Unidade II
Posse (art. 1.196 a 1.224)
1.
Natureza da Posse (Fato ou Direito)
Para Caio Mario,
o instituto da posse, de tão minucioso e complexo que é, está predestinada a
sofrer a “maldição das controvérsias”. Assim,
logo de entrada, surge a primeira controvérsia sobre a sua natureza jurídica. São
duas correntes. A primeira defende que a posse é um fato, e a outra,
majoritária, sustenta que se trata de um direito.
Dentre os
adeptos da corrente dominante está o autor Orlando Gomes.
Para ele, a posse é um direito especial, pois reúne muitas características que
são típicas dos direitos reais, como a possibilidade do seu exercício contra
todos (erga ommnes) e sem a
interferência de um intermediário; a sujeição direta e imediata da coisa ao seu
titular e a ausência de um sujeito passivo determinado. Além de Orlando Gomes,
também compartilham deste entendimento os autores Edmundo Lins, Accursius,
Bartolo, Jhering, Molitor, Cogliolo e Teixeira de Freitas.
Em outro
extremo, alguns autores enxergam a posse como um fato.
Para eles, a posse não seria direito, muito menos real, pois isso dependeria de
prévia previsão normativa. Neste sentido, um argumento que se coloca é que, por
falta de tipicidade, a posse não poderia ser enquadrada como direito real.
Um segundo
argumento passa pela própria redação do artigo 1.196 do CC/02, que define o ato
de possuir como o exercício de fato de um dos poderes da propriedade. O
professor Adriano Stanley elenca alguns juristas que adotam essa postura, tais
como: Cujacius, Donnellus, Voet, Windscheid, De Filipis e Trabucchi.
Mas para
Stanley, a posse tem natureza sui
generis, pois seria simultaneamente um fato e um direito. Um fato capaz de
gerar direitos reais, nas palavras do autor.
2.
Teorias Justificadoras da Posse
Antes de começar
a se pensar num conceito, uma justificativa ou mesmo um fundamento jurídico
para a posse, é preciso ter em conta que a posse produz uma série de efeitos
que vão desde a sua proteção legal, como o direito ao frutos, às benfeitorias,
o direito à usucapião etc.
O titular de um
direito real pode exercer o seu direito de seqüela para reivindicar a posse da
coisa de quem quer que seja, mas para tanto tem que se valer de uma ação
ordinária na qual tem de comprovar sua condição de proprietário ou de outro
direito real que o legitime a tanto. Esta pretensão será deduzida no que se
chama de juízo petitório.
Por outro lado,
a proteção possessória reclama uma tutela muito mais urgente por parte do
Estado e é por isso que o possuidor pode contar com os “interditos
possessórios” para a defesa da sua situação de fato.
Neste
particular, o autor Silvio Rodrigues ensina que:
Não
se pode compreender o conceito de posse sem analisar dois dos seus principais
efeitos, ou seja, a proteção possessória e a possibilidade de gerar a
usucapião. [...] Além de permitir o desforço direto, na forma dos artigos
1.210,§1º, do Código Civil, o direito socorre o possuidor, dando-lhe, entre
outras, a ação de reintegração de posse, no caso de esbulho, a ação de
manutenção, na hipótese de turbação, e o interdito proibitório, em caso de
ameaça à sua posse.
Com efeito,
visto que a posse é um fato que produz efeitos relevantes, como a proteção
através dos interditos possessórios, que serão melhor examinados a seu tempo,
agora temos boas razões para entender qual é o significado de posse para o
direito. Afinal, o que o Direito entende como posse?
A pergunta é
muito importante, já que existem situações idênticas à posse, que o direito
desqualifica para uma situação de simples detenção. A tarefa de compreender
esses conceitos nos leva a uma breve digressão histórica que se inicia em Roma.
Os romanos não
chegaram a conceituar a posse. Apenas sentiam-na, como ensina o professor
Adriano Stanley. Ou seja, sabiam dizer se tinham ou não a posse, mas realmente
não construíram um conceito rígido do instituto.
Este trabalho
conceitual só foi ocorrer em 1.803, quando Savigny, aos 24 anos, publicou a sua
obra intitulada “Tratado da Posse”.
2.1.Teoria Subjetiva ou Subjetivista (Grande Defensor
Friedrich Carl von Savigny)
Partindo do
tradicional método empírico da observação, Savigny constatou que “[...] as pessoas atribuíam a qualidade de
possuidor àquele que demonstrasse poder físico sobre a coisa.”
No entanto, embora a pessoa tivesse este contato direto com a coisa, se não
tivesse ela como sua, não poderia ser classificado como possuidor.
Neste contexto,
para Cristiano Chaves, a
teoria de Savigny sustentava que a lposse era a conjugação de dois elementos:
apreensão e animus rem sibi habendi, o
primeiro entendido como o contato físico com a coisa e o segundo como a vontade
de tê-la como sua.
Em sentido
semelhante, Silvio Rodrigues ensina que, para Savigny, “a posse é o poder de
dispor fisicamente da coisa, com o ânimo de considerá-la sua e defendê-la
contra a intervenção de outrem. Encontram-se, assim, na posse, dois elementos:
um elemento material, o corpus, que é
representado pelo poder físico sobre a coisa; e, um elemento intelectual, o animus, ou seja, o propósito de ter a
coisa como sua, isto é, o animus rem sibi
habendi.”
Como se pode
notar, a teoria subjetiva exige a presença simultânea dos dois elementos, “pois
se faltar o corpus, inexiste relação
de fato entre a pessoa e a coisa; e, por outro lado, se faltar o animus, não existe posse, mas mera
detenção.”
2.2.Teoria
Simplificada da Posse (que é uma Teoria Objetiva)
A crítica mais conhecida à teoria de
Savigny é a de que a teoria subjetiva exclui do conceito de posse algumas
situações jurídicas como a do locatário, do comodatário e do depositário,
devido à inexistência, em tais casos, do elemento subjetivo (animus domini), já que em nenhum deles
há a intenção de tornarem-se proprietários da coisa.
Neste contexto, praticamente todos os
autores não poupam críticas à teoria da Savigny, devido ao alto grau de
subjetivismo da mesma, e o primeiro e mais contundente crítico foi o seu
próprio discípulo, Rudolf von Jhering, autor do livro “Teoria Simplificada da
Posse”.
Para este jurista, a “posse é condição
do exercício do direito de propriedade, pois esta sem aquela é como um cofre
sem chave.”
Assim, na tentativa de superar o mestre, Jhering elaborou sua teoria e afirmou
que a caracterização da posse como categoria jurídica depende somente de um
elemento: o corpus, que, para
Cristiano Chaves, deve ser entendido como a efetiva apreensão da coisa.
Flavio Tartuce
chama atenção para a existência de um elemento anímico no conceito de corpus, o qual seria formado “ [...] pela atitude externa do possuidor em relação à
coisa, agindo este com o intuito de explorá-la economicamente. Para esta
teoria, dentro do conceito de corpus está uma intenção, não o animus de ser
proprietário, mas de explorar a coisa com fins econômicos.”
2.3.Outras
Abordagens sobre as Teorias da Posse.
Neste tópico serão apresentadas algumas
abordagens mais aprofundadas das teorias da posse para permitir uma compreensão
mais adequada por parte daqueles que estão iniciando o estudo da matéria.
Dessa forma, para César Fiuza,
o grande mérito de Jhering em relação a Savigny foi a de perceber que os termos
corpus e animus não tinham, na verdade, aquele sentido que lhe foi atribuído
pela teoria subjetivista no direito romano.
Fiuza explica, a partir dos glosadores,
que tinham posse “ [...] todos aqueles
que possuíram com intenção de ter a coisa para si, pouco importando se o
possuidor era ou não dono”
O animus
era, portanto, um elemento essencial para a caracterização da posse,
embora não havia um sentido exato para defini-lo, pois algumas glosas
descreviam-no como a convicção de ser dono e outras como a vontade de ter a
coisa para si.
Em sentido semelhante, Caio Mario afirma
que a noção de corpus, para os
glosadores, tinha o sentido de contato material/físico com a coisa, ou atos
simbólicos que o representassem, e o animus
significava a intenção de ter a coisa para si ou, para outros, a intenção
de ser proprietário.
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Posse para os
Glosadores
è CORPUS
(contato físico com a coisa)
è ANIMUS
(intenção de ter a coisa para si ou intenção de ser o seu proprietário)
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Quem tinha a coisa consigo sem a
convicção de ser o dono ou sem vontade de ter a coisa para si (posse em nome do
proprietário) não tinha posse, mas apenas detenção.
O problema é que o direito romano, pelo
menos em um primeiro momento, não conferiu proteção à detenção. Ao contrário, o
sistema romano protegia somente a posse por meio dos chamados interditos
possessórios, que são ações judiciais com tramitações mais céleres e que visam
resguardar, manter ou reintegrar a posse que está sendo ameaçada, turbada ou
esbulhada, conforme o caso.
Essa posse à qual o direito romano
conferia proteção através dos interditos possessórios era conhecida como posse ad interdicta ou simplesmente como possessio, a qual convivia ao lado de
outra modalidade, chamada posse ad
usucapionem ou posse civilis.
Era isso, portanto, o que se sabia a
respeito da posse com o trabalho dos glosadores. No entanto, o esforço
intelectual do início do século XIX acabou por colocar em choque duas teorias
que se dedicaram ao estudo da posse no direito romano com vistas à construção
de um conceito.
Neste contexto, Savigny, o precursor da
chamada teoria subjetivista, sustentou, com base no direito romano, que a posse
seria a reunião dos elementos corpus e
animus domini. O primeiro elemento (corpus) corresponde à detenção, ou seja,
“ [...] o poder físico da pessoa sobre a
coisa, a faculdade real e imediata de dispor fisicamente da coisa.”
Já o animus domini seria a vontade de
possuir a coisa como sua.
Assim, o corpus (elemento material), para Savigny
corresponde à faculdade real e
imediata de dispor da coisa ou de defendê-la das agressões de quem quer que
seja. Já o elemento
anímico/subjetivo é o animus, o qual deve
ser entendido como intenção de ter a
coisa como sua.
Mas atenção! Caio Mario adverte que a
intenção de ter a coisa como sua não é a convicção de ser dono, mas a vontade de ter a coisa para si.
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Posse para os Savigny
è CORPUS
(faculdade real e imediata de dispor da coisa ou de defendê-la das
agressões de quem quer que seja)
è ANIMUS
(vontade de ter a coisa para si)
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Acontece que Rudolf von Jhering,
discípulo de Savigny, percebeu um erro de compreensão do sentido dos elementos corpus e animus na teoria subjetivista.
Fiuza conta que Jhering examinou o
direito romano e verificou que o sistema protegia certas situações, como a do
enfiteuta e a do credor pignoratício, que seriam casos de mera detenção para a
teoria de Savigny. Mas como explicar a posse em tais situações se não havia
ânimo de dono? Jhering afirmou que a única explicação para a resposta é que
estariam errados os conceitos de corpus e
animus domini na teoria subjetiva.
O corpus,
destacou Jhering, não é exatamente o contato físico ou o poder de disposição da
coisa. Este conceito, na verdade, não explica a posse do escravo em viagem,
pois o senhorio o possuía, apesar de não ter possibilidade de exercer qualquer
poder sobre ele.
No mesmo sentido, o conceito também não
explica a posse de um imóvel com a simples entrega das chaves, assim como a
posse de um objeto perdido dentro de casa.
Então, para Jhering, o corpus “ [...] é a relação exterior entre possuidor e a coisa possuída. É o
procedimento de quem age como dono, ainda que não o seja, e ainda que não
exerça poder físico sobre a coisa [...]
Para que se caracterize o corpus, basta que a coisa esteja sujeita à nossa
vontade.
Daí a célebre definição de que a posse é a exteriorização da propriedade.
Outro erro de compreensão era a da
expressão animus, que não significa
vontade de ser dono e muito menos o de ter a posse para si. Segundo Fiúza, o
direito romano conferia proteção possessória ao enfiteuta e ao credor
pignoratício, mesmo não tendo eles qualquer vontade de apropriar-se da coisa.
Mas qual é o significado correto,
portanto, da expressão animus? Para
Fiuza, “ [...] é o desejo de proceder
como se procede o dono, ainda que sem pretender sê-lo.”
E conclui César Fiuza dizendo que o animus (vontade de proceder como dono)
está contido no corpus (procedimento
de quem age como dono). Daí a definição de que possuidor é quem procede com
aparência de dono, ainda que não o seja nem deseje sê-lo. Em termos ainda mais
simples, diz-se que posse é visibilidade
(aparência) de domínio. “Tem a
posse quem parece ser dono, por estar exercendo um ou alguns dos atributos de
propriedade (uso, fruição, disposição e reivindicação.”
Em reforço, Silvio Rodrigues adverte que,
para Jhering, “a noção de animus já se encontra na de corpus, sendo a maneira
como o proprietário age em face da coisa de que é possuidor.” Este autor
exemplifica com a situação de um lavrador que deixa a sua colheita no campo. É
certo que ele não tem mais o contato físico ou o poder de disposição, mas nem
por isso deixa de ter a posse, pois age, em relação ao produto colhido, como o
proprietário ordinariamente o faz.
Mas se deixa no local uma jóia,
evidentemente já não conserva a posse sobre ela, pois não é assim que o
proprietário age em relação a um bem dessa natureza.
Ainda para Silvio Rodrigues, o exame da
posse requer simplesmente bom senso. Ele nos mostra isso com exemplos:
O camponês que
encontra animal capturado por armadilha sabe que ele pertence ao dono desta;
deste modo, se o tirar dali, não ignora que pratica furto, já que o está
subtraindo da posse de seu dono; o madeireiro que lança à correnteza os troncos
cortados na montanha para que o rio os conduza à serraria não tem o poder
físico sobre os madeiros, mas conserva a posse, pois assim é que age o
proprietário; o transeunte que vê materiais de construção ao pé da obra sabe
que eles pertencem ao dono desta, embora não se encontrem sob a sua detenção
física.
Já Caio Mario demonstra que, para a
teoria objetivista, o elemento material ou corpus
é a relação exterior que há normalmente entre o proprietário e a coisa ou,
simplesmente, a aparência de
propriedade.
Portanto, deve-se alertar para o fato de
que também há elemento subjetivo na teoria de Jhering. Para este autor, o animus não é a vontade de ser dono, mas
sim a vontade de proceder como normalmente procede o proprietário (affectio tenendi).
O mestre Caio Mario ainda chama atenção
ao dizer que o que sobreleva no conceito de posse é a destinação econômica da coisa. O autor traz exemplos
elucidativos, vejamo-los:
Um homem que deixa um
livro num terreno baldio, não tem a sua posse, porque ali o livro não preenche
a sua finalidade econômica. Mas aquele que manda despejar adubo em um campo destinado
à cultura tem-lhe a posse, porque ali cumprirá o seu destino. Se o caçador
encontra em poder de outrem a armadilha que deixou no bosque, pode acusá-lo de
furto, porque mesmo de longe, sem o poder físico, conserva a sua posse; mas se
encontra em mãos alheias a sua cigarreira deixada no mesmo bosque, não poderá
manter a acusação, porque não é ali o seu lugar adequado, por não ser onde
cumpre a sua destinação econômica.
2.4.Teoria
Adotada Pelo Código Civil
Nesse entrechoque de posições, o Código
de 2002 se inclinou, no 1.196,
à toda evidência, pela teoria objetiva, mas faz concessões à Teoria Subjetiva,
como, por exemplo, ao tratar do usucapião. Nesse caso, como veremos, o Código
exige posse com animus domini.
Para ilustrar, observe a redação do
artigo 1.238 do Código Civil, que estabelece, dentre outros requisitos, que a
posse seja exercida como animus domini,
vejamos:
Art. 1.238.
Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel,
adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé; podendo
requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título
para o registro no Cartório de Registro de Imóveis.
Trata-se, como dito, de uma concessão,
ou seja, o elemento subjetivo surge como exceção no contexto da posse para fins
de usucapião. Mas, como regra, a caracterização da posse independe do elemento
subjetivo, pois basta o exercício dos
atributos do domínio. Neste sentido, quem exerce os atributos de uso,
gozo, livre disposição ou a reivindicação é considerado possuidor.
Ainda com base neste enunciado legal,
alguns autores chegam a afirmar que todo proprietário é possuidor, mas nem todo
possuidor é proprietário.
3.
Posse e Detenção
Concluída a análise do conceito de posse
para o direito, cabe agora fazer a devida distinção entre posse e detenção.
Como se verá, são duas situações muito parecidas, mas que recebem tratamento
completamente diferenciado pela lei, o que demonstra a relevância da
diferenciação entre uma e outra.
Segundo Cristiano Chaves, a posse, para
a teoria objetiva, é apreensão. Quem apreende é possuidor. No entanto, o
ordenamento jurídico às vezes desqualifica determinadas apreensões. Em certos
casos, o ordenamento jurídico retira de quem apreende a condição/qualidade de
possuidor.
Essa idéia de posse como contato físico,
se levada ao extremo, nos levaria a dizer que todos aqueles que apreendem
coisas são possuidores. Em certos casos, portanto, em que alguém tem contato
físico com a coisa, mas não é considerado possuidor, são casos de meras
detenções.
Assim, detenção é o caso em que, embora
haja apreensão/contato físico, o ordenamento desqualifica (retira a qualidade
de possuidor). O sistema não quer que aquela pessoa seja possuidora. É que o
detentor não exerce uma posse em nome próprio, mas sim em nome de terceiros.
a) Primeiro Caso. Servo, Fâmulo ou Gestor da Posse
(art. 1.198)
O primeiro caso está previsto no artigo 1.198,
que trata da figura do fâmulo da posse, também conhecido como gestor da posse,
o qual se encontra uma relação de subordinação jurídica.
Recordemos da figura do caseiro, do
manobrista de um estacionamento, do motorista particular, “do soldado em
relação às armas e à cama do quartel, a dos funcionários públicos quanto aos
móveis da repartição; a do preso em relação às ferramentas da prisão com quem
trabalha; a dos domésticos quanto às coisas do empregador”
etc. Todos são exemplos de detenção.
Desta feita, o chamado fâmulo da posse,
detentor por definição legal, conserva a “posse” em nome de outrem e em cumprimento
de ordens ou instruções de terceiros. Para
ilustrar, um caseiro contratado para vigiar uma chácara de lazer não
legitimidade para instaurar interdito proibitório contra o seu empregador, após
receber o aviso prévio, isso porque ele não tem posse, mas simples detenção.
(RT 771/353)
Entretanto, apesar de não ter posse, mas
detenção, o também chamado servo da posse (“Besitzdiener”, na Alemanha), tal
como o possuidor, pode exercer a autotutela (desforço imediato), prevista no
artigo 1.210, §1º, em defesa das coisas que lhe foram confiadas,
conseqüência natural de seu dever de vigilância. Inclusive, há Enunciado
aprovado na V Jornada de Direito Civil do CJF/STJ que firmou esta orientação: “O detentor (art.
1.198 do Código Civil) pode, no interesse do possuidor, exercer a autodefesa do
bem sob seu poder” (Enunciado n. 493).
Inclusive, em uma análise
interdisciplinar, uma das hipóteses de nomeação à autoria é exatamente a
situação do caseiro (art. 69 do CPC). A nomeação à autoria é obrigatória, sob
pena de responsabilização por perdas e danos.
Mas e se a ação é promovida contra o
possuidor para discutir um aspecto da posse e não contra o proprietário? Também
é caso de nomeação à autoria? Negativo, pois a nomeação à autoria é exclusiva
do detentor. Assim, não se fala em nomeação à autoria, mas hipoteticamente
poderíamos falar em denunciação da lide.
A jurisprudência é riquíssima em casos
que envolvem a caracterização de posse ou de detenção. No AgRg no REsp
710.789/RS,
por exemplo, o Superior Tribunal de Justiça entendeu que tem interesse de agir
e legitimidade ativa ad causam o
motorista de um veículo que recebeu autuação de multa de trânsito, dada à
possibilidade de vir a ser cobrado pelo empregador, em caráter regressivo.
Outros
exemplos são apresentados por Orlando Gomes, em obra atualizada por Luis Edson
Fachin: “ [...] os
empregados em geral, os diretores de empresa, os bibliotecários, os viajantes
em relação aos mostruários, os menores mesmo quando usam coisas próprias, o
soldado, o detento”.
b) Detenção Independente (Atos de Mera Permissão ou
Tolerância, Posse Violenta e Posse Clandestina) (art. 1.208)
Permissão é diferente de tolerância,
pois pressupõe prévio consentimento daquele que permite, ao passo que nesta
última o que se tem é uma atitude passiva, de não intervenção.
Portanto, em semelhança ao que ocorre
com a figura do servo da posse, os aludidos atos impedem o surgimento da posse.
A diferença é que, aqui, não há relação de dependência com terceiros, daí ser
chamada pelo nome de detenção independente.
É por isso que Silvio Rodrigues dizia
que a posse precária, ao contrário da
posse violenta e clandestina, nunca convalesce.
è REsp.
556.721/DF Nesse Julgado, o STJ qualificou como mera
detenção os atos de ocupação de área pública. Entendeu-se que
se trata de ato de mera detenção.
EMBARGOS DE TERCEIRO - MANDADO DE
REINTEGRAÇÃO DE POSSE – OCUPAÇÃO IRREGULAR DE ÁREA PÚBLICA - INEXISTÊNCIA DE
POSSE - DIREITO DE RETENÇÃO NÃO CONFIGURADO.
1. Posse é o direito reconhecido
a quem se comporta como proprietário. Posse e propriedade, portanto, são
institutos que caminham juntos, não havendo de ser reconhecer a posse a quem,
por proibição legal, não possa ser proprietário ou não possa gozar de qualquer
dos poderes inerentes à propriedade.
2. A ocupação de área pública,
quando irregular, não pode ser reconhecida como posse, mas como mera detenção.
3. Se o direito de retenção
depende da configuração da posse, não se
pode, ante a consideração da
inexistência desta, admitir o surgimento daquele direito advindo da necessidade
de se indenizar as benfeitorias úteis e necessárias, e assim impedir o
cumprimento da medida imposta no interdito proibitório.
4. Recurso provido.
Portanto, o ordenamento desqualifica o
titular.
Por outro lado, a posse violenta e clandestina
se convalescem em posse injusta a partir de ano e dia do esbulho ou da prática
do ato clandestino.
c) Esbulhador de bem de pessoa não presente (art.
1.224)
4.
Teoria da Função
Social da Posse
4.1.
Introdução
Para Cristiano de Farias Chaves,
essa teoria começou a ser desenvolvida por um autor espanhol chamado “Antonio
Hernandez Gil”. Ele foi um dos precursores da tese da função social da posse.
De acordo com essa teoria, a posse não
deveria estar baseada simplesmente no elemento objetivo ou no elemento
subjetivo; a posse não deveria se resumir a isso. Assim, sustenta Gil, tal como
a doutrina contemporânea, que a posse deve ser justificada socialmente, ou seja, deve ter um fundamento para a
proteção. E essa justificação
social da posse seria a tese da função social.
Então, o estudo da função social da
posse gira em torno de se identificar qual é a justificativa ou o fundamento
jurídico para a proteção da posse.
4.2.As
Teorias sobre Fundamento da Tutela Possessória
Para alguns estudiosos, a tutela possessória
se justifica por si mesma, independentemente de qualquer situação (teorias
absolutas). Para outros, a proteção é conferida em razão de fatores diversos,
sejam eles específicos, como a pessoa do possuidor ou a propriedade ou sejam
eles genéricos, como a paz e o interesse social (teorias relativas).
4.2.1. Teorias Absolutas
Dentre
os que justificam a proteção possessória por si mesma – a posse pela posse –
está o autor Bruns, segundo o qual “ [...] o possuidor, pelo só
fato de o ser, tem mais direito do que aquele que não o é: Qualiscumque enim
possessor, hoc ipso quod possessor est, plus iuris habet quam ille qui non possidet.”
No mesmo sentido se posicionam os
autores Ahrens e Roder. A diferença é que, para eles, a relação externa daquele
que se encontra com a coisa não é injusta, e por isso devem ser mantido na
posse.
4.2.2. Teorias Relativas
Já Savigny e Rudorff surgem como autores
que justificam a tutela da posse em fatores externos a ela. Para eles, a posse
não é protegida por si mesma, mas sim em razão da figura do próprio possuidor.
A teoria de Savigny parte do pressuposto que a turbação e o esbulho são
ilícitos, o que justifica a tutela da inviolabilidade do possuidor.
Isso significa que a justificativa de
Savigny seria externa e específica à proteção do possuidor. No entanto, Caio
Mario afirma que a proteção da posse, para Savigny, se justificaria pela
necessidade de ser mantida a ordem social.
Fundamento parecido é invocado por
Kohler, ao dizer que a proteção é conferida para a manutenção do estado de paz
necessário à vida em sociedade. No mesmo sentido, De Page, que menciona a “paz
pública” como fundamento.
Já autores como Gans, Stahl e Jhering
invocam um argumento em comum, externo e específico, como fundamento para a
tutela possessória: o direito de propriedade. Ou seja: protege-se a posse em
função da propriedade.
É claro que as teorias apresentam
algumas variações, mas a idéia central é a mesma. Para Gans, por exemplo, a
posse “ [...] é uma propriedade
incipiente.”,
enquanto que, para Stahl, a proteção da posse é provisória, por ser a posse uma
propriedade presumida.
Por fim, em sentido aproximado de Gans e
Stahl, Jhering sustenta que a proteção da posse é um complemento necessário à
garantia da defesa da propriedade.
Como visto, tanto Savigny como Jhering se
debruçaram na tentativa de apresentar uma justificativa para a proteção da
posse. O primeiro sustentou que a proteção da posse se justifica ante a
necessidade de tutela do próprio possuidor, em respeito à paz social, à negação
da violência e do exercício arbitrário das próprias razões.
Já o sucessor von Jhering defendeu
concepção mais patrimonialista ao apresentar qual seria o fundamento para a
proteção possessória. Assim, para Jhering, por ser a posse a exteriorização da
propriedade, o Direito presume ser o titular da posse o proprietário do bem,
daí a previsão dos interditos que são mecanismos céleres para a defesa da
posse.
Em suma: para Jhering, a tutela
possessória existe só porque o possuidor é presumivelmente o proprietário. O
objetivo é proteger a propriedade em si, mas não a posse, como situação
jurídica autônoma.
Como bem anotaram Cristiano Farias e
Nelson Rosenvald, “ [...] ambas as
teorias situam o fundamento da proteção possessória em elementos externos à
posse.”
Para Savigny, esse elemento externo seria a “integridade do possuidor”, ao passo que, para Jhering, seria o “interesse complementar da tutela da
propriedade”
Essas teorias, desenvolvidas nos
primeiros anos do século XIX, obviamente que são insuficientes para apresentar
uma resposta satisfatória para a realidade brasileira, onde existem sérios
conflitos fundiários sobre a posse.
A justificativa não pode ser a proteção
da integridade do possuidor, como dizia Savigny, pois é com a proteção da posse
que se evita a violência. Ademais, todo o Direito está aparelhado com
mecanismos de repressão da violência, especialmente o Direito Penal, não sendo
esta uma característica específica da posse.
Mas também não pode dar razão a Jhering,
pois a posse é protegida por ser um direito especial, uma situação autônoma
que, por si só, merece proteção possessória. Não se deve justificar a proteção
da posse porque ela é um apêndice da propriedade.
Essa mesma conclusão é apresentada por
Caio Mario, segundo o qual:
Como se vê da exposição acima, nenhuma das
explicações satisfaz plenamente. Nem as teorias absolutas, que sustentam
a tutela da posse em razão da própria posse, nem as relativas, que vão
arrimá-la à pessoa do possuidor, à defesa da propriedade, à paz social, ou ao
interesse público. A posse parece condenada a sofrer a maldição das
controvérsias.
A teoria de Ihering, que satisfaz aos
anseios práticos, no que diz respeito à conceituação, natureza e efeitos da
posse, não convence na justificativa do fundamento de sua proteção, pois que
pressupõe o ordenamento sistemático da propriedade e das ideias em torno de sua
defesa. Ora, isto não encontra supedâneo nos monumentos históricos, nem nas
hipóteses formuladas em torno de sua origem e evolução.
Neste sentido, tanto o Código de 1916
como o de 2002 foram extremamente patrimonialistas, ao conceberem a posse
apenas como um escudo para a defesa da propriedade.
4.3.A
Posse e as Teorias Sociológicas
Por outro lado, as teorias sociológicas sustentam que a posse não é mera
aparência de propriedade – teoria objetiva – mas sim “ [...] um poder fático de ingerência socieconômica
sobre determinado bem da vida, mediante a utilização concreta da coisa.”
Razão assiste a tais teorias porque a
posse não se adquire somente a partir de uma relação de direito real ou
obrigacional preexistente. Muito mais que isso, a posse também se adquire por
qualquer um que exerça o poder fático sobre a coisa com legitimidade para ser
capaz de utilizar concretamente o bem.
No entanto, ao se adotar a teoria objetiva
no artigo 1.196, o Código assumiu postura totalmente patrimonialista, pois
deixou de reconhecer a autonomia da posse em relação à propriedade.
Diante de tais críticas, o fundamento
para a proteção possessória é bem mais amplo do que foi concebido pelas teorias
clássicas examinadas.
Em verdade,“
[...] tutela-se a posse como direito
especial, pela própria relevância do direito de possuir, em atenção à superior
previsão constitucional do direito social à moradia (art. 6º da CR – EC nº
26/01), e o acesso aos bens vitais mínimos hábeis a conceder dignidade à pessoa
humana (art. 1ª, III, da CF).”
Enfim, a posse deve ser protegida por
ser um fim em si mesma, não a projeção de um direito pretensamente superior.
Pode-se até comparar a situação da posse e a da propriedade, com a do casamento
e a união estável. Ambas são situações independentes, que merecem proteção por
si só.
Essa é justamente a posição de Antônio
Hernandez Gil para quem “ [....] Por
servir o uso e o trabalho sobre a coisa a necessidades humanas básicas, justifica-se
o dever geral de abstenção perante a situação do possuidor e a garantia do
desfrute de bens essenciais.”
Cristiano Farias ainda
alude à obra de Norberto Bobbio, que escreveu o livro “Da Estrutura à Função”, no qual ele trata da evolução do
direito civil a partir do período das grandes codificações.
No livro, Bobbio demonstra como a
tendência atual caminha no sentido de não enxergar o direito mais como ele é
(ponto de vista estrutural), mas para que ele serve (ponto de vista social).
Sobre o tema, ainda convém relembrar o
exemplo do homem do chapéu. Pela teoria da função social, o homem, além de
estar com o chapéu, deve utilizar, com
justificativa social, esse chapéu.
Desta feita, as teorias sociológicas
enfatizam o valor socioeconômico da posse e permitem, em certas circunstâncias,
que esta prepondere sobre o direito de propriedade.
4.3.1. Teoria Social de Silvio Perozzi
Na trilha das teorias que dão ênfase ao
caráter social e econômico da posse está a teoria
social do italiano Silvio Perozzi,
que foi formulada nas primeiras edições de suas Instituzioni di diritto romano, em 1906.
Para Perozzi, “a posse prescinde do corpus e do animus e resulta do “fator social”, dependente da abstenção de
terceiros com referência à posse.”
Para ilustrar a teoria, o próprio
Perozzi oferece o exemplo do “homem
de chapéu” e sustenta que Savigny diria que este homem tem posse
simplesmente porque tem o chapéu na cabeça e a possibilidade real e imediata de
dispor dele ou de defender-se contra ataque de terceiros. Já Jhering diria
simplesmente que o homem é possuidor por aparentar ser o proprietário do
chapéu.
Por outro lado, Perozzi sustenta que não
é a aparência de propriedade, em si, que investe o homem da posse do chapéu,
mas sim o ato de abstenção social gerada pela noção intuitiva que as pessoas
têm de que aquele bem não está livre, já que alguém está dispondo dele com
exclusividade.
Portanto, para Perozzi, o que o homem de
chapéu torna aparente é sua intenção de dispor do bem com exclusividade, o que,
associado à atitude de respeito e abstenção de todos, faz com que ele se
invista no poder jurídico sobre a coisa denominada posse.
Neste sentido, Carlos Roberto Gonçalves
obtempera que:
Observa o citado
jurista que os homens, alcançando certo grau de civilização, abstêm-se de
intervir arbitrariamente numa coisa que aparentemente não seja livre, por
encontrar-se esta em condições visíveis tais que deixa presumir que alguém
pretende ter-lhe a exclusiva disponibilidade. Por força desse costume, quem
manifesta a intenção de que todos os outros se abstenham da coisa para que ele
disponha dela exclusivamente, e não encontra nenhuma resistência a isso,
investe-se de um poder sobre ela que se denomina posse, e que se pode definir
como a plena disposição de fato de uma coisa.
Portanto, Perozzi define posse como a
plena disposição de fato de uma coisa.
4.3.2. Teoria da Apropriação Econômica de Raymond
Salleilles
Outro autor que propõe uma teoria da
posse independente da propriedade ou de outro direito real é o francês Raymond
Salleilles. Para ele, a posse “se manifesta pelo juízo de valor segundo a
consciência social considerada economicamente.”
Salleilles ainda diverge de Jhering no
que respeita à distinção entre posse e detenção. Para o jurista francês, a
diferença não se dá porque o legislador simplesmente desqualificou a posse para
uma detenção, mas sim em função de um critério de observação dos fatos sociais:
“há fato onde há relação de fato suficiente para estabelecer a independência
econômica do possuidor.”
4.3.3. Teoria da Função Social da Posse de Antonio Hernandez
Gil
Talvez a mais influente teoria
sociológica é a proveniente do espanhol Antonio Hernandez Gil. Este autor
lembra que grandes coordenadas da ação humana, como a necessidade e o trabalho,
passam pela posse, mas que os juristas e sociólogos não lhe dedicam o seu
devido tratamento.
Para além de suas críticas aos conceitos
tradicionais de posse, tais como apresentados nos Códigos, Hernandez Gil
destaca, acima de tudo, que a posse, no contexto de um Estado Social que
estabelece um programa de distribuição de recursos coletivos, é chamada a
desempenhar um importante papel para a consecução de tais objetivos.
4.3.4. A Função Social da Posse e a Constituição de 1988
Reflexo desta perspectiva social da posse
se fez sentir na Constituição da República de 1988 de forma contundente. A
começar, a dignidade humana e o valor social do trabalho estão arrolados como
fundamentos da república. Em seguida, dentre os objetivos aparecem a construção
de uma sociedade livre, justa e solidária, a erradicação da pobreza e da
marginalização, além da redução das desigualdades sociais e regionais e a
promoção do bem estar de todos.
Nos princípios fundamentais e da ordem
econômica e financeira, a Constituição determina que a propriedade cumpra a sua
função social (art. 5º, XXIII e art. 170, III). O valor social do trabalho
reaparece como fundamento não só da república, mas também da ordem econômica.
Esses princípios e fundamentos são
aplicados nas políticas urbanas com a previsão de prazos reduzidos para a
usucapião especial urbana e rural (art. 183 e 191).
Com efeito, um direito civil
constitucionalizado demanda uma reanálise do conceito de posse para enquadrá-la
em todos esses objetivos e programas. Assim, muito acima dos elementos (corpus e animus) a posse deve ser
entendida como instrumento de concessão de dignidade para os possuidores, e não
uma “sentinela avançada” da propriedade.
Hoje a posse é um dos mais importantes
instrumentos de garantia do direito à moradia (art. 6º) e, em última instância,
da dignidade humana.
Justamente por isso, num duelo entre o
proprietário, que tem a propriedade registrada em cartório, e o possuidor, que
cumpre a função social, este último, nessa perspectiva constitucional, deverá
sair vitorioso.
4.3.5. Função Social da Posse.
Assim, diante das teorias sociológicas,
possuidor não é aquele simplesmente que tem o exercício de uma das faculdades
do domínio, mas sim aquele que cumpre a função social. Neste sentido, Cristiano
Chaves sustenta que a função social da posse se caracteriza quando o possuidor
cumpre a função social da propriedade em lugar do respectivo titular.
Na jurisprudência, conferir o seguinte
julgado:
“Agravo de
Instrumento. Imissão de Posse. Natureza Petitória. Não aplicação do art. 928 do
CPC. Restrição aos Interditos Possessórios. Tutela Antecipada. Art. 273 do
Codex. Possibilidade. Terceiro Possuidor. Comodato Verbal. Não Comprovação.
Ausência de prova inequívoca. Direito de Moradia. Função Social da Posse. A
Ação de imissão de posse possui natureza petitória, a partir da qual se tem
como consequência a ‘impossibilidade de concessão de liminar de posse, pois o
referido provimento satisfativo é restrito aos interditos possessórios’, sendo
possível, todavia, a antecipação dos efeitos da tutela (art. 273 do CPC). –
Ausente prova inequívoca conducente à verossimilhança das alegações, eis que
omissa a comprovação da natureza jurídica do vínculo alegado entre as partes
(vendedor e pretenso comodatário), sendo temerário acolher a afirmação contida
na exordial de existência de comodato verbal, sem qualquer indício concreto a
corroborá-lo, imperioso o indeferimento da medida liminar. – Omissa prova
idônea acerca da existência de comodato verbal e correlata consumação da
precariedade, torna-se impossível retirar o réu (colono rural) de sua moradia,
direito social de relevante valor para o ordenamento jurídico pátrio,
consagrado pelo art. 6.º da Carta Magna, o que acabaria por vilipendiar o
devido processo legal, a função social da posse e a materialização da dignidade
humana” (TJMG, Agravo de Instrumento
1.0112.08.080619-6/0011, Campo Belo, Décima Terceira Câmara Cível,
Rel.ª Desig. Des.ª Cláudia Maia, j. 30.10.2008, DJEMG 01.12.2008).
4.4.O
Código Civil e a Função Social da Posse.
Mas o Código Civil abraçou essa tese?
Em resposta, Flavio Tartuce esclarece
que o atual Código Civil perdeu a oportunidade de adotar a teoria da função
social expressamente.
No entanto, o PL nº 699/2011 prevê alteração da redação do artigo 1.196, que
passaria a dispor:
“Art. 1.196.
Considera-se possuidor todo aquele que tem poder fático de ingerência socioeconômica, absoluto ou relativo, direto
ou indireto, sobre determinado bem da vida, que se manifesta através do
exercício ou possibilidade de exercício inerente à propriedade ou outro direito
real suscetível de posse”.
Segundo Tartuce, a proposta segue a
sugestão do jurista Joel Dias Figueira Jr., o qual apresenta a seguinte
justificativa:
“Por tudo isso, perdeu-se o momento histórico de corrigir um
importantíssimo dispositivo que vem causando confusão entre os jurisdicionados
e, como decorrência de sua aplicação incorreta, inúmeras demandas. Ademais, o
dispositivo mereceria um ajuste em face das teorias sociológicas, tendo-se em
conta que foram elas, em sede possessória, que deram origem à função social da
propriedade. Nesse sentido, vale registrar que foram as teorias sociológicas da
posse, a partir do século XX, na Itália, com Silvio Perozzi; na França com
Raymond Saleilles e, na Espanha, com Antonio Hernandez Gil, que não só
colocaram por terra as célebres teorias objetiva e subjetiva de Ihering e
Savigny, como também se tornaram responsáveis pelo novo conceito desses
importantes institutos no mundo contemporâneo, notadamente a posse, como
exteriorização da propriedade (sua verdadeira ‘função social’)”.
No entanto, na exposição de motivos do
Código, Miguel Reale faz alusão indireta à função social da posse, ao mencionar
a “posse trabalho”. E Reale afirmou que, embora o Código não tenha acolhido
expressamente a teoria, acolheu de forma implícita ou indireta a tese da função
social da posse.
A expressão foi mencionada nos
comentários sobre a inovação do artigo 1.228,§§4º e 5º. Nas palavras do próprio
Miguel Reale:
Trata-se, como se vê, de inovação
do mais alto alcance, inspirada no sentido social do direito de propriedade,
implicando não só novo conceito desta, mas
Também novo conceito de posse,
que se poderia qualificar como sendo de
posse-trabalho, expressão pela
primeira vez por mim empregada, em 1943, em parecer sobre projeto de
decreto-lei relativo às terras devolutas do Estado de São Paulo, quando membro
de seu “Conselho Administrativo” Na realidade, a lei deve outorgar especial
proteção à posse que se traduz em trabalho criador, quer este se corporifique na
construção de uma residência, quer se concretize em investimentos de caráter
produtivo ou cultural. Não há como situar no mesmo plano a posse, como simples
poder manifestado sobre uma coisa, “como se” fora atividade do proprietário,
com a “posse qualificada”, enriquecida pelos valores do trabalho. Este conceito
fundante de “posse-trabalho” justifica e legitima que, ao invés de reaver a
coisa, dada a relevância dos interesse sociais em jogo, o titular da propriedade
reinvindicanda receba, em dinheiro, o seu pleno e justo valor, tal como determina
a Constituição.
A rigor, a função social da posse é um
desdobramento da função social da propriedade. Isso porque toda propriedade
precisa cumprir uma função social (art. 5º, XXIII da CR/88).
E como muito acontece na prática, pode
ocorrer de o proprietário permanecer em estado de inércia, deixando a sua
propriedade improdutiva, mas alguém, em seu lugar, venha a atender a função
social. Em situações como essa, o Direito premia, podemos dizer assim, aquele
que atendeu a função social.
Neste sentido, algumas previsões do
código retratam muito bem as situações em que a lei prestigia o cumprimento da
função social e não o título de propriedade. Vejamos alguns exemplos:
4.5.Exemplos
de Função Social da Posse no Código Civil
4.5.1. Impossibilidade de discussão de Propriedade em Ação
de Reintegração de Posse (Art. 1.210, §2º)
Em ação de
manutenção ou reintegração de posse não se discute a propriedade. Em ação
possessória, interessa saber quem é o melhor possuidor. Não cabe mais a chamada
exceção da propriedade. É o Código Civil rendendo homenagens à teoria da função
social da posse.
4.5.2. Redução do prazo temporal da usucapião em função da
posse-trabalho. (P.
único dos arts. 1.238 e 1.242)
Esses dois
dispositivos permitem ao juiz reduzir o prazo de usucapião “em cinco anos” De
15 para 10, ou de 10 para 5, conforme o caso (ordinário ou extraordinário),
quando o usucapiente estiver utilizando a terra de forma produtiva, vale dizer,
quando está cumprindo a função social da posse.
4.5.3. Acessão Inversa. (arts. 1.255, p. único, art. 1.258
e 1.259)
Em tais
hipóteses a lei defere ao possuidor que plantou, construiu ou edificou, total
ou parcialmente, em terreno alheio, a aquisição compulsória da propriedade em
razão do exercício da função social. Isso é o que se chama de acessão inversa
ou invertida, pois o que prevalece normalmente é a regra superficies solo cedit, ou seja, tudo o que se incorpora ao solo
pertence ao respectivo titular.
4.5.4.
Desapropriação
Judicial por Posse-Trabalho (arts. 1.228, §§4º e 5º)
a) Requisitos e Natureza Jurídica
De todos os
exemplos, este sem dúvida é o mais significativo. O dispositivo consagra
o que a doutrina denominou como Desapropriação Judicial Indireta,
desapropriação judicial no interesse privado, ou ainda, desapropriação judicial
Indireta por Posse-Trabalho.
A lei trata do
instituto como modalidade de perda da propriedade, o que pressupõe os seguintes
requisitos:
·
Extensa
área
·
Posse
ininterrupta de boa fé
·
5
anos
·
Considerável
número de pessoas
·
Obras
e serviços considerados de interesse social e econômico relevante.
Não se trata de usucapião. E isso por
uma questão muito simples: a lei impõe o
pagamento de uma justa indenização (§5º) dentre os requisitos para a aquisição
da propriedade. Por isso, o instituto
mais se assemelha à figura da desapropriação.
Flávio Tartuce é um dos que enquadra o
instituto como modalidade de desapropriação, só que qualificada pelo fato de
ser judicial e privada (no interesse particular). Segundo tartuce, a hipótese
em estudo não encontra correspondente na legislação anterior, nem no direito comparado.
Miguel Reale chegou a comentar sobre ele
na exposição de motivos do Código Civil. O filósofo destaca que o instituto se
inspira no sentido social do direito de propriedade e implica formulação de
novo conceito desta, assim como do conceito de posse, que se qualifica como
posse-trabalho:
“Trata-se, como se
vê, de inovação do mais alto alcance, inspirada
no sentido social do direito de propriedade, implicando não só novo
conceito desta, mas também novo conceito de posse, que se poderia qualificar
como sendo de posse-trabalho,
expressão pela primeira vez por mim empregada, em 1943, em parecer sobre
projeto de decreto-lei relativo às terras devolutas do Estado de São Paulo,
quando membro do seu Conselho Consultivo”.
Diante de tal justificativa, Flávio
Tartuce sugere que a nomenclatura “desapropriação privada por posse-trabalho”
seria a mais adequada.
Tartuce ressalta, ainda, que se trata de desapropriação, pois o
sistema brasileiro não prevê hipótese de usucapião onerosa, sendo que o
§5º do art. 1.228 exige o pagamento de justa
indenização, como requisito para a aquisição da propriedade.
Uma vez caracterizada como
desapropriação, ainda cabe advertir que se trata de desapropriação privada, eis
que concretizada no interesse particular dos ocupantes da área.
O fundamento, como dito, é a
posse-trabalho que, para Flávio Tartuce, “constitui uma cláusula geral, um
conceito aberto e indeterminado a ser preenchido caso a caso. Representa tal
conceito a efetivação da função social da posse, pelo desempenho de uma
atividade positiva no imóvel, dentro da ideia de intervenção impulsionadora,
antes exposta.”
b) Desapropriação Judicial Indireta e Usucapião
Especial Urbana Coletiva.
Além desta característica, que por si só
já aparta o instituto da usucapião, a hipótese do artigo 1.228 apresenta outras
diferenças em relação a certas modalidades de usucapião previstas no Brasil,
como a usucapião urbana coletiva, prevista no Estatuto da Cidade.
Vejamos tais diferenças no quadro que se
segue:
|
Desapropriação
Jud. Indireta
|
Usucapião
Especial Urbano Coletivo
|
Previsão Legal
|
Art. 1228,§§4º e 5º
|
Artigos 10 a 12 do Estatuto da Cidade
|
Requisitos
|
è
Extensa área
è
Urbana ou rural
è
Posse de boa fé
è
5 anos
è
Considerável número de pessoas
è
Obras e serviços relevantes
è
Justa Indenização
Grande
parte dos conceitos são abertos
Função
Social da Posse
|
è
Imóvel com área superior a 250m2
è
Urbano
è
Posse de boa ou má fé
è
Por população de baixa renda
è
Finalidade: moradia
è
Não há indenização
Também
estão fundados na função social da posse
|
c) Enunciados do Conselho de Justiça Federal.
Por se tratar de instituto sem
precedentes na legislação pátria e comparada, e ainda, diante da existência de
tantos conceitos jurídicos indeterminados, o artigo 1.228 foi objeto de atenção
especial pela comunidade jurídica. Neste contexto, foram aprovados vários
enunciados nas jornadas de direito civil realizadas pelo Conselho de Justiça
Federal. Vamos a eles:
Enunciado 82, I
Jornada (2002)
“É constitucional a modalidade
aquisitiva de propriedade imóvel prevista nos §§ 4.º e 5.º do art. 1.228 do
novo Código Civil”.
Chegaram a sustentar a
inconstitucionalidade ao argumento de que o instituto estimularia a invasão de
terras. Será?
Enunciado 83, I
Jornada e Enunciado 304, IV Jornada (2006)
“Nas ações
reivindicatórias propostas pelo Poder Público, não são aplicáveis as
disposições constantes dos §§ 4º e 5º do art. 1.228 do novo Código Civil.”
“são aplicáveis as
disposições dos §§ 4.º e 5.º do art. 1.228 do CC às ações reivindicatórias
relativas a bens públicos
dominicais, mantido, parcialmente, o Enunciado n. 83 da I Jornada de
Direito Civil, no que concerne às demais classificações dos bens públicos”.
O réu pode invocar o instituto, em sua
defesa, na ação reivindicatória proposta pela Administração Pública? O
instituto é oponível ao Poder Público?
Foram aprovados 2 Enunciados sobre o
assunto. O primeiro foi o 83, da I Jornada:
Neste primeiro momento foi consolidado o
entendimento de que a desapropriação judicial
privada não se aplica aos imóveis públicos. O fundamento utilizado foi que
os bens públicos não são usucapíveis, como prescrevem os artigos 183,§3º e
191, p. único, da CR/88 e artigo 102 do CC.
No entanto, em 2006, por ocasião da IV
Jornada, a Comissão de Direito das Coisas aprovou o Enunciado 304, que fez uma
ressalva no Enunciado 83, apenas para admitir a possibilidade de aplicação dos
§§4º e 5º do artigo 1.228 do Código Civil aos bens públicos dominicais (art.
99, III,
do CC). Logo, abriu-se a ressalva apenas para aplicar a desapropriação judicial
privada a apenas uma classe de bens públicos (dominicais).
Porém, Flávio Tartuce adverte que este
posicionamento é ainda minoritário na doutrina.
Enunciado 84, I
Jornada e Enunciado 308, IV Jornada (2006)
O instituto só pode ser utilizado como
meio de defesa (exceção) a uma ação reivindicatória ajuizada pelo proprietário,
ou seria possível a propositura de uma “ação de desapropriação judicial
privada” para a aquisição da propriedade? Quanto à indenização, quem é o
responsável pelo pagamento. Os possuidores ou o Poder Público?
Tais questões também foram objeto de 3 Enunciados. O primeiro
deles (84) consolidou a seguinte posição:
“A defesa fundada no
direito de aquisição com base no interesse social (art. 1.228, §§ 4.º e 5.º, do
novo Código Civil) deve ser arguida pelos réus da ação reivindicatória, eles
próprios responsáveis pelo pagamento da indenização”.
Como se vê, neste primeiro enunciado
reconheceu-se que o instituto é uma defesa possessória (uma exceção) a ser
argüida na ação reivindicatória. Quanto ao pagamento, este cabe aos possuidores
da área.
A exemplo da anterior, este Enunciado
(84) foi parcialmente modificado por ocasião da IV Jornada de 2006, por conta
da aprovação do Enunciado 308. Com a alteração, admitiu-se a possibilidade do
pagamento da indenização ser feito pela Administração Pública, em certos casos.
“A justa indenização
devida ao proprietário em caso de desapropriação judicial (art. 1.228, § 5.°)
somente deverá ser suportada pela Administração Pública no contexto das
políticas públicas de reforma urbana ou agrária, em se tratando de possuidores
de baixa renda e desde que tenha havido intervenção daquela nos termos da lei
processual. Não sendo os possuidores de baixa renda, aplica-se a orientação do
Enunciado n. 84 da I Jornada de Direito Civil”.
Além disso, na V Jornada, realizada em
2011, alterou-se o entendimento de que o instituto só pode ser utilizado como
forma de defesa (exceção). Reconheceu-se, pois, que a desapropriação privada
pode ser requerida em sede de ação própria instaurada perante o Poder
Judiciário. Este entendimento foi
consolidado no Enunciado
496, como explica Flávio Tartuce:
Por fim, na V
Jornada de Direito Civil, do ano de 2011, foi aprovado enunciado que amplia
a construção, possibilitando que o instituto da desapropriação privada seja
alegado em petição, inicial, ou seja, em ação autônoma (Enunciado n. 496).
Assim, pela nova interpretação doutrinária que se tem feito, não é cabível
apenas alegar a categoria como matéria de defesa, o que representa notável
avanço a respeito do instituto.
Eis o teor do Enunciado 496:
“O conteúdo do
art. 1.228, §§ 4º e 5º, pode ser objeto de ação autônoma, não se restringindo à
defesa em pretensões reivindicatórias.”
Enunciado 240, III
Jornada (2004)
Polêmicas também surgem na avaliação do
valor do imóvel. Afinal, qual o critério deve ser utilizado pelo juiz? Nas
desapropriações, o artigo 14 do Decreto-Lei 3.365/1941 prescreve que o juiz
deve indicar perito para realizar a avaliação. O critério é técnico e lastreado
no mercado imobiliário. Além disso, é comum incidir juros nas desapropriações.
Quanto à desapropriação privada, ficou entendido o seguinte:
“A justa indenização
a que alude o § 5.º do art. 1.228 não tem como critério valorativo,
necessariamente, a avaliação técnica lastreada no mercado imobiliário, sendo
indevidos os juros compensatórios”.
Bem por isso, tenho que o enunciado
está parcialmente correto. É de se concordar que não seriam devidos juros
compensatórios que servem para remunerar o capital. O proprietário está
perdendo a propriedade porque foi negligente, não cumpriu a função social. Já
quanto ao critério de cálculo do valor, o enunciado por dar margens à
subjetividades do juiz. É necessário ter um critério seguro, já que a
indenização se mede pela extensão do dano (art. 944)
Vários outros enunciados foram editados
sobre o artigo 1.228, vejamos:
Enunciado 241, III
Jornada (2004)
“O registro da
sentença em ação reivindicatória, que opera a transferência da propriedade para
o nome dos possuidores, com fundamento no interesse social (art. 1.228, § 5.º),
é condicionada ao pagamento da respectiva indenização, cujo prazo será fixado
pelo juiz”.
Enunciado 305, IV
Jornada (2005)
“tendo em vista as
disposições dos §§ 3.º e 4.º do art. 1.228 do CC, o Ministério Público tem o
poder-dever de atuação nas hipóteses de desapropriação, inclusive a indireta,
que envolvam relevante interesse público, determinado pela natureza dos bens
jurídicos envolvidos”.
Enunciado 307, IV
Jornada (2005):
“na desapropriação
judicial (art. 1.228, § 4.º), poderá o juiz determinar a intervenção dos órgãos
públicos competentes para o licenciamento ambiental e urbanístico”.
Enunciado 309, IV
Jornada (2005)
Art. 1.228: O
conceito de posse de boa-fé de que trata o art. 1.201 do Código Civil não se
aplica ao instituto previsto no § 4º do art. 1.228.
De acordo com Flávio Tartuce, o
Enunciado afirma que a boa fé referida no §4º do 1228 não é a boa fé subjetiva,
que se relaciona com a intenção, mas sim com a boa fé objetiva, que tem haver
com o comportamento dos possuidores. Nas palavras do autor:
Por tal conteúdo, a
boa-fé da posse dos ocupantes na desapropriação privada não é a boa-fé subjetiva, aquela que existe no plano intencional;
mas a boa-fé objetiva, relacionada às condutas dos envolvidos. A partir desse
entendimento, pode-se pensar que invasores do imóvel têm a seu favor a
aplicação do instituto da desapropriação privada, o que não seria possível caso
a boa-fé a ser considerada fosse a subjetiva. Em casos assim, devem ser
confrontadas as posses dos envolvidos, prevalecendo a melhor posse,
aquela que atenda à função social. Foi justamente o que ocorreu no outrora
comentado caso da Favela Pullman.
Enunciado 310, IV
Jornada (2005)
“Interpreta-se
extensivamente a expressão ‘imóvel reivindicado’ (art. 1.228, § 4.º),
abrangendo pretensões tanto no juízo petitório quanto no possessório”.
Enunciado 311, IV
Jornada (2005):
“caso não seja pago o
preço fixado para a desapropriação judicial, e ultrapassado o prazo
prescricional para se exigir o crédito correspondente, estará autorizada a
expedição de mandado para registro da propriedade em favor dos possuidores”.
d) Jurisprudência. Caso da Favela Pullman em São Paulo.
Flávio Tartuce colaciona dois julgados
que examinaram o caso, mas não concederam o pedido por falta de requisitos. O
primeiro é do Tribunal Regional Federal da 4ª Região:
“Civil. Ação de
reintegração de posse de gleba invadida. Preliminares afastadas.
Procedência da demanda. Discussão sobre domínio. Irrelevância. Posse inconteste
e esbulho comprovado. Desapropriação judicial, indenização por benfeitorias e
direito à retenção. Descabimento. 1. Devem ser afastadas as preliminares em
hipótese na qual se mostra inexistente o cerceamento de defesa, quando
irrelevante à apreciação do apelo a rejeição dos embargos declaratórios, e,
ainda, diante do fato de que o Ministério Público Federal reputou regular o
processamento do feito, por não ter se ocupado das questões preliminares ao embasar
o seu parecer nesta instância. 2. Nas ações possessórias, a discussão acerca do
domínio se mostra irrelevante. 3. O fato de a autora ser proprietária dos bens
esbulhados em nada altera o deslinde do jus possessionis, de vez que sua
posse é inconteste, embasada em licença para operação, expedida pelo órgão
público competente, e por se ter como comprovado o esbulho. 4. Descabido o pedido de desapropriação
judicial, por ausência de suporte fático para a regra do art. 1.228, §§ 4.º e
5.º do CC/02, bem como o pedido de indenização por benfeitorias e de
reconhecimento do direito à retenção, porquanto os invasores, por definição,
não se reputam possuidores de boa-fé” (TRF da 4.ª Região, Acórdão 2006.72.16.002588-3, Santa Catarina,
Quarta Turma, Rel. Des. Fed. Valdemar Capeletti, j. 10.12.2008, DEJF
25.02.2009, p. 698) (grifei).
O segundo é proveniente do Tribunal de
Justiça de Rondônia (TJRO):
“Reintegração de
posse. Valoração das provas. Atribuição do juiz. Desapropriação pela
posse-trabalho. Ausência de boa-fé. Compete ao magistrado apreciar livremente
as provas, desde que decida motivadamente. Configurada a suspeição das
testemunhas trazidas pela parte requerida, age corretamente o juiz ao atribuir
valor relativo aos seus depoimentos, confrontando-os com as demais provas
existentes. Havendo circunstâncias nos autos que permitam a presunção de que o
possuidor não ignora que ocupa
indevidamente o imóvel, mostra-se incabível a desapropriação judicial (CC, art.
1.228, § 4.º)” (TJRO, Apelação
100.001.2006.018386-0, Rel. Des. Kiyochi Mori, DJERO
05.06.2009, p. 55).
Nota-se que o TJRO utilizou o conceito
de boa fé subjetiva, ao contrário do entendimento consolidado nos enunciados do
CJF/STJ. A decisão não me parece correta, pois a exigência de boa fé subjetiva
(desconhecimento do vício que existe na posse) praticamente elimina a
possibilidade de se aplicar o instituto que teria a favorecer classes mais
pobres da população, que exercem a posse de áreas abandonadas para estabelecer
moradia.
Embora não seja fácil encontrar algum
julgado que tenha aplicado o instituto, um caso interessante, julgado pelo
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e pelo Superior Tribunal de Justiça,
é sem dúvida o mais significativo de todos.
Refiro-me ao famoso caso da “Favela
Pullman”, examinado nos autos da ação reivindicatória proposta pelo
proprietário de nove lotes de terreno no Loteamento Vila Andrade, subdistrito
de Santo Amaro, adquiridos nos anos de 1978 e 1979. De acordo com o que consta
do relatório do Recurso Especial nº 75.659/SP, o loteamento foi inscrito em
1955 e a ação petitória foi ajuizada em 1995.
Diante da inércia dos proprietários,
foi-se instalando gradativamente no local a comunidade que hoje é conhecida
como Favela Pullman, que está situada mais precisamente na Avenida Giovanni
Gronchi, perto do Shopping Sul.
O ponto mais importante deste caso é
que o TJSP, que deu provimento ao recurso dos moradores da favela, entendeu que
a situação examinada era comparada a uma desapropriação indireta, que
justificou a perda da propriedade, ressalvado o direito de indenização.
è
Legitimação da
Posse (Previsão
Legal (Lei 6.383/76 e Lei 9.636/98, com alterações promovidas pela Lei
11.481/2007)
Ainda dentro do contexto da função
social da posse está inserido o instituto da legitimação da posse, que se trata
de um dos instrumentos de regularização da política fundiária brasileira,
exclusiva para a ocupação de bens públicos.
Como se nota do texto da lei, a
legitimação é basicamente um recurso para a formalização da posse exercida
sobre um bem público, que confere ao possuidor o a licença de ocupação do
imóvel e o direito de preferência na aquisição da terra nua, atendidos, é
claro, os pressupostos legais. Vejamos, então, o teor do artigo 29 da Lei
6.383/76, que expressamente consagra esta possibilidade:
Art. 29 - O ocupante de terras públicas, que as tenha tornado produtivas com o seu trabalho
e o de sua família, fará jus à legitimação da posse de área contínua até 100
(cem) hectares, desde que preencha os seguintes requisitos:
I - não seja proprietário de imóvel rural;
II - comprove a morada
permanente e cultura efetiva, pelo prazo mínimo de 1 (um) ano.
§ 1º - A legitimação da posse de que trata o presente
artigo consistirá no fornecimento de uma Licença de Ocupação, pelo prazo mínimo
de mais 4 (quatro) anos, findo o qual o ocupante terá a preferência para
aquisição do lote, pelo valor histórico da terra nua, satisfeitos os requisitos
de morada permanente e cultura efetiva e comprovada a sua capacidade para
desenvolver a área ocupada.
§
2º - Aos portadores de Licenças de Ocupação, concedidas na forma da legislação
anterior, será assegurada a preferência para aquisição de área até 100 (cem)
hectares, nas condições do parágrafo anterior, e, o que exceder esse limite,
pelo valor atual da terra nua.
Há também lei específica que versa sobre
o instituto da legitimação de posse em relação a bens públicos da União, a
saber, Lei 9.636/98, que foi alterada pela Lei 11.481/2007). No entanto, o
centro de atenção desta lei é o “ [...] atendimento
prioritário às ocupações irregulares de terrenos da união por populações de
baixa renda.”, considerando-se como tais aquelas que alcancem renda mensal de
até 05 salários mínimos.”
4.6.
Atuação do Ministério Público
O MP não tem legitimidade para atuar em
conflitos possessórios de natureza meramente patrimonial ou individual
disponível, pois esta função não lhe foi atribuída expressamente pela lei (art.
127 da Constituição Federal). “Porém,
tudo muda quando se tratar de litígio
coletivo pela posse de terra rural, nos termos da parte final do inciso
III do art. 82 do Código de Processo Civil.”
Mas a legitimidade para a intervenção
vai muito além e abarca todos os conflitos chamados “multidinários”,
tais como ações que envolvem o acesso à moradia, acesso à propriedade, ações de
usucapião coletiva e desapropriação judicial indireta.
5.
Classificação da
Posse
O Código Civil invoca diferentes
critérios para a classificação da posse.
5.1. Posse Direta e Indireta (art. 1.197)
5.1.1. Desdobramento da Posse (Posses Paralelas)
a) Conceito
Embora não livre de críticas, a teoria
objetiva de Jhering foi importante para permitir que duas pessoas sejam
consideradas possuidores, quando apenas uma delas estiverem ocupando a coisa.
Isso significa que a teoria objetiva
permite o desdobramento da posse (posses paralelas), que se caracteriza pela
possibilidade de uma pessoa estar diretamente ocupando a coisa enquanto a
outra, que não tem o contato físico, também é reputado possuidor.
Quanto a este critério, a posse pode ser
classificada em direta ou imediata e indireta ou mediata, como consta da
redação do artigo 1.197, in verbis:
Art. 1.197. A
posse direta, de pessoa que tem a coisa em seu poder, temporariamente, em
virtude de direito pessoal, ou real, não anula a indireta, de quem aquela foi
havida, podendo o possuidor direto defender a sua posse contra o indireto.
O dispositivo contempla o que é
conhecido como desdobramento da posse. Trata-se de uma única posse desdobrada
em duas que coexistem paralelamente. Com efeito, a posse direta é de quem mantém
contato físico imediato com o bem, enquanto a posse indireta “media este
contato por meio de um negócio jurídico.”
Em outros termos, a posse direta é
aquela exercida por quem tem a coisa materialmente e a indireta é a exercida por
meio de outra pessoa.
O desdobramento da posse pressupõe a
realização de um ato jurídico que pode dar origem a um direito pessoal, como o
direito do locatário, do comodatário e do depositário, ou a um direito real,
como é o caso do credor pignoratício e do usufrutuário.
Adriano Stanley esclarece que o
possuidor direto também pratica atos de proprietário. Basta imaginar a situação
do locador de um imóvel que aufere renda mensal decorrente do contrato de
locação. No caso, o possuidor indireto está exercendo o atributo da fruição.
Mas, afinal, qual é a importância
prática de tal classificação? É a de permitir que o proprietário que conferiu a
posse a terceiros continue sendo tratado como possuidor e, via de consequência,
continue sendo legitimado para a defesa possessória.
Assim, se Mario aluga um imóvel para
Carla e ocorreu um esbulho, tanto Carla quanto Mario (locador) legitimidade
para a ação possessória, um como possuidor indireto e a outra como possuidora
direta.
Mas aí surge um problema: Já que ambos
são qualificados para defender a coisa, pode se falar em defesa do possuidor
direto contra o indireto e vice e versa?? Pelo Enunciado 76,
da I Jornada do CJF, a resposta é positiva.
Mas atenção: se não houver o desdobramento,
fala-se em posse plena. Só faz sentido falar em posse direta e indireta quando
houver desdobramento.
Por outro lado, é possível um subdesdobramento da posse, como
se dá, por exemplo, na sublocação. E outra: Quem pode usucapir o bem? O
possuidor direto ou indireto? Para
Cristiano Chaves, nenhum dos dois. Isso porque o indireto já é proprietário. O
direto também não pode, já que um dos requisitos da usucapião é o “animus domini”.
Em sentido contrário, Carlos Roberto
Gonçalves,
apesar de não justificar o posicionamento, afirma que o possuidor indireto pode
adquirir a propriedade por usucapião. Penso que razão assiste a este último,
pois o possuidor indireto não é necessariamente o proprietário.
Basta imaginar a situação de alguém que
adquiriu a posse de um bem de forma originária, sem ter uma relação jurídica
como causa. Neste exemplo, verificando-se o elemento subjetivo (aninus domini), é perfeitamente possível
a aquisição originária do bem via usucapião.
b) Características do desdobramento da Posse
è
A
posse direta é temporária!
è
A
posse direta é subordinada! Os poderes do possuidor direto dependem da vontade
do indireto.
7.1.2. Posse Exclusiva e Composse (art. 1.199)
a) Conceito
É importante salientar que tanto a posse
direta como a indireta podem ser exercidas com exclusividade ou não. Será
exclusiva quando exercida por um único possuidor, mas se for exercida por
vários possuidores simultaneamente, teremos aí uma situação de composse (art.
1.199)
Assim, de acordo com a definição de
Carlos Roberto Gonçalves, composse é a “situação pela qual duas ou mais pessoas
exercem, simultaneamente, poderes possessórios sobre a mesma coisa.”
Em
outras palavras, a composse é caracterizada pelo Exercício simultâneo da posse
por duas ou mais pessoas. Resulta de convenção das partes ou a título hereditário,
como na situação dos adquirentes de coisa comum, cotitulares do mesmo
direito, marido e mulher em regime de comunhão de bens, coerdeiros antes da
partilha, comunheiros antes da communi dividundo.
Vários exemplos servem para ilustrar a
situação, como a do adquirente de coisa comum, do marido e da mulher em regime
de comunhão de bens ou dos coerdeiros antes da partilha. O importante é não perder de vista que o
condomínio está para a propriedade, assim como a composse está para a posse.
No sistema brasileiro, existem
basicamente duas regras fundamentais a respeito da composse. A primeira é a de
que o compossuidor pode exercer sozinho o poder de fato sobre a coisa, contanto
que não exclua a posse dos demais.
Um bom exemplo é o do cônjuge que impede
o seu consorte de exercer os atos possessórios sobre qualquer fração da
comunhão. Esta violação autoriza que o cônjuge prejudicado faça uso dos
interditos possessórios.
Nada impede, todavia, que os
compossuidores estabeleçam uma divisão para a utilização do bem, o que vem a
ser chamado de composse pro diviso. Do
contrário, haverá composse pro indiviso “se
todos exercerem, ao mesmo tempo e sobre a totalidade da coisa, os poderes de
fato.”
Em resumo, enquanto na composse pro diviso os compossuidores exercem
poderes apenas sobre uma parte definida da coisa, na composse pro indiviso ocorre o exercício
simultâneo dos poderes de fato sobre a totalidade da coisa.
Na prática, são comuns conflitos entre
cônjuges e companheiros no que tange ao exercício dos poderes de fato. O
término da relação, por si, não exclui a posse do cônjuge ou companheiro, ainda
que o bem seja de propriedade exclusiva do outro.
b) Efeitos da Composse
Cristiano Chaves ensina que a composse
produz dois efeitos principais, um de natureza material e outro de índole
processual.
b.1) Material
Segundo Cristiano Chaves, caracterizada
a composse, cada um dos co-possuidores pode exercer o seu direito sobre o todo,
independentemente de sua quota, podendo inclusive defender o todo, já que um dos elementos/requisitos da
composse é a indivisibilidade do objeto.
Assim, em relação a terceiros, qualquer
dos compossuidores poderá usar os remédios possessórios que se fizerem
necessário. Flávio Tartuce cita o exemplo de um cônjuge ou companheiro que
permanece no imóvel e promove ação possessória em face de terceiros. O
julgado abaixo reflete exatamente esta orientação, veja-se:
REINTEGRAÇÃO DE POSSE. CONCUBINA. COMPOSSE. E DE RECONHECER-SE A TUTELA POSSESSORIA A CONCUBINA QUE PERMANECEU OCUPANDO O APARTAMENTO APOS A MORTE DO COMPANHEIRO DE LONGOS ANOS E QUE POSTULA, EM AÇÃO PROPRIA, A MEAÇÃO DO BEM ADQUIRIDO NA CONSTANCIA DA SOCIEDADE DE FATO, MEDIANTE O ESFORÇO COMUM. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO. (STJ, REsp 10.521/PR, Rel. Min. Barros Monteiro, 4.ª Turma, j. 26.10.1992, DJ 04.04.1994, p. 6.684).
Já Caio Mario da Silva Pereira, citando
Lafayette, afirma que “[...] nenhum dos
compossuidores possui a coisa por inteiro, porém cada um tem-lhe a posse por
fração ideal.”
Na verdade o exercício da posse sobre o
todo ou sobre a respectiva fração ideal depende da modalidade de composse do
caso concreto. Dessa forma, são modalidades de composse:
à Composse pro indiviso ou indivisível – os compossuidores têm fração ideal da posse,
pois não é possível determinar, no plano fático e corpóreo, qual a parte de
cada um. Exemplo: dois irmãos têm a posse de uma fazenda e ambos exercem-na
sobre todo o imóvel, retirando dele produção de hortaliças.
è
Composse
pro diviso ou divisível – cada compossuidor sabe qual a sua parte, que é
determinável no plano fático e corpóreo, havendo uma fração real da posse. Exemplo: dois irmãos têm a composse de uma fazenda, que é
dividida ao meio por uma cerca. Em metade dela um irmão tem uma plantação de
rabanetes; na outra metade, o outro irmão cultiva beterrabas
Finalmente, registre-se que esta posse
não pode ser exercida de maneira a impedir o mesmo direito assegurado ao outro
compossuidor. Aliás, esta é a norma que se extrai do texto do artigo 1.199 do
Código Civil: “Se duas ou mais pessoas
possuírem coisa indivisa, poderá cada uma exercer sobre ela atos possessórios,
contanto que não excluam os dos outros compossuidores.”
b.2.
Processual
Recordando o tema da natureza jurídica
da posse, esta, por si só, não é um direito, muito menos um direito real, exceto
se a posse originar-se de um direito real, como a propriedade, o usufruto, o
direito do credor hipotecário etc.
Por óbvio, a ação possessória não é ação
real. Logo, não se aplica o art. 10 do CPC. Esse artigo exige a formação de litisconsórcio
necessário para ações imobiliárias
reais entre cônjuges.
Exemplo: Quero ajuizar ação de usucapião
contra Mario. Nesse caso, exige-se a formação do litisconsórcio; diversamente,
ação possessória dispensa essa exigência.
Ação real não é possessória, mas atenção
para o artigo 10, §2º do CPC:
Art. 10. O
cônjuge somente necessitará do consentimento do outro para propor ações que
versem sobre direitos reais imobiliários.
§ 2o
Nas ações possessórias, a participação do cônjuge do autor ou do réu somente é
indispensável nos casos de composse ou de ato por ambos praticados.
Se houver composse, exige-se a formação
do litisconsórcio necessário. Assim, se eu pretendo ajuizar ação de
reintegração de posse contra Mario, e hoje ele se encontra na posse com sua
esposa, aí exige-se a formação do litisconsórcio passivo.
7.2.
Posse Natural ou
Civil ou Jurídica.
A regra geral é de que toda a posse é
natural (leia-se: contato físico; exercício de um dos poderes da propriedade). Contudo,
o CC permite (art. 1204 e 1.205)
a aquisição da posse por meio de
contrato e a isto se dá o nome de clausula “constituti” possessória ou cláusula constitute.
Portanto, “a posse civil ou jurídica é a que se adquire por força de lei, sem
necessidade de atos físicos ou da apreensão material da coisa.” Ou
ainda: “é aquela posse que tem um título que a fundamenta; é a posse que tem um
título que lhe serve de substrato [...] é aquela posse em que o sujeito que
ocupa um bem ali está em virtude de um direito real ou obrigacional ou em virtude
de um direito real.”
Por outro lado, contrapondo-se à posse
civil, há a posse natural. Esta posse é aquela que é fruto da ocupação de um
bem, sem que exista qualquer relação jurídica que a fundamente. O melhor
exemplo é a do invasor de um lote desocupado que ingressa no local e ali cumpre
a função social.
Partindo-se desta distinção, afirma-se
que o possuidor que exerce a posse adquirida por um título que lhe serve de
fundamento exerce o jus possidendi,
enquanto aquele que exerce a posse que não está amparada por um título exerce o
chamado jus possessionis.
Dessa forma, o ius possidendi “ [...] é a faculdade que tem
uma pessoa, por já ser titular de uma situação jurídica, de exercer a posse
sobre determinada coisa. É o direito ao exercício da posse por quem já tem
um título que o autoriza, como é o caso do locatário, do comodatário, do
depositário etc.
Já o ius
possessionis “ [...] é o direito originado
da situação jurídica da posse, e independe da preexistência de uma relação.” E como ensina
Silvio Rodrigues: “A circunstância de alguém se instalar em terra alheia, e
nela manter-se mansa e pacificamente por mais de ano e dia, gera uma situação
possessória que vai alcançar proteção do ordenamento jurídico, a despeito de
não se alicerçar em direito.”
Com efeito, são exemplos de posse civil:
comodatário, arrendatário e do locatário, assim como a posse do usufruário, do
credor anticrético etc.
Outros Exemplos: o contrato pelo qual
uma pessoa vende o seu imóvel, mas se mantém como locatário. Atenção: Nesse
caso o contrato transfere para o locador a posse indireta.
Para Cristiano Chaves, a importância da
clausula “constituti” – sem dúvida –
está no campo processual (Processo Civil). Lembrar da propaganda da CEF – Minha
Casa Minha Vida (com o ex-jogador Raí). A pessoa arremata o bem imóvel em
leilão, mas o devedor ainda se encontra no imóvel. Qual é a ação para tirar o
devedor do imóvel?
Reintegração de Posse? Tem liminar (art.
927) Como se falar em reintegração de posse, de quem não tem a posse. Esta ação
é a de imissão na posse, com procedimento comum ordinário e sem liminar. O
arrematante adquire a posse indireta da CEF e pode propor ação de reintegração
de posse.
A Questão caiu no MP de São Paulo.
7.3.
Quanto à Presença de Título.
a) Posse com título:
Situação em que há uma causa representativa da transmissão da posse,
caso de um documento escrito, como ocorre na vigência de um contrato de locação
ou de comodato, por exemplo.
b) Posse sem Título
Situação em que não há uma causa
representativa, pelo menos aparente, da transmissão do domínio fático.
Exemplo: alguém acha um tesouro, depósito de coisas preciosas, sem a intenção
de fazê-lo. Nesse caso, a posse é qualificada como um ato-fato jurídico,
pois não há uma vontade juridicamente relevante para que exista um ato
jurídico.
7.4.
Quanto ao Tempo
Como bem esclarece o professor Adriano
Stanley, “quanto mais antiga for a posse, maior será a sua força. Quanto mais
velha for a posse, maiores serão as proteções e garantias que o seu possuidor
receberá.”
A relação de posse e tempo traz a tona
uma classificação que influi basicamente na proteção conferida pelo sistema
jurídico à posse. Assim, classifica-se a posse em:
a) Posse Nova
É a que conta com menos de um ano e um dia, ou seja, é aquela com até um
ano.
É a que conta com menos de um ano e um dia de exercício.
b) Posse Velha
É a que conta com pelo menos um
ano e um dia, ou seja, com um ano e um dia ou mais.
c) Origem Histórica do Prazo
Alguns autores
sustentam que o prazo tem relação com o período de plantio e colheitas; outros
dizem que surgiu dos costumes germanos, já que somente quando a posse tem certa
duração é que se pode produzir o efeito de aquisição da propriedade.
d)Importância da Classificação
A classificação da
posse quanto ao tempo é fundamental para a questão processual relativa às ações
possessórias. Enuncia o art. 924 do CPC que “Regem o procedimento de manutenção
e de reintegração de posse as normas da seção seguinte, quando intentado dentro
de ano e dia da turbação ou do esbulho; passado esse prazo, será ordinário, não
perdendo, contudo, o caráter possessório”.
A ação
possessória de força nova é, digamos, mais célere do que a ação possessória de
força velha, pois o possuidor tem direito à obtenção de uma liminar para cessar
o efeito do esbulho, da turbação ou ameaça, conforme o caso. Ao contrário, a
ação de força velha segue o procedimento ordinário e não há cabimento de
liminar nos moldes previstos para a ação de força nova.
Neste sentido,
dispõe o artigo 924 do CPC:
Art.
924. Regem o procedimento de manutenção e de reintegração de posse as normas da
seção seguinte, quando intentado
dentro de ano e dia da turbação ou do esbulho; passado esse prazo, será
ordinário, não perdendo, contudo, o caráter possessório.
Tão importante quanto isso é o fato de o
transcurso do prazo de ano e dia consolida uma situação de fato, “permitindo
que a posse seja considerada purgada dos defeitos da violência e da
clandestinidade, malgrado tal purgação possa ocorrer antes.”
7.5.
Quanto aos
Efeitos
a)
Posse Ad Interdicta
É a posse que
pode ser defendida pelos interditos possessórios (interdito proibitório, manutenção
e reintegração de posse) quando violada, mas que não conduz à usucapião. Para
esta proteção, basta que a posse seja justa, isto é, que não esteja maculada por
algum vício objetivo como violência, clandestinidade ou precariedade.
b)
Posse Ad Usucapionem
É a que se prolonga por determinado
lapso de tempo previsto na lei, admitindo-se a aquisição da propriedade pela
usucapião, desde que obedecidos os parâmetros legais. Em outras palavras, é
aquela posse com olhos à usucapião (posse usucapível), pela presença dos
seus elementos.
A posse ad usucapionem deve ser
mansa, pacífica, duradoura por lapso temporal previsto em lei, contínua e
ininterrupta, pública e, principalmente, com intenção de dono (animus domini
– conceito de Savigny).
Como esclarece Luciano de Camargo
Penteado, “posse contínua e ininterrupta é aquela que não sofreu contestação
judicial ou extrajudicial, ou, tendo sofrido a primeira, foi a demanda julgada
improcedente”
Este mesmo autor lembra que existem
certas espécies de posse que não são ad
usucapionem e que, portanto, não autorizam o possuidor a se valer do
instituto, como ocorre no exemplo do “credor pignoratício, do locatário, do
titular de posse oriunda de compromisso de compra e venda financiado, enquanto
não pagas as prestações, do depositário, do comodatário.”
7.6.
Quanto
à Existência de Vícios
O Código Civil ainda classifica a posse
quanto à existência de vícios, que podem ser objetivos ou subjetivos. Esta
classificação quanto aos vícios é importante para regular ou modular os efeitos
possessórios.
Portanto, como se verá adiante, os
efeitos da posse podem variar a depender da existência ou não dos chamados
vícios objetivos ou subjetivos. E quais são esses efeitos (os principais):
direitos aos frutos, benfeitorias, proteção pelos interditos e usucapião.
Como se verá, a presença ou não de
vícios objetivos é relevante para classificar a posse como justa ou injusta, ao
passo que a existência de vícios subjetivos define se uma posse é de boa fé ou
de má fé.
Para ilustrar, basta lembrar que o
possuidor de boa fé tem direito de indenização pelas benfeitorias necessárias e
úteis, assim como direito de retenção pelo não pagamento das mesmas (art.
1.219). Lembre-se, ainda, que a posse de boa fé influi diretamente no tempo
necessário para a aquisição da propriedade via usucapião (art. 1.238 e 1.242)
Da mesma forma, geralmente a ação
possessória é intentada contra o injusto possuidor, que obteve a posse de forma
violenta, clandestina ou precária.
Pelo exposto, percebe-se que a
classificação da posse quanto aos vícios é importante para dimensionar ou
regular os seus respectivos efeitos.
7.6.1.
Classificação quanto aos Vícios Objetivos
O critério nesse momento é objetivo,
pois injusta é aquela que apresenta os vícios objetivos da posse (posse
violenta, clandestina ou precária). Sendo assim, a posse justa é definida por
antagonismo ou exclusão, ou seja, é aquela que “não é violenta, nem
clandestina, nem precária.”
O Código Civil utiliza um conceito
negativo: posse justa é aquela que não for violenta, clandestina ou precária
(art. 1.200)
7.6.1.2. Posse Injusta por Violência
Violenta é a posse que decorre de um
esbulho, como acontece no roubo. Ela é obtida mediante o emprego da força ou da
coação física ou moral (vis abusoluta e
vis compulsiva). Geralmente as
invasões de terras são executadas justamente dessa forma, com violência contra
à pessoa do possuidor, à família deste ou diretamente contra seus bens.
Não se pode olvidar que enquanto
perdurar a violência não haverá posse, mas mera detenção (art. 1.198). Dessa
forma, o invasor de terras alheias não pode pretender a proteção possessória
enquanto não cessar os efeitos da violência. Este foi exatamente o entendimento
do STJ em ação de interdito proibitório ajuizado por um invasor que
expressamente confessou a sua condição:
PROCESSUAL - INTERDITO PROIBITÓRIO - INVASÃO - POSSE – ATO CLANDESTINO OU VIOLENTO - PODER DE POLÍCIA - CÓDIGO CIVIL, ARTs. 65e 497.
I - O Art. 65 do Código Civil não veda ao Distrito Federal o exercício do poder de polícia em relação ao uso dos imóveis urbanos, nem outorga posse a invasores confessos. A ampliação do dispositivo legal, evidentemente o maltratou.
II - Em nosso direito positivo vige a regra de que "não induzem posse os atos de mera permissão ou tolerância, assim como não autorizam a sua aquisição os atos violentos ou clandestinos" (CC,Art. 497). Ora, a invasão é necessariamente clandestina ou violenta, não pode, assim, gerar posse. (STJ, 1ª T., REsp 219.579/DF. j. 26.09.2000. rel. Min. Humberto Gomes de Barros. DJ 04.12.2000.
Silvio Rodrigues assinala que a “violência estigmatiza a posse, impedindo que a sua aquisição gere efeitos no âmbito do direito. Ainda que exercida pelo proprietário, deve a vítima ser reintegrada, porque não pode o esbulhador fazer justiça pelas próprias mãos.”
7.6.1.3.
Posse Injusta por Clandestinidade
Já a clandestina é aquela tomada ou
mantida às escondidas do verdadeiro
possuidor e que pode resultar, por exemplo, de um furto. Em outras
palavras, é a posse omitida de quem
tinha verdadeiro interesse em conhecê-la.
O que importa, frisa-se bem, é se ela
foi adquirida ocultamente do verdadeiro possuidor. Portanto, se um imóvel é
invadido à luz do meio dia perante 200 pessoas que por ali passavam, ela não
deixará de ser clandestina, pois o que importa saber é se ela foi ocultada ou
não do legítimo possuidor. A publicidade, aqui, é aferida somente em relação ao
legítimo possuidor e não em relação a terceiros.
Neste sentido, um bom exemplo desta
espécie é a do “cessionário que tenha adquirido o bem alienado ao credor por
alienação fiduciária ou que seja cessionário de leasing, perante o credor fiduciário ou arrendante...”
De fato, se o credor não teve
conhecimento da venda do bem a terceiros, estes não podem pretender utilizar as
ações possessórias, ou pedir a declaração da usucapião do bem, em sua defesa,
contra o credor fiduciário ou contra que arrendou o bem. Vejamos um precedente
em que tal situação foi examinada:
CIVIL. USUCAPIÃO. VEÍCULO. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. INADIMPLEMENTO. PRESCRIÇÃO AQUISITIVA. IMPOSSIBILIDADE. POSSE INJUSTA.
I.- A posse de bem por contrato de alienação fiduciária em garantia não pode levar a usucapião, seja pelo adquirente, seja por cessionário deste, porque essa posse remonta ao fiduciante, que é a financiadora, a qual, no ato do financiamento, adquire a propriedade do bem, cuja posse direta passa ao comprador fiduciário, conservando a posse indireta (IHERING) e restando essa posse como resolúvel por todo o tempo, até que o financiamento seja pago.
II.- A posse, nesse caso, é justa enquanto válido o contrato. Ocorrido o inadimplemento, transforma-se em posse injusta, incapaz de gerar direito a usucapião.Recurso Especial não conhecido. (REsp 844.098/MG, j. 06.11.2008, rel. Min. Nancy Andrigui, rel. p/ acórdão Min. Sidnei Beneti, DJe 06.04.2009.
É importante observar que o
convalescimento da posse clandestina não depende do efetivo conhecimento, da
parte do legítimo possuidor, da ocorrência do esbulho ou da clandestinidade.
Basta apenas que “o esbulhador não oculte mais dela, tornando possível que
venha a saber do ocorrido”.
Portanto, basta verificar se o legítimo possuidor tinha condições de conhecer o
vício, caso em que a situação passará de simples detenção para de posse
injusta.
7.6.1.4. Posse Injusta por Abuso de Confiança (Posse Precária)
A posse precária é posse de quem tem o
dever de restituí-la quando reclamada por quem de direito. É aquela que deriva
do inadimplemento do dever de restituição da coisa.
Portanto, ela resulta do abuso de
confiança, como no exemplo do locatário de um bem que não o devolve ao final do
contrato, ou ainda, “do comodatário notificado à devolução do bem ao comodante,
mas que, nada obstante isso, não o devolve.”
Uma particularidade da posse precária é
que, diferentemente das posses violenta e clandestina, é que ela nasce justa,
eis que decorre de um contrato ou de atos de permissão ou tolerância. Por isso,
afirma-se que as posses violenta e clandestina padecem de vícios originários,
enquanto a posse precária apresenta vício derivado, que ocorre no momento
seguinte à recusa da restituição da coisa.
7.6.1.5.Outras Hipóteses de Posse Injusta
Como bem adverte Carlos Roberto
Gonçalves, os “três vícios mencionados correspondem às figuras definidas no
Código Penal como roubo (violência), furto (Clandestinidade) e Apropriação
Indébita (precariedade)”
Isso não significa, porém, que os vícios
objetivos da posse são apenas aqueles indicados no artigo 1.200. Assim, mesmo
aquele invadiu um terreno de forma pacífica e sem se preocupar em esconder o
fato de terceiros é considerado possuidor injusto, de forma que, em sentido
amplo, a posse injusta é aquela obtida de maneira não autorizada pela direito.
7.6.1.5.Efeitos da Posse Injusta
Flávio Tartuce faz duas observações
preliminares sobre a posse injusta. O autor afirma que basta a ocorrência de um
dos vícios para caracterizá-la como tal, ou seja, não se exige cumulação. Além
disso, Tartuce esclarece que os efeitos da posse injusta são oponíveis inter partes e não erga omnes, o que implica que o possuidor, mesmo com posse injusta,
pode defendê-la contra terceiros, valendo-se dos interditos.
Neste sentido, conclui Carlos Roberto
Gonçalves, que “a posse obtida clandestinamente, até por furto, é injusta em
relação ao legítimo possuidor, mas poderá ser justa em relação a um terceiro
que não tenha posse alguma.”
Daí a afirmação de que os efeitos da posse injusta são relativos.
Em outros termos, Luciano de Camargo
Penteado esclarece que o “possuidor injusto tem efeitos da posse em seu favor,
não podendo, entretanto, exercer as ações possessórias em face do possuidor
diante de quem está em situação de vício objetivo de violência, clandestinidade
ou precariedade.”
É importante anotar, também, que a posse
violenta, clandestina ou precária não exerce qualquer influência na questão dos
frutos, das benfeitorias e das responsabilidades, pois o que se utiliza, para
esta finalidade, é o critério subjetivo. Por outro lado, quem tem a posse
injusta não tem posse para fins de usucapião.
7.6.1.6.Convalescimento ou Intervessão
O
convalescimento ou interverssão rompe com o princípio geral de que a posse
mantém o mesmo caráter com que foi adquirida (art. 1.203).
Por tal princípio, a posse violenta seria sempre violenta, a clandestina sempre
clandestina e assim por diante.
Neste contexto, a interverssão é a
mudança do caráter da posse. E quais são as hipóteses de intervessão?
Um dos exemplos seria, como sustenta
Bruno Zampier, a celebração de um contrato posteriormente à ocorrência da
invasão. Por exemplo, o proprietário do imóvel invadido celebra um contrato de
locação com o invasor, fazendo alterar a posse justa para injusta.
Como se vê, esta hipótese de
interverssão ocorre por intermédio de um ato bilateral, um contrato. Mas isso
não impede que ocorra a mudança do caráter da posse por ato unilateral do
possuidor. Basta imaginar um locatário que mora em um imóvel cujo proprietário
vem a falecer, deixando inúmeros herdeiros que não entram em consenso quanto à
partilha.
Nesta hipótese cogitada, caso o
locatário permaneça no imóvel por longo período de tempo, sem pagar os
alugueis, arcando com os tributos, ocorrerá a mudança do caráter da posse (de
injusta para justa), viabilizando a usucapião.
Cristiano Chaves adverte que a violência
e a clandestinidade podem convalescer (cuidado: pode aparecer convalescimento
como sinônimo de intervessão) – convalescer é curar o vício. E curar o vício é
produzir todos os efeitos de uma posse justa. Esse convalescimento ocorre quando curada a sua causa ou depois do
prazo de ano e dia.
Neste aspecto, esclarece Carlos Roberto
Gonçalves que “na posse de mais de ano e dia, o possuidor será mantido
provisoriamente, inclusive contra o proprietário, até ser convencido pelos
meios ordinários (CC, arts. 1.210, 1.211; CPC, art. 924)”
Art. 1.210. O
possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação, restituído no
de esbulho, e segurado de violência iminente, se tiver justo receio de ser
molestado.
Art. 1.211.
Quando mais de uma pessoa se disser possuidora, manter-se-á provisoriamente a
que tiver a coisa, se não estiver manifesto que a obteve de alguma das outras
por modo vicioso.
Art. 924. Regem
o procedimento de manutenção e de reintegração de posse as normas da seção
seguinte, quando intentado dentro de ano e dia da turbação ou do esbulho;
passado esse prazo, será ordinário, não perdendo, contudo, o caráter
possessório.
No entanto, a posse precária, pelo texto
da lei, não convalesce. Essa afirmação pode ser extraída do artigo 1208 do CC,
vejamos:
Art. 1.208. Não
induzem posse os atos de mera permissão ou tolerância assim como não autorizam
a sua aquisição os atos violentos, ou clandestinos, senão depois de cessar a
violência ou a clandestinidade.
Na verdade, como regra geral ela não
convalesce. No entanto, ela pode convalescer, hipoteticamente. Isso acontece
quando for rompida a relação originária. Toma-se o exemplo do comodato (que é
posse precária que decorre do empréstimo). O comodatário tinha que devolver o
bem no dia 10, mas não o fez. No dia 15 ele é possuidor.
A redação do art. 1.208, a rigor, sequer
qualifica a posse de quem a obteve de forma violenta, clandestina ou precária
como posse plena. A lei desqualifica a situação de posse para detenção. São
hipóteses de detenção.
No entanto, o mesmo dispositivo estabelece
que a posse precária não convalesce (não induz posse). Apesar do caráter
peremptório da disposição legal, uma corrente contemporânea sustenta que a
posse precária pode convalescer se houver, por exemplo, uma alteração
substancial na sua causa. E este entendimento foi adotado na III Jornada de
Direito Civil, no Enunciado 237:
“É cabível a
modificação do título da posse – interversio possessionis – na hipótese em que
o até então possuidor direto demonstrar ato exterior inequívoco de oposição ao
antigo possuidor indireto, tendo por efeito a caracterização do animus domini”.
Um exemplo ainda
mais elucidativo é apresentado por Bruno Zampier, e que está retira seu
fundamento do artigo 1.198, p. único do CPC. O citado professor conta o caso de
um caseiro que, no início, toma conta de um pequeno sítio para o respectivo
proprietário.
A situação
retrata a hipótese de detenção, porque o caseiro se encontra subordinando,
seguindo ordens e instruções de terceiros. Neste caso, pela redação literal do
artigo 1.198, a situação permaneceria indefinidamente como detenção, sem gerar
os efeitos possessórios.
Todavia, se o
proprietário, hipoteticamente, ignorar aquele sítio por tempo considerável, e o
caseiro aproveitar-se da situação para pagar impostos, obrigações, e
comportar-se como verdadeiro possuidor, exercendo a posse para si, estará
configurada a intervessão da posse, isto é, a sua mudança de caráter – de
detenção para posse injusta.
Essa é, aliás,
uma hipótese de convalescimento da detenção, que deixa de ser desinteressada e
passa a ser interessada e retrata, no final das contas, uma situação em que a
posse precária já nasce com vício objetivo originário por abuso de confiança.
No entanto, para
que ocorra tal situação, o interessado deverá fazer a respectiva prova, como se
infere do parágrafo único do artigo 1.198:
Art. 1.198. Considera-se detentor aquele que,
achando-se em relação de dependência para com outro, conserva a posse em nome
deste e em cumprimento de ordens ou instruções suas.
Parágrafo único. Aquele que começou a comportar-se do
modo como prescreve este artigo, em relação ao bem e à outra pessoa, presume-se
detentor, até que prove o contrário.
7.6.2. Quanto aos Vícios Subjetivos (Posse de Boa Fé ou de
Má Fé)
Diversamente do critério para definir
posse de justa de injusta que, como visto, é objetivo (violência,
clandestinidade e precariedade), os critérios para se classificar uma posse de
boa ou má fé levam em consideração o estado anímico ou subjetivo do possuidor.
Bem por isso, a posse injusta é marcada
pelos vícios objetivos, enquanto a posse de má fé é denominada vício subjetivo
da posse. Então, a posse de boa fé “é a posse do que ignora o vício ou o
obstáculo que impede a aquisição do direito, enquanto a de má-fé é a posse
daquele que é ciente do vício.”
Como uma série de conseqüências ou
efeitos resulta diretamente desta classificação de posse de boa fé ou de má fé,
convém examiná-las dentro do próximo capítulo, que trata dos efeitos da posse.
7.6.3. Qual é a melhor Posse ou a “posse mais forte”?
Sem sombra de dúvidas, e melhor posse
que existe é aquela que não apresenta nenhum vício, seja subjetivo ou objetivo,
assim considerada a posse justa e de boa fé. Mas será que se pode cogitar de
uma posse justa e de má fé? Sobre tal indagação, ensina o ilustre professor
Adriano Stanley que:
ter uma posse
dessa forma implica dizer que, muito embora o seu possuidor não tenha lançado
mão de qualquer violência, clandestinidade ou precariedade na sua aquisição,
esse mesmo possuidor tem consciência de que sobre aquele bem recai outra posse
ou uma propriedade.
Para exemplificar, Stanley cita o caso
de uma pessoa que invade um lote vago sem exercer qualquer violência e sem se
preocupar em se esconder do legítimo possuidor. De acordo com o citado autor,
este possuidor não pode ser chamado de clandestino e tampouco se encontra
diante de uma posse precária. No entanto, o invasor obviamente não pode alegar
o desconhecimento do obstáculo que impedia a aquisição da sua posse. Trata-se,
portanto, de posse justa, mas de má fé.
O interessante é que a situação inversa
também pode acontecer, ou seja, uma posse injusta, mas de boa fé! O próprio
Stanley exemplifica com a situação de uma pessoa que compra um determinado bem,
ignorando a existência do vício da posse do alienante.
A situação é similar à do receptador
(art. 180) do Código Penal, com a diferença, importantíssima, de que a
caracterização do tipo penal depende da comprovação do dolo.
Mas por que a posse é injusta? Como se
verá nos próximos capítulos, em uma aquisição derivada, os vícios da posse se
transferem ao novo adquirente. Sendo assim, o comprador da mercadoria recebe
uma posse já maculada por um vício objetivo (violência, por exemplo), mas não
sabe da existência deste vício. Posse injusta e de boa fé, portanto.
Finalmente, a pior espécie de posse é a
injusta e de má fé, como acontece em todos os tipos de agressões praticadas
diariamente contra o patrimônio das pessoas.
8.
Efeitos
Jurídicos da Posse
Como exposto, os efeitos da posse estão
intrinsecamente ligados à classificação da posse de boa e má-fé. Assim,
dependendo da classificação da posse em boa ou má fé, serão produzidos uma
série de efeitos jurídicos materiais e processuais.
E para classificar a posse em boa e má
fé, devemos partir do pressuposto que estamos tratando de vícios subjetivos. É certo, e não custa lembrar, que o direito
civil trata da boa fé objetiva e da boa
fé subjetiva.
No direito civil, trabalha-se com a boa
fé objetiva, aquela que se refere ao comportamento, além da boa fé subjetiva,
esta relacionada com o conhecimento, por parte do possuidor, de algum vício que
exista na posse.
Nesse caso, ao tratar da posse de boa e
má fé, estamos dizendo que o possuidor será de boa fé quando ele não tem conhecimento sobre eventuais
vícios que pesam sobre a coisa; se ele não conhece o vício, está de boa
fé; do contrário, se tem conhecimento, está de má fé.
E atenção: O Possuidor de má fé é
possuidor! Pensar o contrário é um equívoco, porque parte do pressuposto
errôneo de que que ele não merece a proteção. A diferença é o tratamento jurídico. Mais uma coisa é certa! Tanto
um quanto o outro tem proteção jurídica.
O vício, então, é de ordem subjetiva.
Exemplificando:
Arrendatário e o locatário são
possuidores de boa fé; já o esbulhador, é de má fé. Esse vício é de índole
subjetiva.
Partindo desta distinção, vejamos os
efeitos jurídicos que são produzidos, começando pelos Efeitos Jurídicos
Materiais:
8.6.
Efeitos Jurídicos Materiais da Posse
a) 1º Direito à Usucapião
Comecemos com uma pergunta aparentemente
simples, mas que pode gerar confusões, qual seja: O possuidor de ma fé tem direito à usucapião?
Obviamente que sim! A possibilidade de
adquirir o bem pelo usucapião é conferida tanto ao possuidor de boa fé quanto
ao possuidor de má fé. A boa fé não é requisito do usucapião. Ou seja: É
possível o usucapião, mesmo que a posse seja de má fé.
Agora, há um detalhe aqui: se o
possuidor é de boa fé, o ordenamento reduz os prazos da prescrição aquisitiva.
Exemplificando:
è
Usucapião
extraordinário: de 15 para 10 (1.238)
è
Usucapião
ordinário: de 10 para 5 (1.242)
Agora outra pergunta melindrosa: Todo possuidor tem direito à usucapião?
A resposta é negativa, pois nem todo
possuidor faz jus à aquisição por usucapião. Isso porque, o CC dividiu a posse em dois quadrantes, de modo que nem
todo possuidor fará jus à usucapião.
Como vimos, algumas posses são ad
usucapionem e outras são ad
interdicta
O sistema não quer que todo possuidor
tenha direito à usucapião. Então ele estabelece que alguns terão apenas a
proteção dos interditos possessórios. Em outros termos, alguns somente têm
direito aos interditos (proteção); outros, além desta proteção, têm direito de
usucapir.
è
Posse
ad usucapionem à
INTERDITOS E USUCAPIÃO
è
Posse ad
interdicta à INTERDITOS, apenas.
Isso acontece porque somente alguns
possuidores possuem o chamado animus
domini (intenção de possuir a coisa como se sua fosse). O arrendatário e o
locatário possuem a coisa como se sua fosse ou para merecer proteção? É claro
que eles possuem a posse ad interdicta.
Por outro lado, o esbulhador tem a posse usucapionem
e, consequentemente, direito a usucapir.
Do mesmo modo, o possuidor indireto
(porque é proprietário) e o indireto (porque tem posse ad interdicta) não podem usucapir.
b) 2º Direito à Percepção de Frutos
Frutos são utilidades renováveis de um
bem. Espécies de bens acessórios. Utilidades que se renovam periodicamente. Não
se confunde com o produto, também espécie de bem acessório, mas o produto não é
renovável.
Só quem se renova são os frutos. Os minerais são exemplos de produtos.
Os frutos podem ser de três diferentes
categorias:
I – naturais (independem da intervenção humana)
II – artificiais/industriais (que dependem da ação
humana) Exemplos: manufaturas
III – frutos civis (rendimentos) decorrem de uma
relação jurídica Exemplos: juros e alugueis
Essas três categorias de frutos podem
ser organizar quanto ao tempo (critério temporal dos frutos). Nesse caso, há
outra classificação, veja-se:
I – pendentes (ainda não está na hora de colher)
Ii – percipiendos (deveriam ter sido colhidos, mas
não foram)
iii – estantes (foram colhidos e estão armazenados)
iv – percebidos (foram colhidos e entregues ao
titular)
Ilustrando, basta pensar no aluguel. O
aluguel vence no dia 30. Cobrar no dia 25 significa que o fruto está pendente;
se o contrato diz que o locador deve buscar o aluguel; se ele não foi buscar no
dia 25, trata-se de fruto percipiendo; e se, nesse caso, o locatário consignou,
o fruto está estante...
Relembrar estas classificações dos
frutos é importante porque o possuidor, em certas circunstâncias, tem direito
de percepção de tais bens acessórios. Há, na verdade, um regime jurídico do
possuidor em relação aos frutos, que está previsto no artigo 1.214 a 1.216 do
Código Civil.
Mas a pergunta que fica é: O possuidor
tem direito aos frutos sempre?
O possuidor de boa fé, ordinariamente,
tem direito a todos os frutos. Aqui vem uma ressalva: há um tipo de fruto que
ele não pode colher, a saber: são os
frutos pendentes na data de restituição da coisa.
Ora, se os frutos estão pendentes na
data da restituição, eles não estão no tempo de serem colhidos. Aí, se o
possuidor de boa fé vier a colher fruto pendente de forma antecipada, será obrigado
a reparar o dano causado.
Mas se, por um lado, ele não tem direito
a fruto pendente; por outro, tem direito a ser ressarcido das despesas desse
fruto. E faz sentido, pois do contrario geraria enriquecimento sem causa.
Portanto, em relação ao possuidor de boa
fé, ele, ordinariamente, faz jus a todos os frutos; salvo os pendentes ao tempo
da restituição, podendo, todavia, ser ressarcido das despesas empregadas na sua
manutenção.
A situação do possuidor de boa fé em
relação aos frutos está contemplada no artigo 1.214 do Código Civil:
Art.
1.214. O possuidor de boa-fé tem direito, enquanto ela durar, aos frutos
percebidos.
Parágrafo
único. Os frutos pendentes ao tempo em que cessar
a boa-fé devem ser restituídos, depois de deduzidas as despesas da produção e custeio; devem ser
também restituídos os frutos colhidos com antecipação.
O exemplo de Flávio Tartuce ilustra
muito bem a situação:
Ilustrando, um
locatário está em um imóvel urbano e, no fundo deste, há uma mangueira.
Enquanto vigente o contrato, o locatário, possuidor de boa-fé amparado pelo
justo título, terá direito às mangas colhidas, ou seja, percebidas. Se o
contrato for extinto quando as mangas ainda estiverem verdes (frutos
pendentes), não poderão ser colhidas, pois são do locador proprietário. Se
colhidas ainda verdes, devem ser devolvidas ao último, sem prejuízo de
eventuais perdas e danos que couberem por este mau colhimento.
De outro norte, o possuidor de má fé não
faz jus aos frutos em razão do vício subjetivo. E se ele colheu indevidamente
qualquer fruto, terá o dever de indenizar. Em acréscimo, pode-se dizer que se o
possuidor de má fé tiver assumido despesas com a manutenção dos frutos
(produção e custeio), terá direito ao ressarcimento para impedir enriquecimento
sem causa, vedado pelos artigos 884 e 885 do CC.
Essa é a previsão do artigo 1.216
do Código Civil. Para ilustrar, o exemplo de Flavio Tartuce: “se um invasor de um
imóvel colhe as mangas da mangueira do terreno, deverá indenizá-las, mas será
ressarcido pelas despesas realizadas com a colheita. Por outra via, se deixaram
de ser colhidas e, em razão disso, vierem a apodrecer, o possuidor também será
responsabilizado.”
Como se vê, o momento da colheita dos
frutos pode ser relevante na apuração dos deveres do possuidor. Neste sentido,
o artigo 1.215 dispõe de regra que descreve o momento em que o fruto se
considera colhido. Vejamos: Art. 1.215. Os frutos naturais e industriais
reputam-se colhidos e percebidos, logo que são separados; os civis reputam-se
percebidos dia por dia.
Em arremate, um comentário:
A doutrina vem indagando se o regime
jurídico dos frutos também se aplica aos produtos, no que tange ao possuidor.
Há tempos, a doutrina, capitaneada por
Orlando Gomes, inclusive, sustenta que não. Isso por um motivo simples. Porque
enquanto os frutos são renováveis, os produtos não. Assim, eles pertencem ao
proprietário.
Assim, para Orlando Gomes, no tocante
aos produtos, há dever de restituição mesmo quanto ao possuidor de boa fé. Para
Flávio Tartuce, o “jurista tem razão, uma vez que os produtos, quando retirados, desfalcam
a substância do principal. Assim sendo, a aplicação do regime dos frutos para
os produtos poderia gerar uma perda substancial da coisa possuída, o que não
pode ser admitido. Em suma, os problemas envolvendo os produtos devem ser
resolvidos com as regras que vedam o enriquecimento sem causa (arts. 884 a 886
do CC).”
c) 3º Direito às benfeitorias
Logo de entrada, é preciso diferenciar
os frutos das benfeitorias, ambas espécies de bens acessórios. As benfeitorias são
bens acessórios introduzidos em um bem móvel ou imóvel, visando a sua
conservação ou melhora da sua utilidade. Enquanto os frutos e produtos decorrem
do bem principal, as benfeitorias são nele introduzidas.
Além disso, devemos voltar no tempo para
diferenciar benfeitoria de acessão. O direito civil trabalha com duas
diferentes categorias de acréscimos
na coisa. Esses acréscimos podem se apresentar sob duas óticas. As acessões e
as benfeitorias.
As acessões podem ser naturais (avulsão,
aluvião, abandono de álveo, formação de ilhas) ou humanas (construções e
plantações); as benfeitorias sempre
resultam de atividade humana. Essa a primeira diferença.
Nesse momento, o que pode causar espécie
são as acessões humanas com as benfeitorias. Qual seria a diferença, portanto? O critério de distinção é finalístico.
É a finalidade do acréscimo realizado. Isso porque, o critério jurídico de
benfeitoria é sempre de acordo com a finalidade em relação à coisa.
As benfeitorias podem ser:
è
Úteis
(gera comodidade no uso)
è
Necessárias
(servem para evitar o perecimento)
è
Voluptuárias
ou suntuárias (deleite ou aformoseamento)
Pensemos em uma piscina, por exemplo.
Tudo depende da finalidade. Tratando-se de academia de natação (necessária);
ginástica (útil); casa em Campos do Jordão (voluptuária).
Chama-se atenção para um detalhe: se o
critério de benfeitoria é finalístico, o critério de acessões não é.
Construções e plantações não se submetem ao critério finalístico e, assim
sendo, tais acessões podem ser
realizadas independentemente de uma finalidade.
Exemplo corriqueiro! Laje. Filha
encalhada. Pai oferece ao genro a laje. O dono da laje constrói uma
churrasqueira ou uma lavanderia; se tem
uma finalidade em relação à casa, é uma benfeitoria.
Agora, se o genro constrói uma casa na
laje, com acesso próprio. Aí é caso de acessão. Essa digressão foi necessária
porque, segundo a doutrina, o regime
jurídico das benfeitorias também é aplicável às acessões. Portanto,
tudo o que se disser sobre benfeitorias, vale também para as acessões. A
questão é pacífica na doutrina e jurisprudência.
Antes, porém, de falar do regime
jurídico das benfeitorias, é preciso falar de uma observação:
è Não confundir
benfeitorias e acessões com pertenças (art. 93)
Isso porque as pertenças, diferentemente
das primeiras, não se submetem à teoria da gravitação jurídica, posto que as pertenças não têm natureza
acessória. (quem segue o principal é o acessório). Pertenças não são
bens acessórios.
As pertenças são bens com função própria
que se acoplam a outros bens onde irão cumprir a sua função. Portanto, não
perdem a funcionalidade. E por não perder essa funcionalidade, é que as
pertenças não são bens acessórios e, consequentemente, não se submetem à teoria
da gravitação.
Lembrando do exemplo de Orlando Gomes à Ar condicionado e Trator na
Fazenda. Assim, se eu vendo minha casa ou minha fazenda, não se presume que as
pertenças seguirão a coisa; exceto se tiver disposição expressa.
Voltando
para os Direitos Reais, o regime das benfeitorias ao:
POSSUIDOR DE BOA
FÉ (art. 1.219)
Art. 1.219. O
possuidor de boa-fé tem direito à indenização das benfeitorias necessárias e
úteis, bem como, quanto às voluptuárias, se não lhe forem pagas, a levantá-las,
quando o puder sem detrimento da coisa, e poderá exercer o direito de retenção
pelo valor das benfeitorias necessárias e úteis.
è
Tem
direito de indenização e retenção
pelas necessárias e úteis
è
Direito de
retirada
(ou levantamento) das voluptuárias;
Obs:
Direito de retenção é o de se manter na coisa.
POSSUIDOR DE MÁ
FÉ
Art. 1.220. Ao
possuidor de má-fé serão ressarcidas somente as benfeitorias necessárias; não
lhe assiste o direito de retenção pela importância destas, nem o de levantar as
voluptuárias.
è
Não
tem direito sobre as benfeitorias; (nem indenização, nem retenção; nem retirada)
è
Porém,
será indenizado, sem retenção, pelas necessárias, para evitar enriquecimento
sem causa.
Mas as diferenças entre os possuidores
de boa fé e de má fé em relação às benfeitorias não param por aí. De acordo com
o artigo 1.222, O reivindicante,
obrigado a indenizar as benfeitorias ao possuidor de má-fé, tem o direito de
optar entre o seu valor atual e o seu custo; ao possuidor de boa-fé indenizará
pelo valor atual.
Obs:
comentário processual
O Direito de retenção, segundo o texto
do CPC, deve ser exercido no processo de execução, por meio de um instrumento
chamado de Embargos de Retenção!
Porém, depois do artigo 475, com sua
nova redação, dispondo sobre as novas regras do cumprimento de sentença,
Cristiano Chaves entende que o momento oportuno de alegação de direito de
retenção, agora, é a petição inicial, para o autor, ou na contestação, para o
réu.
Forçoso reconhecer, por outro lado, que
se o interessado não alegar neste momento inicial, nada impedirá que venha a
alegar depois.
Ainda sobre o direito de retenção,
especificamente sobre as benfeitorias úteis, a jurisprudência entende que o
limite para o exercício do direito de retenção é a notificação para a
restituição do bem.
Ou seja: se eu celebrei com Carla
contrato de arrendamento ou de comodato, e o contrato previu que a devolução
será feita a qualquer tempo com antecedência de 60 dias, dentro desse prazo, se
a possuidora realizar benfeitoria útil nesse prazo, essa vantagem será
usufruída por ela.
Assim, para impedir que as benfeitorias
úteis fossem utilizadas indevidamente, firmou-se o entendimento de que aquelas realizadas depois da notificação
não geram direito de retenção, mas somente indenização.
Em outros termos, as benfeitorias úteis
só geram direito de retenção se realizadas antes da notificação.
d) EXCEÇÕES AO REGIME DAS BENFEITORIAS
Existem 3 casos que não se submetem ao
regime das benfeitorias:
1º COMODATO
(art. 584 do Código Civil)
Lembrar que o comodato é empréstimo
gratuito. Empresto um bem para José, gratuitamente, e ele realiza benfeitoria
útil que gera comodidade para ele, e eu ainda devo indenizar? Fosse dessa
forma, se aplicaria aquele ditado: além
da queda, coice!
Assim, no contrato de comodato, o
possuidor somente fará jus á indenização pela benfeitoria necessária.
2ª
DESAPROPRIAÇÃO
Conferir o art. 26 do Dec. 3665/41 (Lei
Geral de Desapropriações)
A sistemática é muito interessante! Todas
as benfeitorias realizadas até a data do decreto expropriatório devem ser
computadas no preço da indenização.
Curioso é perceber se foram realizadas
benfeitorias dentro do prazo compreendido entre a data da publicação do decreto
expropriatório e a imissão na posse do Poder Público Expropriante.
Neste lapso temporal, o art. 26 dispõe
que as benfeitorias necessárias serão indenizadas independentemente de qualquer
autorização do expropriante. Por outro lado, as benfeitorias úteis realizadas
neste interregno somente serão indenizadas com prévia autorização.
Por fim, as voluptuárias não serão
indenizadas.
3º LOCAÇÃO DE
IMÓVEIS URBANOS
Conferir o art. 35 da Lei 8.245/91. Dispõe o art. 35 da
Lei de Locação que, salvo expressa disposição contratual em contrário, as
benfeitorias necessárias introduzidas pelo locatário, ainda que não autorizadas
pelo locador, bem como as úteis, estas desde que autorizadas, são indenizáveis
e permitem o direito de retenção.
As benfeitorias voluptuárias não são
indenizáveis, podendo ser levantadas pelo locatário, finda a locação, desde que
a sua retirada não afete a estrutura e a substância do imóvel (art. 36 da Lei
8.245/1991).
A lei de locações estabelece que, no
contrato de locação, as benfeitorias, salvo as necessárias, serão indenizadas se
tiverem prévia autorização do locador. A exceção das necessárias se justifica
para evitar o enriquecimento sem causa.
A redação do art. 35 não é das melhores;
mas esta é a sua melhor intelecção.
Destarte, discute-se, na jurisprudência,
a validade ou não da cláusula de renúncia antecipada (e do direito de retenção)
pelas benfeitorias nos contratos de locação.
Inclusive, a maioria dos contratos de
locação são contratos de adesão. Para Cristiano Chaves, a cláusula é nula
porque afronta a boa fé objetiva. Esta posição, embora majoritária na doutrina,
destoa da Súmula 335 do STJ.
Porém, repise-se que se a renúncia às
benfeitorias necessárias constar em contrato de adesão, a cláusula de renúncia
será nula, o que é aplicação do art. 424 do CC, dispositivo pelo qual, nos
contratos de adesão, serão nulas de pleno direito as cláusulas que implicam a
renúncia antecipada do aderente a um direito resultante da natureza do negócio
(Enunciado n. 433 CJF/STJ, da V Jornada de Direito Civil – 2011).
Além de afrontar a boa fé objetiva,
pode-se argumentar que a Súmula diz respeito apenas às benfeitorias úteis.
Inclusive, se for para interpretar a
súmula para englobar as benfeitorias necessárias, melhor o locatário deixar a
casa cair.
9.
Responsabilidade
Civil do Possuidor
O possuidor responde civilmente pela
perda ou deterioração da coisa; se de boa fé, responde somente quando
comprovada a sua culpa, isto é, só responde pelos danos que deu causa, quando
atuou com culpa.
Portanto, a responsabilidade civil do possuidor de boa fé é subjetiva.
Lado outro, o possuidor de má fé
responde pela perda ou deterioração da coisa, salvo se provar que a coisa teria
se perdido ou deteriorado mesmo sem a sua posse.
Então, a responsabilidade civil do possuidor de má fé é objetiva com risco
integral. Isso porque o caso fortuito e força maior não eliminam essa
responsabilidade!
Ele só não responde se comprovar uma
excludente específica – qual seja – a de que a coisa teria perecido ou
deteriorado mesmo sem a sua posse.
Chama-se atenção para o fato de que não
é comum encontrar no sistema hipóteses de responsabilidade civil objetiva com
risco integral.
Por fim, ainda no que toca às
responsabilidades, segundo o art. 1.221 do CC, as benfeitorias compensam-se com
os danos, e só obrigam ao ressarcimento se ao tempo da evicção ainda existirem.
Segundo Flávio Tartuce, o comando possibilita, portanto, que as benfeitorias
necessárias a que teria direito o possuidor de má-fé sejam compensadas com os
danos sofridos pelo reivindicante, hipótese de compensação legal, pela
reciprocidade de dívidas. Entretanto, se a benfeitoria não mais existia quando
a coisa se perdeu, não há que se falar em compensação e muito menos em
indenização. A norma está inspirada na vedação do enriquecimento sem causa.
10.
Aquisição e Perda da
Posse
São apontadas três razões principais
para a análise da aquisição da posse, são eles:
è Verificar a qualidade
da posse daquele que a exerce, pois os vícios objetivos e subjetivos, como
visto acima, surgem no momento da sua aquisição;
è A data da aquisição
permite apurar se ocorreu o transcurso de ano e dia, o que é necessário para se
identificar a posse nova ou velha, assim como a força da ação possessória;
è Marca o início do
prazo de usucapião
11.
Modos de Aquisição da
Posse
Em sintonia com a teoria objetiva de
Jhering, o Código Civil estabelece que: “Art.
1.204. Adquire-se a posse desde o
momento em que se torna possível o exercício, em nome próprio, de
qualquer dos poderes inerentes à propriedade.”
Como se percebe, o legislador utilizou
formulação genérica para abarcar as mais variadas formas de aquisição da posse,
que vão desde a apreensão, ao constituto possessório, assim como por qualquer
ato jurídico. Inclusive, a abstração do conteúdo legal em análise é muito
próxima da redação do artigo 854 do Código Civil alemão, “que assim dispõe: “A posse de uma coisa se adquire pela
obtenção do poder de fato sobre essa coisa.”
Os modos de aquisição da posse são
tradicionalmente classificados em originários ou derivados, a depender,
basicamente, da existência ou não de relação de causalidade entre a posse atual
e a posterior.
Neste caso, a posse será originária se
não há essa relação de causalidade ou, como prefere Orlando Gomes, “quando não
há consentimento de possuidor precedente.” Neste sentido, um bom
exemplo de aquisição originária da posse é a situação em que ela foi adquirida
de forma violenta, mas, com o tempo, veio a convalescer.
Por outro lado, quando há o
consentimento prévio do possuidor anterior, como ocorre, por exemplo, na
tradição que se segue ao ato de compra e venda, estamos diante de uma posse
derivada.
Por mais estranho que possa parecer, a
aquisição originária elimina todos os vícios que a posse anterior apresentava.
Com isso, o novo possuidor é titular de uma situação jurídica completamente
nova e isenta de quaisquer vícios anteriores.
Lembre-se que na aquisição originária
não há uma relação jurídica prévia entre o antigo possuidor e o atual, e daí
que os vícios que a posse apresentava não são transmitidos ao sucessor. É o que
ocorre na hipótese de esbulho, situação em que a posse será injusta, perante o
esbulhado, mas isenta de vícios perante a sociedade. Isso resulta, como já
vimos, dos efeitos da posse injusta que são inter
partes e não erga omnes.
Em sentido contrário, na aquisição
derivada, como há formação de um vínculo jurídico de sucessão entre o antigo e
o novo possuidor, todas as características – não apenas os vícios – são
transmitidas para o adquirente. Assim, por exemplo, na venda de uma coisa, se a
posse exercida pelo vendedor padecia de algum vício objetivo (violência,
clandestinidade ou precariedade), tais vícios serão transmitidos ao comprador.
Isso acontece porque, de acordo com o
artigo 1.203 do Código Civil, “Salvo prova em contrário, entende-se manter a posse
o mesmo caráter com que foi adquirida.”, o que vale tanto para a sucessão inter vivos como na sucessão causa mortis, nos termos do artigo 1.206
do mesmo diploma.
A única exceção que se tem em relação à
posse derivada é do sucessor a título singular, que pode, a seu critério, unir
a sua posse à de seu antecessor, para efeitos legais, nos termos do artigo
1.207 do Código Civil. Isso é muito comum em
caso de usucapião. O comprador de um imóvel pode, por exemplo, somar o tempo de
posse do seu antecessor com o seu e pleitear que seja declarada a aquisição da
propriedade via usucapião.
11.1. Modos de
Aquisição Originário
11.1.1.
Apreensão
A apreensão se caracteriza pelo ato de
apropriação unilateral de três tipos de coisas:
a)
Coisa abandonada (res derelicta)
b)
Coisa “sem dono” (res nullius)
c)
Coisa “com dono”, porém retirada sem permissão do legítimo possuidor,
como ocorre na hipótese de esbulho, clandestinidade ou precariedade.
Quanto a esta última hipótese, o direito
faculta à vítima o exercício da autotutela ou desforço imediato (art.
1.210,§1º) e, ainda assim, enquanto perdurar os atos de violência ou
clandestinidade o esbulhador não adquirirá a posse, mas permanecerá como
detentor da res. (art. 1.208)
O que importa, portanto, é que a pessoa
exerça um poder fático de ingerência social e econômica sobre o bem, para que a
posse seja efetivamente adquirida.
11.1.2. Exercício do Direito dos bens que podem ser Objeto
de Posse
De acordo com Carlos Roberto Gonçalves,
“Adquire-se pelo exercício do direito a posse dos jus in re aliena, ou seja, direitos reais sobre coisas alheias, e,
pela apreensão, das coisas propriamente ditas.”
O mesmo autor destaca que não é qualquer
direito cujo exercício implica na aquisição da posse, mas apenas daqueles que
podem ser objeto de posse, como o direito real de servidão.
O exemplo mais evidente é de uma
servidão de aqueduto, em que uma pessoa constrói uma tubulação de água que
passa pelo terreno alheio. A inércia do proprietário deste terreno faz com que
o exercício deste direito, pelo possuidor, se transforme em aquisição da posse,
a qual, se exercida de forma mansa, pacífica e ininterrupta por determinado
período de tempo pode acarretar a usucapião do direito real de servidão.
11.1.3. Atos de Disposição da Coisa
Se a posse é o exercício, pleno ou não,
de algum dos poderes inerentes ao domínio, aquele que dispõe de um bem indica
ser o seu possuidor. E como adverte Carvalho Santos, “nenhum outro fato, como a
disponibilidade da coisa, é capaz de traduzir melhor a intenção de ser
proprietário.”
Não me parece adequado incluir essa
modalidade como espécie de “aquisição da posse”, pois ela não retrata a origem,
ou seja, a forma como a posse foi adquirida, mas apenas a forma como ela é
exteriorizada, o que apenas indica, por inferência, que aquele que dispõe é
possuidor.
11.2.
Modos Derivados
de Aquisição
Como visto, esta forma de aquisição pode
resultar de uma sucessão inter vivos,
por meio de um negócio jurídico, ou da sucessão causa mortis, como ocorre na sucessão hereditária ou testamentária.
Com efeito, a transmissão da posse pode ocorrer pela tradição ou pela sucessão.
Vejamos cada uma delas:
11.2.1. Tradição
A tradição, na sua acepção mais pura,
caracteriza-se por ato material de entrega da coisa, de mão a mão, do antigo
possuidor ao outro. Por vezes, porém, o tipo de objeto, pelo seu volume ou
fixação, não comporta deslocamento. Justamente por isso, existem três formas de
tradição: real, simbólica e ficta:
a)
Tradição Real
É a espécie que se caracteriza pela
efetiva entrega material da coisa. Para tanto, exige-se a presença dos
seguintes requisitos:
è
Entrega
material da coisa (corpus)
è
Intenção
das partes em efetuar essa tradição
è
Justa
causa, assim entendida como a presença de um negócio jurídico que fundamente a
tradição.
b)
Tradição
Simbólica
Como o nome sugere, esta modalidade de
tradição é caracterizada por um ato representativo da transmissão da posse.
Isto é, um ato que traduz a alienação. Cite-se o exemplo da entrega das chaves
de um apartamento. Apesar de não ter ocorrido a transmissão material do bem, o
ato simbólico representa pelo menos a intenção de transmiti-lo, e daí que o
novo possuidor está autorizado a exercer os poderes de fato sobre o bem.
c)
Tradição Ficta
Esta modalidade de tradição opera-se de
duas formas: pelo constituto possessório (cláusula constituti) e pela traditio
brevi manu. Como veremos, as duas formas retratam situações em que o
possuidor mantém o contato físico com a coisa, alterando-se, no entanto, o
elemento subjetivo, ou seja, o ânimo de possuidor. Além disso, tais cláusulas também servem para evitar a realização
de atos desnecessários de devolução e entrega da coisa.
Partindo para a ilustração, pensemos no
exemplo de um locatário que reuniu condições para comprar o imóvel do locador.
Caso a venda venha mesmo a se concretizar, não haveria motivos para o locatário
devolver o imóvel ao proprietário, para depois receber a posse direta da coisa
pela tradição real.
Neste caso, por uma simples cláusula
inserida no contrato de compra e venda, o locatário, que tinha a posse direta
do bem, adquire a posse plena, pois ocorre apenas a transmissão da posse indireta,
que estava com o locador. Ademais, o locatário, agora proprietário do bem,
passa a ter a posse plena e com animus
domini.
Já a cláusula constituti retrata situação inversa, como a de um proprietário de
um bem imóvel que exerce a posse plena sobre o bem. Imagine que este
proprietário passe por dificuldades financeiras e que, em razão disso, tenha de
vender esse imóvel para pagar umas contas. Ainda neste exemplo, suponha que o
comprador locou o mesmo imóvel para o vendedor, em condições mais favoráveis.
Em tal situação, o vendedor, que era o
antigo dono e agora o locatário do imóvel, não precisa entregar o bem ao
proprietário para depois receber novamente a posse.
Essa dinâmica é simplificada pelo
constituto possessório, que se opera com a inserção da cláusula constituti no contrato de compra e venda.
Por esta disposição, o agora locatário do bem, que tinha a posse plena, passa a
ter somente a posse direta, eis que a posse indireta é transmitida para o
comprador e agora proprietário do bem.
Em suma, enquanto a traditio brevi manu põe fim ao desdobramento da posse, unificando a
posse direta e indireta com proprietário/adquirente, o constituto possessório viabiliza
o inverso, pois a posse indireta é transmitida ao adquirente do bem, surgindo,
com isso, as posses paralelas.
Ademais, distingue-se das outras a
chamada traditio longa manu que, para
Arnold Wald, “consiste no ato pelo qual o tradens
(que faz a tradição) leva o accipiens
(que recebe a posse do objeto transferido) a um lugar normalmente elevado
para lhe indicar a área de terra que lhe esta entregando, como uma fazenda, por
exemplo.”
11.2.2. Sucessão na Posse (art. 1.206 e 1.207)
A sucessão é outra modalidade de
aquisição da posse prevista no Código Civil, no art. 1.206 e 1.207. Para o
direito, a sucessão tem o significado de transmissão de uma dada situação
jurídica para um novo titular, por ato inter
vivos (contrato) ou causa mortis (sucessão
hereditária ou testamentária), de forma gratuita (doação) ou onerosa (compra e
venda), a título universal ou a título singular.
a)
Sucessão Causa
Mortis
Com relação à sucessão causa mortis, ela será a título
universal quando o herdeiro é chamado à sucessão pela totalidade, fração ou por
um percentual sobre a herança, o que pode ocorrer tanto na sucessão hereditária
como na testamentária.
Ao contrário, será a título singular,
quando o testador “deixar ao beneficiário um bem certo ou determinado,
denominado legado, como um veículo ou um terreno, por exemplo.”
Neste sentido, pode-se dizer que a
sucessão legítima é sempre a título universal, eis que cada herdeiro é chamado
à sucessão para receber certo quinhão hereditário, ao passo em que a sucessão
testamentária pode ser tanto a título singular como a título universal, a
depender da vontade do testador.
Tal distinção é relevante para o tema da
posse, em razão do disposto nos artigos 1.206 e 1.207 do Código Civil:
Art. 1.206. A posse transmite-se aos herdeiros ou
legatários do possuidor com os mesmos caracteres.
Art. 1.207. O sucessor universal continua de direito a
posse do seu antecessor; e ao sucessor singular é facultado unir sua posse à do
antecessor, para os efeitos legais.
Como
se vê, a legislação dispensa a necessidade de contato físico ou outro poder
sobre os bens transmitidos. Isso
porque a transmissão é automática, decorrência do princípio da saisine, “segundo o qual os herdeiros
entram na posse da herança no instante do falecimento do de cujos.”
Dessa forma, como o sucessor a título
universal continua de direito a posse do seu antecessor, todas as
características da posse lhe são transferidas. Assim, “se a posse daquele era viciada ou de má-fé, a posse do sucessor é
viciada e de má-fé.”
Já na sucessão a título singular, caso
do legatário, este tem, na opinião de Carlos Roberto Gonçalves, a faculdade de
unir sua posse à do antecessor. Em termos mais claros, o legatário pode optar
pela não transmissão da posse e permanecer coma a sua. Diante disso, afirma-se
que na sucessão universal opera-se a sucessio
possessionis (a posse continua de direito), ao passo que na sucessão
singular ocorre a acessio possessionis (acessão
de posse, uma se une à outra).
Entretanto, fazendo uma comparação entre
os artigos 1.206 e 1.207, fica a dúvida se o legatário pode unir sua posse à do
antecessor, como previsto no artigo 1.207, ou se recebe a posse com os mesmos
caracteres, como dispõe o artigo 1.206.
A interpretação literal leva alguns
autores a dizer que a regra da parte final do artigo 1.207 só se aplica à
sucessão inter vivos a título
singular, como na compra e venda, doação, dação e pagamento etc. Com esta
posição está o autor Serpa Lopes.
Por outro lado, Washington de Barros
Monteiro e Orlando Gomes defendem que a acessio
possessionis não é obrigatória, pois a sucessão a título singular é aquela
em que o sucessor substitui o antecessor em direitos ou coisas determinadas,
não importando que a sucessão seja inter
vivos ou causa mortis.
b)
Sucessão Inter
Vivos
A sucessão inter vivos geralmente é a título singular, pois o sucessor
substitui o antecessor em direitos ou coisas determinadas, como acontece na
compra e venda. Assim, como se depreende do artigo 1.207, a acessio possessionis não é obrigatória,
mas sim facultativa, pois o novo possuidor “pode” unir a sua posse com a
anterior.
E, como anota Carlos Roberto Gonçalves,
“se fizer uso da faculdade legal, sua
posse permanecerá eivada dos mesmos vícios da anterior.”
O mencionado autor também apresenta
implicações práticas da acessão de posse na sucessão a título singular, como
ocorre na usucapião, vejamos:
Se preferir
desligar sua posse da do antecessor, estará purgando-a dos vícios que a
maculavam, iniciando, com a nova posse, prazo para a usucapião.
A usucapião
extraordinária, de prazo mais longo, dispensa a boa fé (CC, art. 1.238). Pode o
comprador utilizar, portanto, o período de posse de má-fé de seu antecessor,
para que se consume, em menor prazo, tal espécie de prescrição aquisitiva. Se
não houver a junção das posses, a atual ficará expurgada do vício originário,
mas o prazo para usucapião terá de ser maior, pela inutilização de tempo
vencido pelo antecessor. O expediente poderá ser utilizado para a usucapião
ordinária, que exige posse de boa-fé (CC, art. 1.242).
Noutro giro, a sucessão inter vivos também pode ser a título
universal, como ocorre, ilustrativamente, na hipótese da venda do
estabelecimento empresarial.
11.3.
Quem pode
Adquirir a Posse
Podem assumir a condição de possuidor as
pessoas naturais, as jurídicas, assim como os demais entes coletivos
desprovidos de personalidade jurídica, como a massa falida, o espólio, a
sociedade de fato e o condomínio. Essa
conclusão foi extraída nas jornadas de direito civil, ocasião em que se aprovou
o enunciado 236.
Não se exige capacidade civil, aquela
capacidade específica para celebrar atos jurídicos, para a aquisição da posse,
pois a pessoa incapaz também pode adquirir posse, como no exemplo do menino que
tem a posse do peixe que pesca, ou da criança que tem a posse de seus
brinquedos.
Basta, no dizer de Moreira Alves, a
intenção de possuir e a consciência dos atos que praticam.
Quanto à situação do nascituro, eu diria que ele não pode adquirir posse, já
que não tem condições de exprimir essa intenção e consciência. Outros também
negam a qualidade de possuidor ao nascituro, não por isso que falei, mas por
não reconhecerem o nascituro como sujeito de direitos (pessoa), adeptos que são
da teoria natalista.
O Código Civil reserva um dispositivo
específico para tratar do assunto, que é o artigo 1.205.
A dogmática é simples. A posse pode ser adquirida pessoalmente ou por meio de
representação voluntária ou legal. Advirta-se, no entanto, que nem sempre se
exige a outorga de procuração para a constituição da representação voluntária
(contrato de mandato).
Como bem lembra Caio Mario da Silva
Pereira, “Assim é que o jardineiro que vai buscar as plantas, ou a doméstica
que recebe a caixa de vinho adquirem a posse alieno domini, para o patrão em nome deste, embora dele não sejam
mandatários.” Em suma, os chamados gestores da posse (art. 1.908) exercem a
posse em nome de terceiro, por isso são representantes daquele que efetivamente
adquire a posse, independentemente de procuração.
Diferente é a situação cogitada pelo
inciso II, do artigo 1.205 (terceiro que adquire a posse em nome de outrem).
Neste caso, como o terceiro atua como gestor de negócios e não na condição de
procurador (art. 861 e ss.), dependerá de ratificação. Para ilustrar,
suponha...
o exemplo de
alguém que cerca uma área e coloca lá um procurador, mas este não só cultiva,
em nome do mandante, a área cercada, senão uma outra circunvizinha. O capataz,
nesse caso, não é mandatário para o cultivo da segunda área, “mas a aquisição
da posse desta pelo titular daquela pode efetivar-se pela ratificação, expressa
ou tácita.
Por fim, ainda cabe menção ao artigo 1.209
que estabelece que “a posse do imóvel faz
presumir, até prova contrária, a das coisas móveis que nele estiverem.”
A regra é desdobramento do princípio da
gravitação jurídica, dispondo que o acessório (posse dos bens móveis que
guarnecem o imóvel) segue a sorte do principal (posse do imóvel). No mais, ao
admitir prova em contrário, o artigo trata de presunção relativa ou juris tantum, que, portanto, pode ser
afastada.
11.4.
Perda da Posse
As hipóteses de perda também podem ser
resumidas numa formulação genérica e simples: perde-se a posse sempre que a
pessoa, mesmo contra a sua vontade, deixa de exercer os poderes inerentes ao
domínio. É o que prescreve o artigo 1.223 do Código Civil:
Art. 1.223.
Perde-se a posse quando cessa, embora contra a vontade do possuidor, o poder
sobre o bem, ao qual se refere o art. 1.196.
As situações abaixo descritas servem
apenas para ilustrar o comando legal. Vejamo-las:
11.4.1. Abandono (derelictio)
É o ato de renúncia à posse, pelo qual o
antigo possuidor revela sua intenção de se despojar da coisa. Segundo Carlos
Roberto Gonçalves, a perda definitiva só ocorre no momento em que um terceiro
apreende a res derelictae.
11.4.2. Tradição (traditio)
Configura hipótese de perda por
transferência, decorrente da intenção de transmiti-la a terceiros. Assim,
enquanto no abandono a renúncia é unilateral, a tradição pressupõe o acordo de
vontades entre o antigo e o novo possuidor.
Nem sempre a tradição implicará na perda
da posse. Basta lembrar do constituto possessório, pelo qual o proprietário,
possuidor pleno, aliena o bem a terceiro, mas reserva para si a posse direta.
No caso, o adquirente recebe a posse indireta, de forma que não se pode dizer
que houve perda, mas apenas inversão do animus
domini para detenção pro alieno.
11.4.3. Perda Propriamente Dita da Coisa
Trata-se da perda da coisa ocorrida em
virtude de seu desaparecimento, como se dá no extravio de um relógio ou fuga de
um animal. Nestes casos, possuidor se vê privado da posse sem querer.
Em relação ao extravio, a perda somente
ocorre se verificada a impossibilidade de reencontrar o bem. Assim, não há
perda da posse, na acepção jurídica do termo, se perco um relógio dentro de
casa, mas a situação se altera se o extravio acontece na rua.
11.4.4. Outras hipóteses de Perda da Posse
Além das hipóteses já mencionadas, os
autores ainda apontam outros exemplos de perda da posse, a saber: a) pela
destruição ou perecimento; b) pelo desapossamento violento, clandestino ou
precário por ato de terceiro.
12.
Objeto
Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald
afirmam que nem todos os bens podem ser objeto de posse. Neste sentido, apenas
os bens corpóreos, de
existência concreta ou ao menos perceptíveis pelos nossos sentidos, admitem-na. Nas palavras dos mencionados
autores:
De acordo com a
doutrina e a jurisprudência dominantes, podem ser objeto da posse as coisas
corpóreas, que podem ser visualizadas e tocadas. A posse apenas alcança os bens
que tenham materialidade, pois apenas sobre eles é possível exteriorizar um
poder fático. [...]
Apesar das
tentativas de Rui Barbosa em ampliar o raio de ação dos interditos
possessórios, a ponto, mesmo, de pretender-se a adoção desses remédios para
reintegrar ou manutenir servidores públicos em seus cargos, em virtude de
demissões ilegais, prevaleceu a tese de Clóvis Bevilaqua (legada pelo Direito
Romano), no sentido de restringir-se o objeto da posse e sua proteção ao relevo
das coisas – bens tangíveis e corpóreos. Ademais, a defesa clássica que se
compadece quanto aos atos ilegais e arbitrários da administração que atingem diretamente
a liberdade e a integridade da pessoa é a impetração do mandado de segurança, habeas corpus ou outro remédio
constitucional adequado.
Em reforço à sua concepção mais estrita
do objeto de posse, Chaves e Rosenvald argumentam que o Código Civil atual já
não faz menção à posse sobre direitos, como fazia o código revogado (artigos
488 e 490). Sendo assim, para esses autores, a posse é exercida sobre coisas,
bens dotados de materialidade, mas não sobre bens imateriais ou intangíveis,
como os direitos autorais, as invenções e softwares, que são “abstrações
concebidas pela inteligência humana.”
Em resumo, de acordo com esta concepção,
o Código Civil exclui da incidência dos interditos possessórios “todo exercício
de direito que não implique poder de fato sobre a coisa.”
Admitem posse, portanto, coisas corpóreas ou aqueles que
podem ser captadas pelos nossos sentidos, como energia elétrica, gás, vapor,
também chamados de bens
semi-corpóreos.
Ressalta-se que os bens públicos
dominicais, por estarem desafetados também admitem posse. Neste sentido,
recente decisão proferida por Juiz de Direito, em Minas Gerais, reconheceu a
propriedade de área pública a moradores que se instalaram no local há cerca de
30 anos. A decisão foi proferida nos autos do processo nº 195.10.011238-3.
A notícia já circula pelos meios de
comunicação. Nas redes sociais, a matéria foi divulgada da seguinte forma:
SENTENÇA
DE MG RECONHECE USUCAPIÃO DE BEM PÚBLICO.
Em uma decisão inédita na região e pouco comum no país
(processo nº 194.10.011238-3), o juiz titular da Vara da Fazenda Pública de
Coronel Fabriciano, Marcelo Pereira da Silva, indeferiu o pedido do
Departamento de Estradas de Rodagem de Minas Gerais (DER-MG), que solicitava a
desocupação de uma área pública estadual de 36 mil metros quadrados, no Km 280 da BR-381, próximo ao trevo de Antônio Dias,
onde residem cerca de dez famílias, formadas, em sua maioria, por servidores e
ex-servidores do próprio DER-MG, instalados no local desde a construção da
rodovia, há cerca de 30 anos.
De acordo com o parágrafo 3º do artigo 183 e o
parágrafo único do artigo 191, ambos da Constituição Federal, além do artigo
102 do Código Civil, imóveis públicos não podem ser adquiridos por usucapião
(quando uma propriedade é adquirida pela posse ininterrupta e prolongada,
verificando-se continuidade e tranquilidade). Além de conceder ganho de causa
em 1ª Instância aos moradores, o magistrado declarou o domínio das famílias
sobre a área ocupada. “Nossa defesa foi fundamentada no sentido de que a absoluta
impossibilidade de usucapião sobre bens públicos é equivocada, justamente por
ofender o princípio constitucional da função social da posse”, justificou o
advogado dos moradores da propriedade, Leonardo Bezigiter Sena.
Ao todo, cerca de 120 pessoas residem na área
pública do Estado, localizada no município de Antônio Dias. O Departamento de
Estradas de Rodagem de Minas Gerais tem até o dia 15 de outubro para recorrer
ao Tribunal de Justiça do Estado, em Belo Horizonte.
Pedido
alternativo
Antes da sentença, Leonardo Bezigiter Sena revelou
ter solicitado a realização de uma perícia no local, para que houvesse a
avaliação dos bens das famílias que residem na área próxima ao trevo de Antônio
Dias. “Tratou-se de um pedido alternativo que fizemos.
Caso a Justiça não autorizasse a aquisição da
propriedade pelo instituto da usucapião, nossa solicitação seria de que o
DER-MG indenizasse os moradores, em razão de suas benfeitorias na propriedade
em questão, executadas durante cerca de três décadas de posse mansa e
pacífica”, explicou o advogado, ao informar que os bens das famílias que
residem na área estadual foram avaliados em aproximadamente R$ 430 mil.
Parecer do MP
Por meio de parecer do promotor de Justiça, Aníbal
Tamaoki, curador do Patrimônio Público da Comarca de Coronel Fabriciano (onde
está inserido o município de Antônio Dias), o Ministério Público também opinou
pela improcedência do pedido do DER-MG, sendo favorável à declaração do domínio
da área ocupada por parte de seus moradores.
“Não se pode permitir num país como o Brasil, em
que, infelizmente, milhões de pessoas ainda vivem à margem da sociedade, que o
Estado, por desídia ou omissão, possa manter-se proprietário de bens
desafetados e sem qualquer perspectiva de utilização para o interesse público,
se desobrigando ao cumprimento da função social da propriedade”, afirma o
parecer emitido pelo MP. Fonte: JusBrasil
Por outro lado, não podem ser objeto de
posse:
è
Bens
imateriais e direitos de qualquer natureza;
è
Bens
fora do comércio, insuscetíveis de apropriação, como os bens públicos de uso
comum do povo e os bens públicos especiais.
Disso resultam duas consequências
primordiais:
a)
Os
bens incorpóreos não admitem
interditos possessórios;
(Inadmissibilidade
dos interditos possessórios para bens incorpóreos)
Como exemplo, lembre-se do direito
autoral, tutelado pela Lei 9.610/97. Inclusive, o direito autoral, sobre o qual
recai o direito real de propriedade, é considerado um bem móvel para efeitos
legais (art. 3º). Apesar disso, o direito autoral é, na essência, um bem
imaterial, de existência abstrata ou ideal.
Diante disso, o Superior Tribunal de
Justiça editou a Súmula 228
que tem a seguinte redação:
É inadmissível o interdito proibitório para a
proteção do direito autoral.
Mas então como o titular do direito
violado poderia se defender? Por meio de ação indenizatória ou tutela
específica, dependendo do caso. Uma coisa é certa: Não se pode defender direito
autoral por meio do interdito possessório.
Aliás, a própria legislação já apresenta
um conjunto de meios de defesa para o ataque aos titulares, como previsto na
Lei 9.610, que trata dos direitos autorais, na Lei 9.609/90 (Lei do Software) e
Lei 9.279/96, que dispõe sobre os bens que compõem a propriedade industrial
(marcas, invenções, modelos de utilidade, desenhos industriais etc).
b)
Os
bens incorpóreos não admitem usucapião
Já
que um dos requisitos da usucapião é a posse.
EXCEÇÃO – S. 193
DO STJ
Usucapião
de linha telefônica.
Hoje
a súmula é praticamente impraticável. Quem vai querer usucapir linha
telefônica?
O direito de uso
de linha telefônica pode ser adquirido por usucapião.
Posição diversa é adotada por César
Fiuza. Para este autor, qualquer bem pode ser possuído, desde que suscetíveis
de poder externo, característico da propriedade. Dessa forma, Fiuza afirma que
não são suscetíveis de posse os direitos de crédito, bem como aqueles que não
sejam essencialmente reais. (direitos pessoais)
No entanto, os direitos reais, segundo
Fiúza, seriam suscetíveis de posse. Basta imaginar uma servidão aparente, pela
qual se exerce o direito de passar fios elétricos pelo terreno vizinho. O
Direito é imaterial/incorpóreo, mas é passível de controle externo. O uso e
gozo desse direito é visível e daí caracteriza situação de posse, podendo ser
protegida pelos interditos.
Este também é o entendimento de Caio
Mario para o qual “ [...] podem ser objeto da
proteção possessória, na verdade, tanto as coisas corpóreas quanto os bens
incorpóreos ou os direitos, mas, sendo a posse a visibilidade do domínio,
os direitos suscetíveis de posse hão de ser aqueles sobre os quais é possível
exercer um poder ou um atributo dominial, como se dá com a enfiteuse, as
servidões, o penhor. Não os outros, que deverão procurar medidas judiciais
adequadas à sua proteção. À posse dos direitos dá-se o nome de quase
posse, como se dizia em Direito Romano – iuris quasi possessio –, exempli
gratia quase posse de uma servidão.”
13.
Proteção
Possessória
Essa proteção se subdivide em tutela
jurídica penal e tutela jurídica civil.
13.1.
Tutela Penal da
Posse (legítima defesa da posse)
Está contemplada no art. 1.210, §1º
do CC, ao que se deu o nome de desforço in
continenti ou desforço imediato. É a possibilidade de defesa da posse com
mãos próprias. O possuidor pode defender a coisa de mãos próprias. Essa possibilidade é reconhecida tanto ao
possuidor direto como ao indireto.
Segundo Flávio Tartuce, “a legítima defesa da
posse e o desforço imediato constituem formas de autotutela, autodefesa ou de defesa direta,
independentemente de ação judicial, cabíveis
ao possuidor direto ou indireto contra as agressões de terceiro. Nos casos
de ameaça e turbação, em que o atentado à posse não foi definitivo, cabe a
legítima defesa. Havendo esbulho, a medida cabível é o desforço imediato, visando
à retomada do bem esbulhado.”
Assim, a legítima defesa da posse exige:
è
Atualidade
ou iminência
è
Agressão
prévia
è
Moderação
do uso dos meios necessários para a repulsa
A falta de moderação no uso dos meios
implica excesso na legítima defesa da posse. Nesses casos, se o possuidor se
exceder – ultrapassa os limites – fica caracterizado o excesso culposo e
caracteriza responsabilidade civil.
A pergunta é: Que tipo de responsabilidade
tem o possuidor? E o porquê?
A responsabilidade é objetiva, porque
caracteriza abuso do direito do artigo 187 do Código Civil. E, na forma do en.
37 da Jornada, o abuso do direito gera responsabilidade objetiva. Por isso, a
responsabilidade do possuidor por excesso culposo é objetiva.
13.2.
Proteção Civil
da Posse (Interditos Possessórios)
A proteção civil da posse se realiza por
meio dos interditos possessórios ou ações possessórias.
E são três: reintegração, manutenção de posse e interdito proibitório.
13.2.1. Espécies
a) Ação de Manutenção de Posse (interdito retinendae possessionis)
A manutenção de posse (interdito retinendae possessionis) é
para o caso de turbação. E a turbação é a perturbação ou embaraço no uso da
coisa. De acordo com o mestre Caio Mario, O
possuidor, sofrendo embaraço
no exercício de sua condição, mas sem
perdê-la, postula ao juiz que lhe expeça mandado de manutenção, provando a existência da posse, e a
moléstia. Não se vai discutir a qualidade do direito do turbador, nem a
natureza ou profundidade do dano, porém o fato em si, perturbador da posse. Por
isso é que o interdito retinendae, tais sejam as circunstâncias, pode
ser concedido contra o malfeitor, contra o que se supõe fundado em direito, e
até mesmo contra o proprietário da coisa.
Esta circunstância é aparentemente estranha, pois que pode
chegar ao extremo de defender o salteador ou o ladrão contra o verdadeiro dono.
Mas é a consequência inevitável da proteção à posse: se em cada caso se fosse
apurar o domínio, a pretexto de tutelar a sua exteriorização, seria um nunca
ter fim, e a diabolica probatio repetir-se-ia em todos os conflitos,
nulificando a defesa da posse mesma.
Ainda para o mestre das alterosas, o
interdito pode ser concedido contra qualquer tipo de moléstia, que podem ser de
fato (embaraço. Atentado fracionado) ou de direito (anúncio de venda da coisa
possuída)
b) Ação de Reintegração de Posse (interdito recuperandae possessionis)
A reintegração é para o caso de esbulho,
que constitui ato de privação da coisa. Lembre-se que a agressão, segundo a
jurisprudência do STJ, é caracterizada por violência física, como também por descumprimento
contratual. Exemplificando, no contrato de comodato, pode ocorrer o
esbulho quando o comodatário, apesar de notificado, não restituiu a coisa.
c) Interdito Proibitório
Por fim, o interdito proibitório é
cabível no caso de simples ameaça. É “a defesa preventiva
da posse, ante a ameaça de turbação ou esbulho. Consiste em armar o possuidor
de mandado judicial, que a resguarde da moléstia iminente.”
13.2.2. Fungibilidade
/ Conversibilidade
Pois bem. Cada uma tem sua finalidade,
mas tem aplicação a chamada fungibilidade processual. Isso significa que (art.
920 do CPC) a propositura equivocada de um interdito possessório não compromete
a proteção.
Além disso, a fungibilidade também
autoriza que, se na propositura da ação havia mera ameaça, ensejando o
ajuizamento do interdito proibitório, mas no curso da ação a ameaça se converta
em turbação ou esbulho, permite que o juiz conceda o mandado adequado quando a
situação fática se alterou durante o procedimento.
Assim, têm-se o realce das três medidas
possessórias. E atenção: não existem no Brasil outras ações possessórias!!
13.2.3. Outras ações que tem como objeto a posse.
Agora, não se pode esquecer que outras
ações podem até ter como objeto a
posse, mas não serão tratadas como possessórias. Alguns exemplos:
è
Imissão
na posse
è
Dano
infecto
è
Nunciação
de obra nova
è
Embargos
de terceiro
Alguns autores, como Maria Helena Diniz,
elencam tais ações como se fossem possessórias. No entanto, essas 4 ações não
são possessórias!
a)
Ação de Imissão
na Posse (interdito adipiscendae
possessionis)
Para Cristiano Chaves
e Silvio de Salvo Venosa,
a ação de imissão na posse não tem natureza possessória, porque lhe falta o
requisito fundamental: a própria posse! Para este autor, a ação de imissão na
posse é uma ação pela qual se
pretende obter a posse. Logo, se é a ação pela qual se pretende obter a
posse – falta a posse!
Com efeito, se não é possessória, não tem
procedimento especial e nem medida liminar. Pode até ter tutela antecipada,
porque tem procedimento comum ordinário (art. 273).
Por outro lado, Caio Mario afirma que a
ação de imissão na posse é aquela pela qual, em certos casos, o que tem direito
à posse adquire-a contra o detentor.
A questão da natureza possessória é mais
profunda do que parece. Savigny e Jhering, por exemplo, discordaram sobre o
assunto. Segundo Caio Mario, “enquanto Savigny lhe
negava a natureza possessória, Ihering sustentava-a, qualificando a opinião de
Savigny como errônea.”
Caio Mario, ao contrário de Cristiano
Chaves, segue o entendimento de Jhering e afirma que o direito brasileiro prevê
a ação de imissão da posse como ação possessória, pois que assim a tratou e regulou o direito positivo (Código de Processo
Civil, de 1939, art. 381).
Quanto ao histórico do instituto, Caio
Mario adverte que a imissão na posse, em termos de execução de sentença, sempre
teve livre curso entre nós. Mas como ação autônoma, se fez presente nos Códigos
de Processo de Minas, da Bahia e do Distrito Federal.
No âmbito da legislação ordinária
federal, o instituto foi previsto, pela primeira vez, no Código de Processo
Civil de 1939, no artigo 381.
As hipóteses de cabimento da imissão na
posse eram restritas. A ação era admitida nos seguintes casos:
1. Para haver a posse dos bens adquiridos, contra o próprio
alienante ou contra terceiro que os conserve, sem fundamento em um título
jurídico.
2. Para compelir os antigos administradores de pessoas
jurídicas de direito privado a entregar aos atuais e demais representantes,
bens pertencentes à entidade administrada.
3. Para permitir que o procurador receba de seu antecessor
os bens do mandante.
Em arremate, Caio Mario adverte que “a reforma processual de 1973 não cogitou da imissão de posse como ação.
Mas não se eliminou na execução de sentença para entrega da coisa certa.”
Silvio Venosa esclarece que, na
sistemática do Código de 1939, o pedido devia se fundar no domínio. Assim,
cuidava-se mesmo de juízo petitório.
Ainda sobre a imissão da posse,
colacionam-se alguns julgados que sintetizam o que foi exposto sobre o tema.
Confira-se:
- A chamada ação de imissão de posse não é, como se supõe, um dos
remédios possessórios também chamados interditos: interdito de
recuperação ou reintegração, interdito de manutenção e interdito proibitório - todos destinados à proteção da posse, que realmente os autores nunca tiveram.
A ação de imissão de posse, embora classificada entre as chamadas ações
petitórias, tem natureza possessória, evidentemente não no sentido da ação que
visa a proteção da posse, que os autores
não têm, mas a aquisição da posse, que eles reclamam. Ela se destina à proteção de que, sem ter a posse, tem, todavia o
direito a ela. o chamado juris
possidendi. A denominada ação petitória, em
cuja classe se inclui a ação de imissão de posse, tem por finalidade obter o reconhecimento definitivo do direito em
litígio. Em geral, mas não necessariamente, mira a defesa do domínio. Com
tal finalidade, ela está colocada do lado oposto à ação possessória, que encontra seu
fundamento apenas na defesa da posse. Ensinam os mestres que o verdadeiro
critério jurídico para distinguir as duas espécies de ação está no apurar se a demanda se funda apenas na
posse como estado de fato, ou se tem por fundamento a ofensa do direito: no
primeiro caso, o juízo é possessório, no segundo petitório. Ao tempo do Código
de Processo Civil de 1939, o legislador criou uma ação especial que denominou
de ação de imissão de posse, mas com alcance bastante limitado, pois só
exercitável por adquirentes de bens contra os alienantes ou terceiros, que. em
nome destes. detivessem a posse, ação que era de caráter nitidamente dominial,
pois a inicial deveria vir instruída com o título de domínio. O legislador de
1939 partiu do pressuposto de que só o dominas tem o direito de possuir,
direito de imitir-se na posse de bem objeto da alienação, e restringiu a ação
em favor dos adquirentes de bens contra os alienantes ou terceiros que em nome
daqueles os detivessem. Ocorre que o direito de possuir, o denominado jus possidendi, não é privativo
do dono. Tem-no aquele que o adquire por via de um contrato, como por exemplo o
promitente comprador. E porque assim é, e porque imissão na posse não é
instituto de direito processual, é
que o legislador de 1973 eliminou do rol das chamadas ações especiais a ação de
imissão dc posse. Quem tiver o direito de imitir-se na posse de um bem
porque tem direito à posse o estatuto processual lhe assegura o processo comum.
(Ap. 2.009-89, 18.12.89, 1ª CC TJRJ. Rel. Des. RENATO MANESCHY. ia ADV .JUR.
1990. p. 159, v. 48287).
- Ação de procedimento comum. Concessão de
liminar se houver cumulação do pedido de imissão de posse com o de medida
cautelar baseado na ampla cláusula de poder geral de cautela do Juiz, prevista
no Art. 798 do CPC e desde que reunidos os pressupostos para sua
antecipação. (AI 59.941-2, 26.10.83, 14ª CC TJSP, Rel. Des. KAZUO WATANABE. in JTJ 87-260).
- Reintegração de posse. Ação ajuizada por
adquirente de imóvel contra terceiros. Transformação era imissão de posse.
Admissibilidade. (Ap. 339.266, 26.6.85, 3ª C TACSP, Rel. Juiz LUCIANO LEITE, in JTA 98-142).
É interessante observar que, não
obstante a falta de previsão da ação em análise no código de processo civil
vigente, continua em pleno vigor a ação de imissão na posse específica para
quem adquiriu o imóvel hipotecado em leilão, previsto no Decreto-Lei 70/66, conforme demonstra o precedente
abaixo:
- As disposições desse Decreto-lei (70-66.
artigo 37, §§ 2º e 3º). pertinentes à imissão na posse de quem adquiriu o
imóvel hipotecado em leilão, não foram revogadas pelo vigente Código de
Processo Civil. (REsp. 6.976, 12.3.91, 3ª T STJ, Rel. Min. EDUARDO RIBEIRO, in JSTJ 7-24).
b)
Dano Infecto
(art. 826 e ss. do CPC)
De acordo com Caio Mario, “é medida preventiva
como o interdito proibitório, e dá-se
quando o possuidor tenha fundado receio de que a ruína de prédio vizinho ao
seu, ou vício na sua construção, possa vir a causar-lhe prejuízo.
Precavendo-se, o autor obtém que a sentença comine ao réu a prestação de caução
que o assegure contra o dano futuro – cautio damni infecti.”
Portanto, a ação se destina à proteção
do bem possuído de dano potencial.
Cristiano Chaves reforça seu
entendimento de que a ação de dano infecto também não é possessória. Para ela,
esta ação é cominatória, porque através dela o autor pretende que o juiz fixe uma multa para que o seu
vizinho se acautele com obra nova, de modo a evitar um dano.
Exemplo: o meu vizinho está realizando
construção e eu sei que ela pode me causar prejuízo. O que se quer é cominar
uma sanção para evitar um dano. Logo, não se trata de ação possessória.
c)
Nunciação de
Obra Nova (934, I do CPC)
Trata-se de ação destinada a embargar
(suspender) a execução de uma obra em fase de construção, diante da violação de
normas do direito de vizinhança. Assim, “Quando a
moléstia possessória consiste em construção que levanta o vizinho, dentro de
suas próprias linhas lindeiras, o possuidor tem, para o efeito de sustar o seu
prosseguimento e desfazer o que se acha edificado, uma ação específica, mista
de possessória e cominatória, denominada nunciação ou embargo de obra
nova – operis novi nuntiatio.
Seu principal objetivo é o embargo à obra, isto é, o
obstáculo a que seja concluída, e, secundariamente, a cominação de multa para o
caso de reinício ou de reconstrução. E tem lugar, ainda que a obra não cause um
dano atual, mas permita antever resultado turbativo, se vier a completar-se.33
Para que tenha cabimento, será necessário que ocorram os
seguintes requisitos:
à que haja posse;
à que o vizinho esteja realizando uma obra dentro de seus
próprios confins, porque, se ultrapassá-los já se converte em turbação à posse,
e cabível será o interdito retinendae possessionis;
à que a obra cause moléstia à posse;
à que se trate de obra nova, isto é, em vias de construção,
descabendo o remédio se já estiver concluída. Neste último caso, o prejudicado
tem de se valer da ação demolitória, cujo objetivo é limitado ao desfazimento
de obra terminada, já que a sua conclusão é incompatível com o embargo, ou
interrupção de seu curso.
Esta modalidade de ação também não se
qualifica como ação possessória, isso porque se trata de ação que tende a
proteger direitos de vizinhança e leis municipais sobre construção. Exemplo:
vizinho quer construir além dos limites (art. 1301 e 1303) – 1,5 m na zona
urbana e 3 m na zona rural – o Poder Público pode fazer.
d)
Embargos de
Terceiro (art. 1.046 e ss do CPC)
Por último, embargos de terceiros (art.
1046 do CPC). Os E. 3º’s não podem ser ação possessória, pois seu objetivo é
desconstituir penhora indevidamente decretada pelo juiz. Trocando em miúdos, o
objetivo é atacar uma constrição judicial e não defender a posse.
Por essa ação se protege a turbação ou
esbulho de bens por atos constritivos judiciais, tais como a penhora (hipótese
mais corrediça), arresto, seqüestro, busca e apreensão etc.
Em razão de sua natureza, os embargos de
terceiro são sempre decorrentes de outro processo judicial. Além disso, os
embargos podem ser ajuizados a qualquer tempo, antes da sentença final ou, na
execução, até cinco dias após a
arrematação, adjudicação ou remissão, mas sempre antes da assinatura da
carta respectiva (art. 1.048 do CPC)
e)
Reflexões Finais
Sobre as Ações Possesórias
Por outro lado, todas estas ações podem
ser manejadas pelo possuidor, exceto a de imissão na posse – a qual é exclusiva
daquele que não tem a posse. Afora a imissão na posse, é certo que o possuidor
pode se valer de todas essas ações. Mas nem por isso se tratam de ações
possessórias, mas podem ser utilizadas pelo possuidor.
13.2.4. Ações Possessórias e o Tempo da Moléstia à Posse
a) Força Nova e Força Velha. Juízo Possessório e Juízo
Petitório
Destaca-se, ainda, sob o ponto de vista
procedimental, se a ação possessória é de FORÇA NOVA ou FORÇA VELHA. As ações
possessórias se apresentam com diferentes procedimentos. Se ela é ação
possessória de força nova ou força velha.
Para saber se é de força nova ou velha,
o critério é saber a data do esbulho ou turbação. Se o esbulho e turbação data
de mais de ano e dia, a ação é de força velha.
ESBULHO OU
TURBAÇÃO + ANO E DIA à FORÇA VELHA.
ESBULHO OU
TURBAÇÃO – ANO E DIA à FORÇA NOVA.
Neste momento, chega-se a duas
conclusões importantes:
è
1º
Força Nova e Velha não se confundem com Posse Nova e Posse Velha.
Posse
nova é a que tem menos de ano e dia e velha mais de ano e dia.
Relembrando
que a posse violenta ou clandestina convalescem com mais de ano e dia. Assim, a
posse passa de injusta para justa.
Assim posse nova e velha é a data da
posse. E força nova e força velha é a data da turbação ou esbulho
è
2º
Esses conceitos somente servem para a ação de reintegração e de manutenção de
posse.
O interdito proibitório, que se baseia
na ameaça, é sempre de força nova. Porque a ameaça sempre se renova (como
assim?) Consequências:
Ação
Possessória de Força Nova à procedimento
especial.
Ação
Possessória de Força Velha à procedimento
comum ordinário.
Ou seja: no procedimento especial o juiz
se baseia em juízo de cognição estrita (juízo somente possessório); Já no
procedimento comum ordinário a cognição é ampla (juízo petitório)
Com efeito, no procedimento especial
admite-se a liminar, mas não no procedimento ordinário.
Força
Nova à procedimento
especial à juízo
possessório à liminar à não se admite discussão de
propriedade.
Força
Nova à procedimento
comum à Juízo petitório
à sem liminar à admite discussão da propriedade
No procedimento comum ordinário a
cognição é ampla, mas aqui surge um problema. Isso porque, no procedimento
ordinário, cabe a concessão de tutela antecipada. A maioria dos autores,
civilistas e processualistas, admitem a concessão de liminar.
Para Cristiano Chaves, porém, não tem cabimento porque isso retira a eficácia
do juízo possessório.
A admissão implica na retirada, por via transversa,
da ação possessórias
Por outro lado, a corrente majoritária
sustenta que os requisitos da tutela antecipada são muito mais profundos
daqueles previstos no art. 927 do CPC.
b) E os Requisitos para a concessão da
liminar são (art. 927):
è
A
posse anterior
è
O
esbulho e turbação e
è
A
data do esbulho ou turbação
A possibilidade de concessão de liminar
inaudita altera parte (sem ouvir a outra parte) nas ações possessórias
diretas está prevista no art. 928 do CPC, cuja redação é a seguinte: “Estando a
petição inicial devidamente instruída, o juiz deferirá, sem ouvir o réu, a
expedição do mandado liminar de manutenção ou de reintegração; no caso contrário,
determinará que o autor justifique previamente o alegado, citando-se o réu para
comparecer à audiência que for designada”. A audiência mencionada é a notória audiência de justificação, tão
comum nas ações possessórias. Com relação a essa audiência, dispõe o art. 929
do CPC que, julgando procedente a justificação, o juiz fará logo expedir
mandado de manutenção ou de reintegração de posse.
Provados os requisitos, os juiz pode
conceder a liminar. Repare que os requisitos são muitos mais tênues. Inclusive,
não esquecer que o p. único do 927
proíbe a concessão de liminar em face do Poder Público sem sua prévia
audiência.
13.2.5. Características Processuais das Ações
Possessórias de Procedimento Especial
a)
Natureza dúplice
(art. 922 do CPC)
Ter essa natureza significa que o Réu,
na ação possessória, pode, na própria contestação, formular pedido contra o
próprio Autor. Pedido de proteção possessória e indenização pelos prejuízos.
Independe de reconvenção.
b)
Cumulabilidade
de Pedidos (art. 921 do CPC)
A cumulabilidade de pedidos vem prevista
expressamente no art. 921. Esse art. 921 permite ao autor da possessória
cumular ao pedido de proteção (reintegração/manutenção ou interdito) três
outros pedidos:
1
– Perdas e danos;
2
– Desfazimento de Construção ou Plantação
3
– Cominação de sanção (multa) para o caso de novo esbulho ou turbação
Mas se o autor pretende cumular algum
outro pedido, ele poderia fazê-lo? Rescisão contratual, por exemplo, pode?
Não, porque se trata de um procedimento
especial. Fazendo essa cumulação, o autor cai no procedimento ordinário. A
formulação, portanto, de qualquer outro pedido implica na alteração de
procedimento.
A justificativa para essa afirmação está no artigo 292 do CPC que
estabelece a necessidade de compatibilidade de procedimentos como um dos
requisitos para a cumulação de pedidos.
OBS: O art. 921, como visto, permite a
cumulação de três outros pedidos. Na sequência, o art. 922 permite ao réu
formular pedido contraposto ao do autor. Ora, o objeto cognitivo da ação
possessória pode ter até quatro temas, são eles:
è
Proteção
possessória
è
Perdas
e Danos
è
Desfazimento
de Construção ou Plantação
è
Cominação
de sanção para o caso de novo esbulho ou turbação.
Retomando o raciocínio, a pergunta que
fica é: Poderia o réu formular contra o autor pedido cumulado de proteção
possessória com desfazimento de construção ou plantação ou cominação de multa?
Ora, esses pedidos (desfazimento e
fixação de multa) não estão previstos expressamente. Ele pode, então, cumular
os pedidos?
Sim, mas em sede de reconvenção, não no
pedido contraposto.
c)
Proibição da
Alegação de Propriedade
Exceptio
proprietatis, conforme
art. 1210, §2º do CC e 923 do CPC. Esses dois dispositivos prescrevem que em
ação possessória é irrelevante a alegação de propriedade. Significa que, em ação possessória, o juiz
julgará em favor de quem é o melhor possuidor, pouco interessando quem seja o
proprietário. Assim, é proibido discutir propriedade na pendência possessória.
Chama-se atenção para o fato de que a
proibição da discussão de propriedade no juízo possessório é manifestação do
princípio da função social da posse.
No Código revogado dava-se mais
importância à propriedade.
Inclusive, o En. 79 da Jornada,
em posição majoritária na doutrina (abraçando-a), confirma que, em sede
possessória, não se discute a propriedade nunca. O Enunciado promove uma
diáspora absoluta entre posse e propriedade nas ações possessórias.
Com isso, esvazia-se a Súmula 487 do Supremo. Dizia a Súmula que, quando ambas as
posses estiverem fundadas na propriedade – quando ambos, autor e réu,
disputarem com base na propriedade – aí a decisão será em favor do melhor
proprietário.
Apesar da posição de alguns
processualistas, como Fred Diddier e Mizael Montenegro, para os quais a Súmula
prevalece em função da economia processual.
Para eles, se ambos discutem com base na
propriedade, por economia, julga logo a propriedade.
A doutrina majoritária não compartilha
dessa posição. Para ela, a Súmula foi superada pelo argumento da função social
da posse.
d)
Intervenção do
MP.
Na forma do art. 82, inc. III do CPC, o
MP intervirá, como fiscal da lei, nas ações possessórias que digam respeito a conflito coletivo pela posse de terra
rural. Exemplo: Sem terra.
Fora esta hipótese, o MP, de ordinário,
só intervirá se houver outro motivo determinado, como, por exemplo, presença de
incapaz ou de fundação. Fora isso o MP não intervirá. Conflito coletivo pela
posse de terra rural, porém, não exige litisconsórcio multitudinário.
e)
Competência
Em se tratando de bem imóvel, a
competência é fixada pelo art. 95 do CPC (foro da situação da coisa). Esta
regra do 95 do CPC é de competência absoluta. Contudo, em se tratando de bem
móvel, a competência será fixada pelo artigo 94 do CPC, ou seja, domicílio do
Réu. Nesse segundo caso, a competência é relativa. Nesta hipótese, incide a Súmula 33 do STJ e o juiz não pode
conhecê-la de ofício. A incompetência relativa não pode ser declarada de
ofício.
f)
Caução
O art. 925 do CPC trata da caução a ser
fixada no curso do interdito possessório. Expressa esse comando processual que
“Se o réu provar, em qualquer tempo, que o autor provisoriamente mantido ou
reintegrado na posse carece de idoneidade financeira para, no caso de decair da
ação, responder por perdas e danos, o juiz assinar-lhe-á o prazo de 5 (cinco)
dias para requerer caução sob pena de ser depositada a coisa litigiosa”.
Anote-se que essa caução pode ser real ou pessoal (fidejussória), devendo ser
idônea, cabendo análise pelo julgador caso a caso.
14.
Possuidor
Aparente (art. 1.211)
Superados esses aspectos processuais,
dispõe o art. 1.211 do CC que “Quando mais de uma pessoa se disser possuidora,
manter-se-á provisoriamente a que tiver a coisa, se não estiver manifesto que a
obteve de alguma das outras por modo vicioso”. O dispositivo trata do possuidor
aparente, que manterá a coisa enquanto se discute em sede de ação
possessória ou petitória quem é o seu possuidor ou proprietário de direito.
Porém, pelo próprio dispositivo, se for demonstrado que o possuidor aparente
tem a coisa com um vício, seja objetivo ou subjetivo, poderá esta lhe ser
retirada.
15.
Interditos
Possessórios Contra Terceiros (art. 1212)
O art. 1.212 do CC preceitua que o
possuidor pode intentar a ação de esbulho, ou a de indenização, contra o
terceiro que recebeu a coisa esbulhada sabendo
que o era. A norma civil abre a possibilidade de o possuidor que sofreu
o atentado definitivo à posse ingressar com ação de reintegração de posse ou
com ação de reparação de danos contra
o terceiro que estiver com a coisa. A respeito da norma, na I
Jornada de Direito Civil, aprovou-se o Enunciado n. 80 CJF/STJ,
preceituando que “É inadmissível o direcionamento de demanda possessória ou
ressarcitória contra terceiro possuidor
de boa-fé, por ser parte passiva ilegítima, diante do disposto no art.
1.212 do novo Código Civil. Contra o
terceiro de boa-fé cabe tão somente a propositura de demanda de natureza real”.
Assim sendo, como não se pode atribuir culpa a quem esteja de boa-fé, não
caberão as medidas previstas no dispositivo, mas tão somente ação petitória,
para reivindicação da propriedade.
16.
Ações
Possessórias e Função Social
Para findar o presente tópico, é interessante transcrever e
analisar o Enunciado n. 239 CJF/STJ, aprovado na III Jornada de Direito Civil,
que em muito interessa para a discussão do mérito das ações possessórias
diretas: “Na falta de demonstração inequívoca de posse que atenda à função
social, deve-se utilizar a noção de ‘melhor posse’, com base nos critérios
previstos no parágrafo único do art. 507 do CC/1916”. O enunciado doutrinário
começa muito bem e termina muito mal. Começa
muito bem, pois aponta que para a caracterização do que seja melhor posse, em
sede de ação possessória, deve-se levar em conta a sua função social. Justamente
por isso já é forte a corrente doutrinária que aponta para a falta de
legitimidade para a referida ação no caso de alguém que não vem atendendo a
essa função social. Nessa linha, ensinam Cristiano Chaves de Farias e Nelson
Rosenvald que:
“O direito do possuidor de defender a sua
posse contra terceiros – incluindo-se aí o proprietário – é uma consequência
jurídica produzida pela necessidade geral de respeito a uma situação fática
consolidada, na qual necessidades humanas fundamentais são satisfeitas. A
densidade social da posse como modo revelador da necessidade básica do homem de
apropriar-se de bens primários, justifica que não seja ela reduzida a mero
complemento da tutela da propriedade, mas sim em instrumento concreto de busca
pela igualdade material e justiça social”.29
Vale dizer que a
tese que relaciona a função social da posse e da propriedade como pressupostos
para o ingresso de ação possessória e mesmo petitória já foi adotada pela
jurisprudência do STJ no notório caso da Favela
Pullman, que ainda será
comentado e aprofundado (REsp 75.659/SP, j. 21.06.2005).
O Enunciado n. 239 CJF/STJ termina muito mal por fazer
menção ao parágrafo único do art. 507 do CC/1916, que previa a seguinte ordem
para a caracterização da melhor posse: “Entende-se melhor a posse que se fundar
em justo título; na falta de título, ou sendo os títulos iguais, a mais antiga;
se da mesma data, a posse atual. Mas, se todas forem duvidosas, será
sequestrada a coisa, enquanto se não apurar a quem toque”. A crítica está
justificada pelo fato de que a melhor
posse deve levar em conta o atendimento
da função social.
TARTUCE, Flávio. Manual
de Direito Civil - Volume Único, 4ª edição. Método, 12/2013. VitalBook
file.
TARTUCE, Flávio. Manual de
Direito Civil - Volume Único, 4ª edição. Método, 12/2013. VitalBook file.
Art.
1.208. Não induzem posse os atos de mera permissão ou tolerância assim como não
autorizam a sua aquisição os atos violentos, ou clandestinos, senão depois de
cessar a violência ou a clandestinidade.
Art. 1.238. Aquele que, por quinze anos, sem
interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a
propriedade, independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que
assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no
Cartório de Registro de Imóveis.
Parágrafo único. O prazo estabelecido
neste artigo reduzir-se-á a dez anos se o possuidor houver estabelecido no
imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado
obras ou serviços de caráter produtivo.
Art. 1.242. Adquire também a propriedade
do imóvel aquele que, contínua e incontestadamente, com justo título e boa-fé,
o possuir por dez anos.
Parágrafo único. Será de cinco anos o
prazo previsto neste artigo se o imóvel houver sido adquirido, onerosamente,
com base no registro constante do respectivo cartório, cancelada
posteriormente, desde que os possuidores nele tiverem estabelecido a sua
moradia, ou realizado investimentos
de interesse social e econômico.
Art. 1.255. Aquele que semeia, planta ou edifica em
terreno alheio perde, em proveito do proprietário, as sementes, plantas e
construções; se procedeu de boa-fé, terá direito a indenização.
Parágrafo único. Se a construção ou a
plantação exceder consideravelmente o valor do terreno, aquele que, de boa-fé,
plantou ou edificou, adquirirá a propriedade do solo, mediante pagamento da
indenização fixada judicialmente, se não houver acordo.
Art. 1.258. Se a construção, feita
parcialmente em solo próprio, invade solo alheio em proporção não superior à
vigésima parte deste, adquire o construtor de boa-fé a propriedade da parte do
solo invadido, se o valor da construção exceder o dessa parte, e responde por
indenização que represente, também, o valor da área perdida e a desvalorização
da área remanescente.
Parágrafo único. Pagando em décuplo as
perdas e danos previstos neste artigo, o construtor de má-fé adquire a
propriedade da parte do solo que invadiu, se em proporção à vigésima parte
deste e o valor da construção exceder consideravelmente o dessa parte e não se
puder demolir a porção invasora sem grave prejuízo para a construção.
Art. 1.259. Se o
construtor estiver de boa-fé, e a invasão do solo alheio exceder a vigésima
parte deste, adquire a propriedade da parte do solo invadido, e responde por
perdas e danos que abranjam o valor que a invasão acrescer à construção, mais o
da área perdida e o da desvalorização da área remanescente; se de má-fé, é
obrigado a demolir o que nele construiu, pagando as perdas e danos apurados,
que serão devidos em dobro.
TARTUCE, Flávio. Manual
de Direito Civil - Volume Único, 4ª edição. Método, 12/2013. VitalBook
file.
São exemplos de
bens públicos dominicais, segundo Flávio Tartuce: terrenos de marinha,
as terras devolutas, as estradas de ferro, as ilhas formadas em rios
navegáveis, os sítios arqueológicos, as jazidas de minerais com interesse
público e o mar territorial (TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil -
Volume Único, 4ª edição. Método, 12/2013. VitalBook file.)
“O possuidor direto
tem direito de defender a sua posse contra o indireto, e este contra aquele
(art. 1.197, in fine, do novo Código Civil)”.
Art. 1.204. Adquire-se a posse desde o momento em que
se torna possível o exercício, em nome próprio, de qualquer dos poderes
inerentes à propriedade.
Art. 1.205. A posse
pode ser adquirida:
I - pela própria pessoa que a pretende ou
por seu representante;
II - por terceiro sem mandato, dependendo
de ratificação.
“Os frutos são bens
acessórios que saem do principal sem diminuir a sua quantidade [...] Repise-se
que os frutos não se confundem com os produtos, pois enquanto os frutos não
geram a diminuição do principal, isso não ocorre com os produtos. TARTUCE,
Flávio. Manual de Direito Civil - Volume Único, 4ª edição. Método,
12/2013. VitalBook file.
“nos termos do art. 96
do CC, as benfeitorias podem ser necessárias (as essenciais, pois visam
à conservação da coisa principal), úteis (aumentam ou facilitam o uso da
coisa principal) e voluptuárias (de mero luxo ou deleite, pois facilitam
a utilidade da coisa principal).”
Ainda em relação ao
possuidor de boa-fé, na I Jornada de Direito Civil, foi aprovado o
Enunciado n. 81 CJF/STJ, prevendo que o direito de retenção previsto no art.
1.219 do CC, decorrente da realização de benfeitorias necessárias e úteis, também se aplica às acessões (plantações e
construções) nas mesmas circunstâncias. Sendo assim, mesmo com a
diferenciação antes apontada, entre os conceitos de benfeitorias e acessões,
aqui, os efeitos jurídicos são os mesmos. O enunciado aprovado, na verdade,
apenas confirma parte do entendimento jurisprudencial consolidado, inclusive
quanto ao direito de indenização das acessões (nesse sentido, ver, por todos:
TJSP, Apelação Cível 287.115-5/8, Presidente Venceslau, Sétima Câmara de
Direito Público, Rel. Torres de Carvalho, j. 07.03.2005, v.u., e TJSP, Apelação
Cível 354.847-4/7-00, São José dos Campos, Terceira Câmara de Direito Privado,
Rel. Beretta da Silveira, j. 18.04.2006, v.u.).
A última premissa tem justo motivo. Imagine-se o
caso do invasor de um imóvel. Percebendo que o telhado (benfeitoria necessária)
está em péssimo estado de conservação, o que pode comprometer a própria
estrutura do imóvel, esse possuidor de má-fé o troca. Ora, a sua posse é de má-fé
quanto à origem, mas a conduta de troca do telhado é movida pela boa-fé, em
sentido objetivo. Há, portanto, uma justaposição da boa-fé objetiva em
relação à má-fé subjetiva, o que ampara o sentido do comando legal.
Para ilustrar, na situação do comodatário
(possuidor de boa-fé), este somente responderá pela perda da coisa havendo dolo
ou culpa. Não pode responder, por exemplo, pelo assalto do veículo à mão
armada, levando o criminoso o bem consigo. Já o criminoso que leva a coisa
(possuidor de má-fé) responde por ela, se for atingida por um objeto em local
onde não estaria o proprietário ou possuidor.
Art. 1.205. A posse pode ser adquirida:
I - pela própria pessoa que a pretende ou por
seu representante;
II - por terceiro sem mandato, dependendo
de ratificação.
1.º – A defesa deve ser
imediata, ou seja, incontinenti, conclusão a ser retirada da análise do caso concreto. A título
de exemplo e obviamente, uma defesa praticada após um ano e um dia não é
imediata, não cabendo a utilização dos institutos de proteção própria. Ainda
ilustrando, se o possuidor deixa que o esbulhador construa uma cerca divisória,
pelo menos aparentemente, não tomou as medidas imediatas que lhe cabiam. Sobre
tal requisito do imediatismo, foi aprovado enunciado V Jornada de Direito Civil, em 2011, propondo uma interpretação
restritiva do preceito: “No desforço possessório, a expressão ‘contanto que o
faça logo’ deve ser entendida restritivamente, apenas como a reação imediata ao
fato do esbulho ou da turbação, cabendo ao possuidor recorrer à via
jurisdicional nas demais hipóteses”. (Enunciado n. 495 CJF/STJ).
2.º – O possuidor que toma as medidas de
autotutela não pode ir além do indispensável para a recuperação de sua posse.
Deve agir nos limites do exercício regular desse direito, servindo como
parâmetro o art. 187 do CC, que prevê o abuso de direito como ato ilícito. Os
parâmetros, portanto, são aqueles previstos no dispositivo da codificação: fim
social, fim econômico, boa-fé objetiva e bons costumes. Devem ser evitados ao máximo os abusos cometidos,
sob pena de sacrifício dos institutos, o que, aliás, ocorre nas violentas invasões
de terra que são praticadas no Brasil e as violentas (mais ainda) reprimendas
por parte dos proprietários e possuidores, o que tem tornado o meio rural
brasileiro um verdadeiro campo de batalha, habitado por inúmeras milícias
armadas.
3.º – A lei
está a autorizar que o possuidor que faz uso da autotutela utilize o apoio de
empregados ou prepostos. Isso porque o art. 1.210, § 1.º, do CC faz menção à força própria, que inclui o auxílio de terceiros, com
quem mantém vínculos. Sendo reconhecida essa possibilidade, é importante
concluir que se o preposto, empregado ou serviçal, na defesa dessa posse e
seguindo as ordens do possuidor, causar danos a outrem, responderá o comitente,
empregador ou senhorio, nos termos dos arts. 932 e 933 do CC. A responsabilidade
do possuidor é objetiva (independentemente de culpa), desde que comprovada a
culpa daquele por quem se é responsável – responsabilidade objetiva indireta ou por atos de
outrem.
Segundo Caio
Mario, Em Roma, a defesa da posse efetuava-se sem os
critérios extremados do direito formulário, por via dos interditos, pronunciados
pelo pretor, com a finalidade de
paralisar a moléstia à posse, amparando situações que careciam de defesa pronta
e eficaz.16
Somente mais tarde, já no período de predomínio da atividade imperial,17 foi
que os interdicta se converteram em actiones, conservando embora
a designação originária. Esta, aliás, de tão arraigada e generalizada,
sobreviveu no período medieval, e veio até o direito moderno, que usa desembaraçadamente a sinonímia.
PEREIRA, Caio Mário Silva. Instituições de Direito Civil - Vol. IV -
Direitos Reais, 22ª edição. Forense, 03/2014. VitalBook file.
PEREIRA, Caio Mário Silva. Instituições
de Direito Civil - Vol. IV - Direitos Reais, 22ª edição. Forense, 03/2014.
VitalBook file
– No caso de ameaça à posse (risco de atentado à posse) =
caberá ação de
interdito proibitório.
– No caso de turbação (atentados fracionados à posse) = caberá ação de manutenção de posse.
– No caso de esbulho (atentado consolidado à posse) = caberá ação de reintegração de posse.
PEREIRA, Caio Mário
Silva. Instituições de Direito Civil - Vol. IV - Direitos Reais, 22ª edição.
Forense, 03/2014. VitalBook file.
Art. 381. Compete a ação de
emissão de posse:
I – aos adquirentes de bens, para haverem
a respectiva posse, contra os alienantes ou terceiros, que os detenham;
II – aos administradores e demais
representantes das pessoas jurídicas de direito privado, para haverem dos seus
antecessores a entrega dos bens pertencentes à pessoa representada;
III – aos mandatários, para receberem dos
antecessores a posse dos bens do mandante.
Art. 382. Na inicial, instruida com o
título de domínio, ou com os documentos da nomeação, ou eleição, do
representante da pessoa jurídica, ou da constituição do novo mandatário, o
autor pedirá que o réu seja citado para, no prazo de dez (10) dias, contados da
data da citação, demitir de si a posse dos bens, ou apresentar contestação, sob
pena de, à sua revelia, expedir-se mandado de imissão de posse, sem prejuízo
das perdas e danos que em execução se liquidarem.
Parágrafo único. Si a ação não for
contestada, serão os autos conclusos ao juiz, que poderá, desde logo, ordenar a
expedição do mandado de imissão de posse.
Art. 383. Oferecida a contestação, a causa
tornará o curso ordinário.
Parágrafo único. Salvo quando intentado o
processo contra terceiro, a contestação versará somente sobre nulidade
manifesta do documento produzido.
Art 37. Uma
vez efetivada a alienação do imóvel, de acôrdo com o artigo 32, será emitida a
respectiva carta de arrematação, assinada pelo leiloeiro, pelo credor, pelo
agente fiduciário, e por cinco pessoas físicas idôneas, absolutamente capazes,
como testemunhas, documento que servirá como titulo para a transcrição no
Registro Geral de Imóveis.
§ 1º O
devedor, se estiver presente ao público leilão, deverá assinar a carta de
arrematação que, em caso contrário, conterá necessàriamente a constatação de
sua ausência ou de sua recusa em subscrevê-la.
§ 2º Uma vez
transcrita no Registro Geral de Imóveis a carta de arrematação, poderá o
adquirente requerer ao Juízo competente imissão de posse no imóvel, que lhe
será concedida liminarmente, após decorridas as 48 horas mencionadas no
parágrafo terceiro dêste artigo, sem prejuízo de se prosseguir no feito, em
rito ordinário, para o debate das alegações que o devedor porventura aduzir em
contestação.
§ 3º A
concessão da medida liminar do parágrafo anterior só será negada se o devedor,
citado, comprovar, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, que resgatou ou
consignou judicialmente o valor de seu débito, antes da realização do primeiro
ou do segundo público leilão.
Art 38. No
período que medear entre a transcrição da carta de arremação no Registro Geral
de Imóveis e a efetiva imissão do adquirente na posse do imóvel alienado em
público leilão, o Juiz arbitrará uma taxa mensal de ocupação compatível com o
rendimento que deveria proporcionar o investimento realizado na aquisição,
cobrável por ação executiva.
→ Se a ameaça, a turbação e
o esbulho forem novos, ou
seja, tiverem menos de um ano e um dia, caberá a ação de força nova: o respectivo interdito possessório
seguirá o rito especial, cabendo liminar nessa ação.
→ Se a ameaça,
a turbação e o esbulho forem velhos, com pelo menos um ano e um dia, caberá ação de força velha, que segue o rito ordinário, não cabendo
a respectiva liminar.
Essas conclusões são
orientadas pela redação do art. 924 do CPC, in verbis: “Regem o
procedimento de manutenção e de reintegração de posse as normas da seção
seguinte, quando intentado dentro de ano e dia da turbação ou do esbulho;
passado esse prazo, será ordinário, não perdendo, contudo, o caráter
possessório”. Em suma, a ação de força nova é aquela que segue as regras
de procedimento especial previstas entre os arts. 920 a 932 do CPC.
Em relação à ação de força velha, repise-se que essa segue o rito
ordinário, não cabendo liminar para os devidos fins. Todavia, segundo o
entendimento majoritário da doutrina e da jurisprudência, cabe tutela
antecipada nessa demanda, conforme reconhecido pelo Enunciado n. 238 CJF/STJ, da III Jornada de Direito Civil:
“Ainda que a ação possessória seja intentada além de ‘ano e dia’ da turbação ou
esbulho, e, em razão disso, tenha seu trâmite regido pelo procedimento
ordinário (CPC, art. 924), nada impede que o juiz conceda a tutela possessória
liminarmente, mediante antecipação de tutela, desde que presentes os requisitos
autorizadores do art. 273, I ou II, bem como aqueles previstos no art. 461-A e
§§, todos do CPC”. Não é diferente a conclusão da jurisprudência superior (STJ, REsp 555.027/MG, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito,
Terceira Turma, j. 27.04.2004, DJ 07.06.2004, p. 223).
Ato contínuo de
análise, o art. 922 do CPC enuncia que é lícito ao réu, na contestação do
interdito possessório, alegando que foi o ofendido em sua posse, demandar a
proteção possessória e a indenização pelos prejuízos resultantes da turbação ou
do esbulho cometido pelo autor. Pelo que consta desse dispositivo, as ações
possessórias diretas têm natureza dúplice, cabendo pedido contraposto em
favor do réu para que a sua posse seja protegida no caso concreto. Esse pedido
contraposto pode ser de proibição, de manutenção ou mesmo de reintegração da
posse em seu favor.
Superado esse ponto, prevê
o art. 923 do CPC que “na pendência do processo possessório é defeso, assim ao
autor como ao réu, intentar a ação de reconhecimento do domínio”. Entretanto,
não obsta à manutenção ou à reintegração na posse a alegação de domínio ou de
outro direito sobre a coisa. O dispositivo processual, portanto, já previa que
a alegação de exceção de domínio (exceptio proprietatis) não bastava para a improcedência da ação possessória. A premissa
foi repetida pelo § 2.º do art. 1.210 do CC, pelo qual “Não obsta à manutenção
ou reintegração na posse a alegação de propriedade, ou de outro direito sobre a
coisa”. O que se entende, portanto, é que o CC/2002 consolidou a inviabilidade
da alegação de domínio, ou de propriedade, em sede de ação possessória, ou
seja, trouxe uma divisão entre os
juízos possessório (em que se discute a posse) e petitório (em que se discute a
propriedade). Nessa linha de raciocínio, o Enunciado n. 78,
aprovado na I Jornada
de Direito Civil:
“Tendo em vista a não recepção, pelo novo Código Civil, da exceptio proprietatis (art. 1.210, § 2.º) em caso de
ausência de prova suficiente para embasar decisão liminar ou sentença final
ancorada exclusivamente no ius possessionis,
deverá o pedido ser indeferido e julgado improcedente, não obstante eventual
alegação e demonstração de direito real sobre o bem litigioso”.
Mais do que
isso, arremata o Enunciado n. 79, da mesma I Jornada:
“A exceptio proprietatis, como defesa oponível às ações
possessórias típicas, foi abolida pelo Código Civil de 2002, que estabeleceu a absoluta separação entre os juízos
possessório e petitório”. Em outras palavras, a ação possessória é a via
adequada para a discussão da posse; enquanto que a ação petitória é a via
adequada para a discussão da propriedade e do domínio, não sendo possível embaralhar as duas vias. Pode-se afirmar, em conclusão, que está
prejudicada, pelo menos em parte, a redação da Súmula 487 do STF, pela qual
“Será deferida a posse a quem, evidentemente, tiver o domínio, se com base
neste for ela disputada”. Não é possível discutir a posse em ação de discussão
do domínio. Encerrando o tema, como se verá, essa separação não é tão absoluta
assim, particularmente quando se estuda a desapropriação judicial privada por posse-trabalho (art. 1.228, §§ 4.º e 5.º, do CC).