outro lado, todas estas ações podem ser manejadas pelo possuidor, exceto a de imissão na posse – a qual é exclusiva daquele que não tem a posse. Afora a imissão na posse, é certo que o possuidor pode se valer de todas essas ações. Mas nem por isso se tratam de ações possessórias, mas podem ser utilizadas pelo possuidor.

13.2.4.  Ações Possessórias e o Tempo da Moléstia à Posse

a)      Força Nova e Força Velha. Juízo Possessório e Juízo Petitório

Destaca-se, ainda, sob o ponto de vista procedimental, se a ação possessória é de FORÇA NOVA ou FORÇA VELHA. As ações possessórias se apresentam com diferentes procedimentos. Se ela é ação possessória de força nova ou força velha.

Para saber se é de força nova ou velha, o critério é saber a data do esbulho ou turbação. Se o esbulho e turbação data de mais de ano e dia, a ação é de força velha.

ESBULHO OU TURBAÇÃO + ANO E DIA à FORÇA VELHA.

ESBULHO OU TURBAÇÃO – ANO E DIA à FORÇA NOVA.[147]

Neste momento, chega-se a duas conclusões importantes:

è 1º Força Nova e Velha não se confundem com Posse Nova e Posse Velha.
Posse nova é a que tem menos de ano e dia e velha mais de ano e dia.

Relembrando que a posse violenta ou clandestina convalescem com mais de ano e dia. Assim, a posse passa de injusta para justa.

Assim posse nova e velha é a data da posse. E força nova e força velha é a data da turbação ou esbulho

è 2º Esses conceitos somente servem para a ação de reintegração e de manutenção de posse.

O interdito proibitório, que se baseia na ameaça, é sempre de força nova. Porque a ameaça sempre se renova (como assim?) Consequências:

Ação Possessória de Força Nova à procedimento especial.
Ação Possessória de Força Velha à procedimento comum ordinário.

Ou seja: no procedimento especial o juiz se baseia em juízo de cognição estrita (juízo somente possessório); Já no procedimento comum ordinário a cognição é ampla (juízo petitório)

Com efeito, no procedimento especial admite-se a liminar, mas não no procedimento ordinário.[148]

Força Nova à procedimento especial à juízo possessório à liminar à não se admite discussão de propriedade.
Força Nova à procedimento comum à Juízo petitório à sem liminar à admite discussão da propriedade

No procedimento comum ordinário a cognição é ampla, mas aqui surge um problema. Isso porque, no procedimento ordinário, cabe a concessão de tutela antecipada. A maioria dos autores, civilistas e processualistas, admitem a concessão de liminar.[149] Para Cristiano Chaves, porém, não tem cabimento porque isso retira a eficácia do juízo possessório.

A admissão implica na retirada, por via transversa, da ação possessórias

Por outro lado, a corrente majoritária sustenta que os requisitos da tutela antecipada são muito mais profundos daqueles previstos no art. 927 do CPC.

b)     E os Requisitos para a concessão da liminar são (art. 927):

è A posse anterior
è O esbulho e turbação e
è A data do esbulho ou turbação

A possibilidade de concessão de liminar inaudita altera parte (sem ouvir a outra parte) nas ações possessórias diretas está prevista no art. 928 do CPC, cuja redação é a seguinte: “Estando a petição inicial devidamente instruída, o juiz deferirá, sem ouvir o réu, a expedição do mandado liminar de manutenção ou de reintegração; no caso contrário, determinará que o autor justifique previamente o alegado, citando-se o réu para comparecer à audiência que for designada”. A audiência mencionada é a notória audiência de justificação, tão comum nas ações possessórias. Com relação a essa audiência, dispõe o art. 929 do CPC que, julgando procedente a justificação, o juiz fará logo expedir mandado de manutenção ou de reintegração de posse.

Provados os requisitos, os juiz pode conceder a liminar. Repare que os requisitos são muitos mais tênues. Inclusive, não esquecer que o p. único do 927 proíbe a concessão de liminar em face do Poder Público sem sua prévia audiência.

13.2.5.  Características Processuais das Ações Possessórias de Procedimento Especial

a)      Natureza dúplice (art. 922 do CPC)

Ter essa natureza significa que o Réu, na ação possessória, pode, na própria contestação, formular pedido contra o próprio Autor. Pedido de proteção possessória e indenização pelos prejuízos. Independe de reconvenção. [150]

b)      Cumulabilidade de Pedidos (art. 921 do CPC)

A cumulabilidade de pedidos vem prevista expressamente no art. 921. Esse art. 921 permite ao autor da possessória cumular ao pedido de proteção (reintegração/manutenção ou interdito) três outros pedidos:

1 – Perdas e danos;
2 – Desfazimento de Construção ou Plantação
3 – Cominação de sanção (multa) para o caso de novo esbulho ou turbação

Mas se o autor pretende cumular algum outro pedido, ele poderia fazê-lo? Rescisão contratual, por exemplo, pode?

Não, porque se trata de um procedimento especial. Fazendo essa cumulação, o autor cai no procedimento ordinário. A formulação, portanto, de qualquer outro pedido implica na alteração de procedimento.

A justificativa para essa afirmação está no artigo 292 do CPC que estabelece a necessidade de compatibilidade de procedimentos como um dos requisitos para a cumulação de pedidos.

OBS: O art. 921, como visto, permite a cumulação de três outros pedidos. Na sequência, o art. 922 permite ao réu formular pedido contraposto ao do autor. Ora, o objeto cognitivo da ação possessória pode ter até quatro temas, são eles:

è Proteção possessória
è Perdas e Danos
è Desfazimento de Construção ou Plantação
è Cominação de sanção para o caso de novo esbulho ou turbação.

Retomando o raciocínio, a pergunta que fica é: Poderia o réu formular contra o autor pedido cumulado de proteção possessória com desfazimento de construção ou plantação ou cominação de multa?

Ora, esses pedidos (desfazimento e fixação de multa) não estão previstos expressamente. Ele pode, então, cumular os pedidos?

Sim, mas em sede de reconvenção, não no pedido contraposto.

c)      Proibição da Alegação de Propriedade

Exceptio proprietatis, conforme art. 1210, §2º do CC e 923 do CPC. Esses dois dispositivos prescrevem que em ação possessória é irrelevante a alegação de propriedade.  Significa que, em ação possessória, o juiz julgará em favor de quem é o melhor possuidor, pouco interessando quem seja o proprietário. Assim, é proibido discutir propriedade na pendência possessória.

Chama-se atenção para o fato de que a proibição da discussão de propriedade no juízo possessório é manifestação do princípio da função social da posse.

No Código revogado dava-se mais importância à propriedade.

Inclusive, o En. 79 da Jornada, em posição majoritária na doutrina (abraçando-a), confirma que, em sede possessória, não se discute a propriedade nunca. O Enunciado promove uma diáspora absoluta entre posse e propriedade nas ações possessórias.[151]

Com isso, esvazia-se a Súmula 487 do Supremo. Dizia a Súmula que, quando ambas as posses estiverem fundadas na propriedade – quando ambos, autor e réu, disputarem com base na propriedade – aí a decisão será em favor do melhor proprietário.

Apesar da posição de alguns processualistas, como Fred Diddier e Mizael Montenegro, para os quais a Súmula prevalece em função da economia processual.

Para eles, se ambos discutem com base na propriedade, por economia, julga logo a propriedade.

A doutrina majoritária não compartilha dessa posição. Para ela, a Súmula foi superada pelo argumento da função social da posse.

d)     Intervenção do MP.

Na forma do art. 82, inc. III do CPC, o MP intervirá, como fiscal da lei, nas ações possessórias que digam respeito a conflito coletivo pela posse de terra rural. Exemplo: Sem terra.

Fora esta hipótese, o MP, de ordinário, só intervirá se houver outro motivo determinado, como, por exemplo, presença de incapaz ou de fundação. Fora isso o MP não intervirá. Conflito coletivo pela posse de terra rural, porém, não exige litisconsórcio multitudinário.

e)      Competência

Em se tratando de bem imóvel, a competência é fixada pelo art. 95 do CPC (foro da situação da coisa). Esta regra do 95 do CPC é de competência absoluta. Contudo, em se tratando de bem móvel, a competência será fixada pelo artigo 94 do CPC, ou seja, domicílio do Réu. Nesse segundo caso, a competência é relativa. Nesta hipótese, incide a Súmula 33 do STJ e o juiz não pode conhecê-la de ofício. A incompetência relativa não pode ser declarada de ofício.

f)       Caução

O art. 925 do CPC trata da caução a ser fixada no curso do interdito possessório. Expressa esse comando processual que “Se o réu provar, em qualquer tempo, que o autor provisoriamente mantido ou reintegrado na posse carece de idoneidade financeira para, no caso de decair da ação, responder por perdas e danos, o juiz assinar-lhe-á o prazo de 5 (cinco) dias para requerer caução sob pena de ser depositada a coisa litigiosa”. Anote-se que essa caução pode ser real ou pessoal (fidejussória), devendo ser idônea, cabendo análise pelo julgador caso a caso.

14.            Possuidor Aparente (art. 1.211)

Superados esses aspectos processuais, dispõe o art. 1.211 do CC que “Quando mais de uma pessoa se disser possuidora, manter-se-á provisoriamente a que tiver a coisa, se não estiver manifesto que a obteve de alguma das outras por modo vicioso”. O dispositivo trata do possuidor aparente, que manterá a coisa enquanto se discute em sede de ação possessória ou petitória quem é o seu possuidor ou proprietário de direito. Porém, pelo próprio dispositivo, se for demonstrado que o possuidor aparente tem a coisa com um vício, seja objetivo ou subjetivo, poderá esta lhe ser retirada.

15.            Interditos Possessórios Contra Terceiros (art. 1212)

O art. 1.212 do CC preceitua que o possuidor pode intentar a ação de esbulho, ou a de indenização, contra o terceiro que recebeu a coisa esbulhada sabendo que o era. A norma civil abre a possibilidade de o possuidor que sofreu o atentado definitivo à posse ingressar com ação de reintegração de posse ou com ação de reparação de danos contra o terceiro que estiver com a coisa. A respeito da norma, na I Jornada de Direito Civil, aprovou-se o Enunciado n. 80 CJF/STJ, preceituando que “É inadmissível o direcionamento de demanda possessória ou ressarcitória contra terceiro possuidor de boa-fé, por ser parte passiva ilegítima, diante do disposto no art. 1.212 do novo Código Civil. Contra o terceiro de boa-fé cabe tão somente a propositura de demanda de natureza real”. Assim sendo, como não se pode atribuir culpa a quem esteja de boa-fé, não caberão as medidas previstas no dispositivo, mas tão somente ação petitória, para reivindicação da propriedade.

16.            Ações Possessórias e Função Social
Para findar o presente tópico, é interessante transcrever e analisar o Enunciado n. 239 CJF/STJ, aprovado na III Jornada de Direito Civil, que em muito interessa para a discussão do mérito das ações possessórias diretas: “Na falta de demonstração inequívoca de posse que atenda à função social, deve-se utilizar a noção de ‘melhor posse’, com base nos critérios previstos no parágrafo único do art. 507 do CC/1916”. O enunciado doutrinário começa muito bem e termina muito mal. Começa muito bem, pois aponta que para a caracterização do que seja melhor posse, em sede de ação possessória, deve-se levar em conta a sua função social. Justamente por isso já é forte a corrente doutrinária que aponta para a falta de legitimidade para a referida ação no caso de alguém que não vem atendendo a essa função social. Nessa linha, ensinam Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald que:
“O direito do possuidor de defender a sua posse contra terceiros – incluindo-se aí o proprietário – é uma consequência jurídica produzida pela necessidade geral de respeito a uma situação fática consolidada, na qual necessidades humanas fundamentais são satisfeitas. A densidade social da posse como modo revelador da necessidade básica do homem de apropriar-se de bens primários, justifica que não seja ela reduzida a mero complemento da tutela da propriedade, mas sim em instrumento concreto de busca pela igualdade material e justiça social”.29
Vale dizer que a tese que relaciona a função social da posse e da propriedade como pressupostos para o ingresso de ação possessória e mesmo petitória já foi adotada pela jurisprudência do STJ no notório caso da Favela Pullman, que ainda será comentado e aprofundado (REsp 75.659/SP, j. 21.06.2005).
O Enunciado n. 239 CJF/STJ termina muito mal por fazer menção ao parágrafo único do art. 507 do CC/1916, que previa a seguinte ordem para a caracterização da melhor posse: “Entende-se melhor a posse que se fundar em justo título; na falta de título, ou sendo os títulos iguais, a mais antiga; se da mesma data, a posse atual. Mas, se todas forem duvidosas, será sequestrada a coisa, enquanto se não apurar a quem toque”. A crítica está justificada pelo fato de que a melhor posse deve levar em conta o atendimento da função social.

[1] TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil - Volume Único, 4ª edição. Método, 12/2013. VitalBook file.
[2] TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil - Volume Único, 4ª edição. Método, 12/2013. VitalBook file.
[3] STANLEY, Adriano. Direito das Coisas. Colação Del Rey. Volume VI. Editora Del Rey. Belo Horizonte, 2009.
[4] Silvio Rodrigues, por exemplo, explica a posse é uma situação de fato juridicamente protegida. Para ele, a posse “vai ser protegida porque aparenta ser uma situação de direito; e, enquanto não se demonstrar o contrário, tal situação prevalecerá. (RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. Volume 5. Direito das Coisas. 27ª Edição. Editora Saraiva. São Paulo: 2002. p. 16)
[5] STANLEY, Adriano. Direito das Coisas. Colação Del Rey. Volume VI. Editora Del Rey. Belo Horizonte, 2009.
[6] RODRIGUES, SILVIO. Direito Civil. Volume 5. Direito das Coisas. 27ª Edição. Editora Saraiva. São Paulo: 2002. p. 17.
[7] STANLEY, Adriano. Direito das Coisas [...] 2008.
[8] STANLEY, Adriano. Direito das Coisas [...] 2008. p. 10.
[9] Notas de aulas virtuais no curso telepresencial da rede LGF
[10] RODRIGUES, SILVIO. Direito Civil. Volume 5. Direito das Coisas. 27ª Edição. Editora Saraiva. São Paulo: 2002. p. 18.
[11] Opus Cit.
[12] RODRIGUES, SILVIO. Direito Civil. Volume 5. Direito das Coisas. 27ª Edição. Editora Saraiva. São Paulo: 2002. p. 18.
[13] TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil - Volume Único, 4ª edição. Método, 12/2013. VitalBook file.
[14] FIUZA, César. Direito Civil. Curso Completo. Volume Único. Belo Horizonte, 2011.
[15] FIUZA, César. Direito Civil [...] 2011. p. 939-940
[16] Por este conceito, o ladrão era considerado possuidor, assim como invasor de terras alheias.
[17] PEREIRA, Caio Mário Silva. Instituições de Direito Civil - Vol. IV - Direitos Reais, 22ª edição. Forense, 03/2014. VitalBook file.
[18] FIUZA, César. Direito Civil [...] 2011. p. 941.
[19] PEREIRA, Caio Mário Silva. Instituições de Direito Civil - Vol. IV - Direitos Reais, 22ª edição. Forense, 03/2014. VitalBook file.
[20] FIUZA, César. Direito Civil [...] 2011. p. 943.
[21] FIUZA, César. Direito Civil [...] 2011. p. 944.
[22] FIUZA, César. Direito Civil [...] 2011. p. 945.
[23] RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. Volume 5. Direitos das Coisas. 27ª Edição. Editora Saraiva. São Paulo: 2002. p. 18-19.
[24] PEREIRA, Caio Mário Silva. Instituições de Direito Civil - Vol. IV - Direitos Reais, 22ª edição. Forense, 03/2014. VitalBook file.
[25] PEREIRA, Caio Mário Silva. Instituições de Direito Civil - Vol. IV - Direitos Reais, 22ª edição. Forense, 03/2014. VitalBook file.
[26] Art. 1.196. Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade.
[27] TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil - Volume Único, 4ª edição. Método, 12/2013. VitalBook file.
[28] MIRANDA, Pontes apud GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Direito das Coisas. 8ª Edição. Editora Saraiva. São Paulo: 2013. p. 63-64.
[29] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Direito das Coisas. 8ª Edição. Editora Saraiva. São Paulo: 2013. p. 63.
[30] PEREIRA, Caio Mário Silva. Instituições de Direito Civil - Vol. IV - Direitos Reais, 22ª edição. Forense, 03/2014. VitalBook file.
[31] TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil - Volume Único, 4ª edição. Método, 12/2013. VitalBook file.
[32] Art. 1.208. Não induzem posse os atos de mera permissão ou tolerância assim como não autorizam a sua aquisição os atos violentos, ou clandestinos, senão depois de cessar a violência ou a clandestinidade.
[33] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Direito das Coisas. 8ª Edição. Editora Saraiva. São Paulo: 2013. p. 63.
[34] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Direito das Coisas. 8ª Edição. Editora Saraiva. São Paulo: 2013. p. 65.
[35] CHAVES, Cristiano de Farias. Notas de aula ministradas na rede LFG.
[36] PEREIRA, Caio Mário Silva. Instituições de Direito Civil - Vol. IV - Direitos Reais, 22ª edição. Forense, 03/2014. VitalBook file.
[37] PEREIRA, Caio Mário Silva. Instituições de Direito Civil - Vol. IV - Direitos Reais, 22ª edição. Forense, 03/2014. VitalBook file.
[38] PEREIRA, Caio Mário Silva. Instituições de Direito Civil - Vol. IV - Direitos Reais, 22ª edição. Forense, 03/2014. VitalBook file.
[39] PEREIRA, Caio Mário Silva. Instituições de Direito Civil - Vol. IV - Direitos Reais, 22ª edição. Forense, 03/2014. VitalBook file.
[40] FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direitos Reais. 7ª Edição. Lumen Juris. Rio de Janeiro: 2011.
[41] Idem.
[42] Idem. p. 46
[43] PEREIRA, Caio Mário Silva. Instituições de Direito Civil - Vol. IV - Direitos Reais, 22ª edição. Forense, 03/2014. VitalBook file.
[44] Idem. p. 46
[45] Para ficar bem claro este ponto, convém transcrever o trecho da obra de Cristiano Farias e Nelson Rosenvald em que tais autores deixam esta idéia muito clara, vejamos: “Observamos que o fenômeno da posse ingressa no Direito através de três vias:
a)       Posse real – seria a posse decorrente da titularidade da propriedade ou de outro direito real (v.g usufruto, superfície);
b)       posse obrigacional – é a posse que advém da aquisição do poder sobre um bem em razão da relação de direito obrigacional (v.g locação, comodato);  
c)       posse fática – também chamada de posse natural, exercitada por qualquer um que assuma o poder fático sobre a coisa, independentemente de qualquer relação jurídica real ou obrigacional que lhe conceda substrato, sendo suficiente que legitimamente seja capaz de utilizar concretamente o bem. (Idem, p. 47)
[46] Idem, p. 47
[47] Idem, p. 47
[48] Notas das aulas ministradas no curso da rede LFG em 2011.
[49] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Direito das Coisas. 8ª Edição. Editora Saraiva. São Paulo: 2013. P. 56.
[50] Opus cit.
[51] Opus cit. p. 57
[52] Opus cit.
[53] Opus Cit.
[54] TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil - Volume Único, 4ª edição. Método, 12/2013. VitalBook file.
[55] REALE, Miguel in TEBET, Ramez. Novo Código Civil. Exposição de Motivos e Texto Sancionado. 2ª Edição. Senado Federal. Secretaria Especial de Editoração e Publicações e Subsecretaria de Edições Técnicas. Brasília: 2005. Disponível em: http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/70319/743415.pdf?sequence=2. Acesso em: 15/08/14.
[56] XXIII - a propriedade atenderá a sua função social;
[57] Art. 1.210. O possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação, restituído no de esbulho, e segurado de violência iminente, se tiver justo receio de ser molestado.
§ 2o Não obsta à manutenção ou reintegração na posse a alegação de propriedade, ou de outro direito sobre a coisa.
[58] Art. 1.238. Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis.
Parágrafo único. O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-á a dez anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo.
Art. 1.242. Adquire também a propriedade do imóvel aquele que, contínua e incontestadamente, com justo título e boa-fé, o possuir por dez anos.
Parágrafo único. Será de cinco anos o prazo previsto neste artigo se o imóvel houver sido adquirido, onerosamente, com base no registro constante do respectivo cartório, cancelada posteriormente, desde que os possuidores nele tiverem estabelecido a sua moradia, ou realizado investimentos de interesse social e econômico.

[59] Art. 1.255. Aquele que semeia, planta ou edifica em terreno alheio perde, em proveito do proprietário, as sementes, plantas e construções; se procedeu de boa-fé, terá direito a indenização.
Parágrafo único. Se a construção ou a plantação exceder consideravelmente o valor do terreno, aquele que, de boa-fé, plantou ou edificou, adquirirá a propriedade do solo, mediante pagamento da indenização fixada judicialmente, se não houver acordo.
Art. 1.258. Se a construção, feita parcialmente em solo próprio, invade solo alheio em proporção não superior à vigésima parte deste, adquire o construtor de boa-fé a propriedade da parte do solo invadido, se o valor da construção exceder o dessa parte, e responde por indenização que represente, também, o valor da área perdida e a desvalorização da área remanescente.
Parágrafo único. Pagando em décuplo as perdas e danos previstos neste artigo, o construtor de má-fé adquire a propriedade da parte do solo que invadiu, se em proporção à vigésima parte deste e o valor da construção exceder consideravelmente o dessa parte e não se puder demolir a porção invasora sem grave prejuízo para a construção.
Art. 1.259. Se o construtor estiver de boa-fé, e a invasão do solo alheio exceder a vigésima parte deste, adquire a propriedade da parte do solo invadido, e responde por perdas e danos que abranjam o valor que a invasão acrescer à construção, mais o da área perdida e o da desvalorização da área remanescente; se de má-fé, é obrigado a demolir o que nele construiu, pagando as perdas e danos apurados, que serão devidos em dobro.

[60] TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil - Volume Único, 4ª edição. Método, 12/2013. VitalBook file.
[61] Art. 10. As áreas urbanas com mais de duzentos e cinqüenta metros quadrados, ocupadas por população de baixa renda para sua moradia, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, onde não for possível identificar os terrenos ocupados por cada possuidor, são susceptíveis de serem usucapidas coletivamente, desde que os possuidores não sejam proprietários de outro imóvel urbano ou rural.
[62] Art. 183 e 191
§ 3º - Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião.
Art. 102. Os bens públicos não estão sujeitos a usucapião.
[63] Art. 99. São bens públicos:
III - os dominicais, que constituem o patrimônio das pessoas jurídicas de direito público, como objeto de direito pessoal, ou real, de cada uma dessas entidades.
[64] São exemplos de bens públicos dominicais, segundo Flávio Tartuce: terrenos de marinha, as terras devolutas, as estradas de ferro, as ilhas formadas em rios navegáveis, os sítios arqueológicos, as jazidas de minerais com interesse público e o mar territorial (TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil - Volume Único, 4ª edição. Método, 12/2013. VitalBook file.)

[65]Conferir a íntegra do acórdão em: https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=560369&sReg=199500495198&sData=20050829&formato=PDF.
[66] FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSELVAND, Nelson. Direitos Reais. 7ª Edição. Lumen Juris. Rio de Janeiro: 2011. p. 64.
[67] FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSELVAND, Nelson. Direitos Reais. 7ª Edição. Lumen Juris. Rio de Janeiro: 2011. p. 69.
[68] A expressão é empregada por Cristiano Farias e Nelson Rosenvald na obra acima citada.
[69] PENTEADO, Luciano de Camargo. Direito das Coisas. 2ª Edição. Editora Revista dos Tribunais. São Paulo: 2011. p. 593
[70] TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil - Volume Único, 4ª edição. Método, 12/2013. VitalBook file.
[71] STANLEY, Adriano. Direito das Coisas. 2009. p. 18.
[72] “O possuidor direto tem direito de defender a sua posse contra o indireto, e este contra aquele (art. 1.197, in fine, do novo Código Civil)”.
[73] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Direito das Coisas. Volume 5. Editora Saraiva. São Paulo. 2013. p. 81.
[74] Art. 1.199. Se duas ou mais pessoas possuírem coisa indivisa, poderá cada uma exercer sobre ela atos possessórios, contanto que não excluam os dos outros compossuidores.
[75] PEREIRA, Caio Mário Silva. Instituições de Direito Civil - Vol. IV - Direitos Reais, 22ª edição. Forense, 03/2014. VitalBook file.
[76] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Direito das Coisas. Volume 5. Editora Saraiva. São Paulo. 2013. p. 83.
[77] O direito alemão ainda reconhece a chamada composse em mão comum, que se “configura quando todos os compossuidores, em conjunto, podem exercer o poder de fato sobre a coisa.” (GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Direito das Coisas. Volume 5. Editora Saraiva. São Paulo. 2013. p. 83)
[78] Opus Cit. p. 85.
[79] TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil - Volume Único, 4ª edição. Método, 12/2013. VitalBook file.
[80] Art. 1.204. Adquire-se a posse desde o momento em que se torna possível o exercício, em nome próprio, de qualquer dos poderes inerentes à propriedade.
Art. 1.205. A posse pode ser adquirida:
I - pela própria pessoa que a pretende ou por seu representante;
II - por terceiro sem mandato, dependendo de ratificação.

[81] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Direito das Coisas. Volume 5. 8ª Edição. Editora Saraiva. São Paulo: 2013. p. 103.
[82] RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. Volume 5. Direito das Coisas. 27ª edição. Editora Saraiva. São Paulo; 2002. p. 16.
[83] TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil - Volume Único, 4ª edição. Método, 12/2013. VitalBook file.
[84] STANLEY, Adriano. Direito das Coisas. Coleção Del Rey. Volume IV. Editora Del Rey. Belo Horizonte: 2009. p. 18.
[85] TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil - Volume Único, 4ª edição. Método, 12/2013. VitalBook file.
[86] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Direito das Coisas. Volume 5. 8ª Edição. Editora Saraiva. São Paulo: 2013. p. 101.
[87] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Direito das Coisas. Volume 5. 8ª Edição. Editora Saraiva. São Paulo: 2013. p. 103.
[88] PENTEADO, Luciano de Camargo. Direito das Coisas. 2ª Edição. Editora Revista dos Tribunais. São Paulo: 2011. p. 593
[89] PENTEADO, Luciano de Camargo. Direito das Coisas. 2ª Edição. Editora Revista dos Tribunais. São Paulo: 2011. p. 593.
[90] PENTEADO, Luciano de Camargo. Direito das Coisas. 2ª Edição. Editora Revista dos Tribunais. São Paulo: 2011. p. 585.
[91] RODRIGUES, Silvio apud GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Direito das Coisas. Volume 5. 8ª Edição. Editora Saraiva. São Paulo: 2013. p. 86.
[92] PENTEADO, Luciano de Camargo. Direito das Coisas. 2ª Edição. Editora Revista dos Tribunais. São Paulo: 2011. p. 585.
[93] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Direito das Coisas. Volume 5. 8ª Edição. Editora Saraiva. São Paulo: 2013. p. 88.
[94] ZAMPIER, Bruno. Curso de Posse. Programa Saber Direito (aula 4/5). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=GbY0xeRL-wE . Acesso em 19/08/14. 
[95] PENTEADO, Luciano de Camargo. Direito das Coisas. 2ª Edição. Editora Revista dos Tribunais. São Paulo: 2011. p. 588.
[96] TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil - Volume Único, 4ª edição. Método, 12/2013. VitalBook file.
[97] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Direito das Coisas. Volume 5. 8ª Edição. Editora Saraiva. São Paulo: 2013. p. 88.
[98] PENTEADO, Luciano de Camargo. Direito das Coisas. 2ª Edição. Editora Revista dos Tribunais. São Paulo: 2011. p. 585.
[99] Art. 1.203. Salvo prova em contrário, entende-se manter a posse o mesmo caráter com que foi adquirida.
[100] PENTEADO, Luciano de Camargo. Direito das Coisas. 2ª Edição. Editora Revista dos Tribunais. São Paulo: 2011. p. 590.
[101] STANLEY, Adriano. Direito das Coisas. Coleção Del Rey. Volume IV. Editora Del Rey. Belo Horizonte: 2009. p. 34.
[102] “Os frutos são bens acessórios que saem do principal sem diminuir a sua quantidade [...] Repise-se que os frutos não se confundem com os produtos, pois enquanto os frutos não geram a diminuição do principal, isso não ocorre com os produtos. TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil - Volume Único, 4ª edição. Método, 12/2013. VitalBook file.

[103]Notas de aula Professor Cristiano de Farias Chaves em curso intensivo na rede LFG
[104] Art. 1.216. O possuidor de má-fé responde por todos os frutos colhidos e percebidos, bem como pelos que, por culpa sua, deixou de perceber, desde o momento em que se constituiu de má-fé; tem direito às despesas da produção e custeio.
[105]nos termos do art. 96 do CC, as benfeitorias podem ser necessárias (as essenciais, pois visam à conservação da coisa principal), úteis (aumentam ou facilitam o uso da coisa principal) e voluptuárias (de mero luxo ou deleite, pois facilitam a utilidade da coisa principal).”

[106] Ainda em relação ao possuidor de boa-fé, na I Jornada de Direito Civil, foi aprovado o Enunciado n. 81 CJF/STJ, prevendo que o direito de retenção previsto no art. 1.219 do CC, decorrente da realização de benfeitorias necessárias e úteis, também se aplica às acessões (plantações e construções) nas mesmas circunstâncias. Sendo assim, mesmo com a diferenciação antes apontada, entre os conceitos de benfeitorias e acessões, aqui, os efeitos jurídicos são os mesmos. O enunciado aprovado, na verdade, apenas confirma parte do entendimento jurisprudencial consolidado, inclusive quanto ao direito de indenização das acessões (nesse sentido, ver, por todos: TJSP, Apelação Cível 287.115-5/8, Presidente Venceslau, Sétima Câmara de Direito Público, Rel. Torres de Carvalho, j. 07.03.2005, v.u., e TJSP, Apelação Cível 354.847-4/7-00, São José dos Campos, Terceira Câmara de Direito Privado, Rel. Beretta da Silveira, j. 18.04.2006, v.u.).

[107] A última premissa tem justo motivo. Imagine-se o caso do invasor de um imóvel. Percebendo que o telhado (benfeitoria necessária) está em péssimo estado de conservação, o que pode comprometer a própria estrutura do imóvel, esse possuidor de má-fé o troca. Ora, a sua posse é de má-fé quanto à origem, mas a conduta de troca do telhado é movida pela boa-fé, em sentido objetivo. Há, portanto, uma justaposição da boa-fé objetiva em relação à má-fé subjetiva, o que ampara o sentido do comando legal.

[108] Art. 1.217. O possuidor de boa-fé não responde pela perda ou deterioração da coisa, a que não der causa.
[109] Para ilustrar, na situação do comodatário (possuidor de boa-fé), este somente responderá pela perda da coisa havendo dolo ou culpa. Não pode responder, por exemplo, pelo assalto do veículo à mão armada, levando o criminoso o bem consigo. Já o criminoso que leva a coisa (possuidor de má-fé) responde por ela, se for atingida por um objeto em local onde não estaria o proprietário ou possuidor.

[110] Art. 1.218. O possuidor de má-fé responde pela perda, ou deterioração da coisa, ainda que acidentais, salvo se provar que de igual modo se teriam dado, estando ela na posse do reivindicante.
[111] DANTAS, Santiago apud GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Direito das Coisas. Volume 5. Editora Saraiva. 8ª Edição. São Paulo: 2013.
[112] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Direito das Coisas. Volume 5. Editora Saraiva. 8ª Edição. São Paulo: 2013.
[113] Opus cit. p. 108.
[114] Art. 1.206. A posse transmite-se aos herdeiros ou legatários do possuidor com os mesmos caracteres.
[115] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Direito das Coisas. Volume 5. Editora Saraiva. 8ª Edição. São Paulo: 2013. p. 109.
[116] Opus Cit. p. 109.
[117] Opus Cit. p. 110.
[118] SANTOS, Carvalho apud GONÇALVES, Carlos Roberto (Opus Cit. p. 111.)
[119] Opus Cit. 112.
[120] WALD, Arnold.  Direito Civil. Direito Das Coisas. Volume 4. 12ª Edição. Saraiva. São Paulo: 2009. p. 79.
[121] Opus Cit. 114.
[122] Opus Cit. 115
[123][123] RODRIGUES, Silvio apud GONÇALVES, Carlos Roberto (Opus Cit. 115)
[124] Opus Cit. 116.
[125] Opus Cit. 116.
[126] Opus Cit. 119.
[127] Neste sentido, Eduardo Espínola, Eduardo Espínola Filho e Moreira Alves GONÇALVES, Carlos Roberto Opus Cit. 119-120.
[128] Art. 1.205. A posse pode ser adquirida:
I - pela própria pessoa que a pretende ou por seu representante;
II - por terceiro sem mandato, dependendo de ratificação.
[129] FRANÇA, Limongi apud GONÇALVES, Carlos Roberto. p. 120.

[130] GONÇALVES, Carlos Roberto (Opus Cit. 121)
[131] GOMES, Orlando apud GONÇALVES, Carlos Roberto (Opus Cit. 123)
[132] FARIAS, Cristiano Chaves de. ROSENVALD, Nelson. Direitos Reais. 7ª Edição. Lumen Juris. Rio de Janeiro. 2011. p. 80.
[133] Opus. Cit. p. 81.
[134] PEREIRA, Caio Mário Silva. Instituições de Direito Civil - Vol. IV - Direitos Reais, 22ª edição. Forense, 03/2014. VitalBook file.
[135]Art. 1.210. O possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação, restituído no de esbulho, e segurado de violência iminente, se tiver justo receio de ser molestado.
§ 1o O possuidor turbado, ou esbulhado, poderá manter-se ou restituir-se por sua própria força, contanto que o faça logo; os atos de defesa, ou de desforço, não podem ir além do indispensável à manutenção, ou restituição da posse.
[136] 1.º – A defesa deve ser imediata, ou seja, incontinenti, conclusão a ser retirada da análise do caso concreto. A título de exemplo e obviamente, uma defesa praticada após um ano e um dia não é imediata, não cabendo a utilização dos institutos de proteção própria. Ainda ilustrando, se o possuidor deixa que o esbulhador construa uma cerca divisória, pelo menos aparentemente, não tomou as medidas imediatas que lhe cabiam. Sobre tal requisito do imediatismo, foi aprovado enunciado V Jornada de Direito Civil, em 2011, propondo uma interpretação restritiva do preceito: “No desforço possessório, a expressão ‘contanto que o faça logo’ deve ser entendida restritivamente, apenas como a reação imediata ao fato do esbulho ou da turbação, cabendo ao possuidor recorrer à via jurisdicional nas demais hipóteses”. (Enunciado n. 495 CJF/STJ).
2.º – O possuidor que toma as medidas de autotutela não pode ir além do indispensável para a recuperação de sua posse. Deve agir nos limites do exercício regular desse direito, servindo como parâmetro o art. 187 do CC, que prevê o abuso de direito como ato ilícito. Os parâmetros, portanto, são aqueles previstos no dispositivo da codificação: fim social, fim econômico, boa-fé objetiva e bons costumes. Devem ser evitados ao máximo os abusos cometidos, sob pena de sacrifício dos institutos, o que, aliás, ocorre nas violentas invasões de terra que são praticadas no Brasil e as violentas (mais ainda) reprimendas por parte dos proprietários e possuidores, o que tem tornado o meio rural brasileiro um verdadeiro campo de batalha, habitado por inúmeras milícias armadas.
3.º – A lei está a autorizar que o possuidor que faz uso da autotutela utilize o apoio de empregados ou prepostos. Isso porque o art. 1.210, § 1.º, do CC faz menção à força própria, que inclui o auxílio de terceiros, com quem mantém vínculos. Sendo reconhecida essa possibilidade, é importante concluir que se o preposto, empregado ou serviçal, na defesa dessa posse e seguindo as ordens do possuidor, causar danos a outrem, responderá o comitente, empregador ou senhorio, nos termos dos arts. 932 e 933 do CC. A responsabilidade do possuidor é objetiva (independentemente de culpa), desde que comprovada a culpa daquele por quem se é responsável – responsabilidade objetiva indireta ou por atos de outrem.
[137] Segundo Caio Mario, Em Roma, a defesa da posse efetuava-se sem os critérios extremados do direito formulário, por via dos interditos, pronunciados pelo pretor, com a finalidade de paralisar a moléstia à posse, amparando situações que careciam de defesa pronta e eficaz.16 Somente mais tarde, já no período de predomínio da atividade imperial,17 foi que os interdicta se converteram em actiones, conservando embora a designação originária. Esta, aliás, de tão arraigada e generalizada, sobreviveu no período medieval, e veio até o direito moderno, que usa desembaraçadamente a sinonímia. PEREIRA, Caio Mário Silva. Instituições de Direito Civil - Vol. IV - Direitos Reais, 22ª edição. Forense, 03/2014. VitalBook file.

[138] PEREIRA, Caio Mário Silva. Instituições de Direito Civil - Vol. IV - Direitos Reais, 22ª edição. Forense, 03/2014. VitalBook file
[139] – No caso de ameaça à posse (risco de atentado à posse) = caberá ação de interdito proibitório.
– No caso de turbação (atentados fracionados à posse) = caberá ação de manutenção de posse.
– No caso de esbulho (atentado consolidado à posse) = caberá ação de reintegração de posse.
Art. 1.210. O possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação, restituído no de esbulho, e segurado de violência iminente, se tiver justo receio de ser molestado.
[140] PEREIRA, Caio Mário Silva. Instituições de Direito Civil - Vol. IV - Direitos Reais, 22ª edição. Forense, 03/2014. VitalBook file.

[141] Notas de aula ministradas em curso intensivo da rede LFG.
[142] VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil. Direitos Reais. 5ª Edição. Editora Atlas. Volume 5. São Paulo: atlas. p. 170.
[143] Art. 381. Compete a ação de emissão de posse:
I – aos adquirentes de bens, para haverem a respectiva posse, contra os alienantes ou terceiros, que os detenham;
II – aos administradores e demais representantes das pessoas jurídicas de direito privado, para haverem dos seus antecessores a entrega dos bens pertencentes à pessoa representada;
III – aos mandatários, para receberem dos antecessores a posse dos bens do mandante.
Art. 382. Na inicial, instruida com o título de domínio, ou com os documentos da nomeação, ou eleição, do representante da pessoa jurídica, ou da constituição do novo mandatário, o autor pedirá que o réu seja citado para, no prazo de dez (10) dias, contados da data da citação, demitir de si a posse dos bens, ou apresentar contestação, sob pena de, à sua revelia, expedir-se mandado de imissão de posse, sem prejuízo das perdas e danos que em execução se liquidarem.
Parágrafo único. Si a ação não for contestada, serão os autos conclusos ao juiz, que poderá, desde logo, ordenar a expedição do mandado de imissão de posse.
Art. 383. Oferecida a contestação, a causa tornará o curso ordinário.
Parágrafo único. Salvo quando intentado o processo contra terceiro, a contestação versará somente sobre nulidade manifesta do documento produzido.

[144]  Art 37. Uma vez efetivada a alienação do imóvel, de acôrdo com o artigo 32, será emitida a respectiva carta de arrematação, assinada pelo leiloeiro, pelo credor, pelo agente fiduciário, e por cinco pessoas físicas idôneas, absolutamente capazes, como testemunhas, documento que servirá como titulo para a transcrição no Registro Geral de Imóveis.
        § 1º O devedor, se estiver presente ao público leilão, deverá assinar a carta de arrematação que, em caso contrário, conterá necessàriamente a constatação de sua ausência ou de sua recusa em subscrevê-la.
        § 2º Uma vez transcrita no Registro Geral de Imóveis a carta de arrematação, poderá o adquirente requerer ao Juízo competente imissão de posse no imóvel, que lhe será concedida liminarmente, após decorridas as 48 horas mencionadas no parágrafo terceiro dêste artigo, sem prejuízo de se prosseguir no feito, em rito ordinário, para o debate das alegações que o devedor porventura aduzir em contestação.
        § 3º A concessão da medida liminar do parágrafo anterior só será negada se o devedor, citado, comprovar, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, que resgatou ou consignou judicialmente o valor de seu débito, antes da realização do primeiro ou do segundo público leilão.
        Art 38. No período que medear entre a transcrição da carta de arremação no Registro Geral de Imóveis e a efetiva imissão do adquirente na posse do imóvel alienado em público leilão, o Juiz arbitrará uma taxa mensal de ocupação compatível com o rendimento que deveria proporcionar o investimento realizado na aquisição, cobrável por ação executiva.
[145] Conteúdo disponível em: http://www.dji.com.br/jurisprudencia/acao_de_imissao_de_posse.htm. Acesso em 07/07/14.
[146] VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil. Direitos Reais. Volume 5. 5ª Edição. Atlas. São Paulo: 2005. p. 170.
[147] → Se a ameaça, a turbação e o esbulho forem novos, ou seja, tiverem menos de um ano e um dia, caberá a ação de força nova: o respectivo interdito possessório seguirá o rito especial, cabendo liminar nessa ação.
→ Se a ameaça, a turbação e o esbulho forem velhos, com pelo menos um ano e um dia, caberá ação de força velha, que segue o rito ordinário, não cabendo a respectiva liminar.

[148] Essas conclusões são orientadas pela redação do art. 924 do CPC, in verbis: “Regem o procedimento de manutenção e de reintegração de posse as normas da seção seguinte, quando intentado dentro de ano e dia da turbação ou do esbulho; passado esse prazo, será ordinário, não perdendo, contudo, o caráter possessório”. Em suma, a ação de força nova é aquela que segue as regras de procedimento especial previstas entre os arts. 920 a 932 do CPC.

[149] Em relação à ação de força velha, repise-se que essa segue o rito ordinário, não cabendo liminar para os devidos fins. Todavia, segundo o entendimento majoritário da doutrina e da jurisprudência, cabe tutela antecipada nessa demanda, conforme reconhecido pelo Enunciado n. 238 CJF/STJ, da III Jornada de Direito Civil: “Ainda que a ação possessória seja intentada além de ‘ano e dia’ da turbação ou esbulho, e, em razão disso, tenha seu trâmite regido pelo procedimento ordinário (CPC, art. 924), nada impede que o juiz conceda a tutela possessória liminarmente, mediante antecipação de tutela, desde que presentes os requisitos autorizadores do art. 273, I ou II, bem como aqueles previstos no art. 461-A e §§, todos do CPC”. Não é diferente a conclusão da jurisprudência superior (STJ, REsp 555.027/MG, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, Terceira Turma, j. 27.04.2004, DJ 07.06.2004, p. 223).
[150] Ato contínuo de análise, o art. 922 do CPC enuncia que é lícito ao réu, na contestação do interdito possessório, alegando que foi o ofendido em sua posse, demandar a proteção possessória e a indenização pelos prejuízos resultantes da turbação ou do esbulho cometido pelo autor. Pelo que consta desse dispositivo, as ações possessórias diretas têm natureza dúplice, cabendo pedido contraposto em favor do réu para que a sua posse seja protegida no caso concreto. Esse pedido contraposto pode ser de proibição, de manutenção ou mesmo de reintegração da posse em seu favor.
[151] Superado esse ponto, prevê o art. 923 do CPC que “na pendência do processo possessório é defeso, assim ao autor como ao réu, intentar a ação de reconhecimento do domínio”. Entretanto, não obsta à manutenção ou à reintegração na posse a alegação de domínio ou de outro direito sobre a coisa. O dispositivo processual, portanto, já previa que a alegação de exceção de domínio (exceptio proprietatis) não bastava para a improcedência da ação possessória. A premissa foi repetida pelo § 2.º do art. 1.210 do CC, pelo qual “Não obsta à manutenção ou reintegração na posse a alegação de propriedade, ou de outro direito sobre a coisa”. O que se entende, portanto, é que o CC/2002 consolidou a inviabilidade da alegação de domínio, ou de propriedade, em sede de ação possessória, ou seja, trouxe uma divisão entre os juízos possessório (em que se discute a posse) e petitório (em que se discute a propriedade). Nessa linha de raciocínio, o Enunciado n. 78, aprovado na I Jornada de Direito Civil: “Tendo em vista a não recepção, pelo novo Código Civil, da exceptio proprietatis (art. 1.210, § 2.º) em caso de ausência de prova suficiente para embasar decisão liminar ou sentença final ancorada exclusivamente no ius possessionis, deverá o pedido ser indeferido e julgado improcedente, não obstante eventual alegação e demonstração de direito real sobre o bem litigioso”.
Mais do que isso, arremata o Enunciado n. 79, da mesma I Jornada: “A exceptio proprietatis, como defesa oponível às ações possessórias típicas, foi abolida pelo Código Civil de 2002, que estabeleceu a absoluta separação entre os juízos possessório e petitório”. Em outras palavras, a ação possessória é a via adequada para a discussão da posse; enquanto que a ação petitória é a via adequada para a discussão da propriedade e do domínio, não sendo possível embaralhar as duas vias. Pode-se afirmar, em conclusão, que está prejudicada, pelo menos em parte, a redação da Súmula 487 do STF, pela qual “Será deferida a posse a quem, evidentemente, tiver o domínio, se com base neste for ela disputada”. Não é possível discutir a posse em ação de discussão do domínio. Encerrando o tema, como se verá, essa separação não é tão absoluta assim, particularmente quando se estuda a desapropriação judicial privada por posse-trabalho (art. 1.228, §§ 4.º e 5.º, do CC).