quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

DIREITOS REAIS



Direitos Reais de Garantia (1.419 a 1.510)

I.                   Teoria Geral dos Direitos Reais de Garantia

1.      Espécies de Garantias

A regra geral do sistema brasileiro é o da responsabilidade patrimonial (artigos 391 do CC e 591 do CPC). Assim, o devedor responde pelas suas dívidas com o seu patrimônio. Não se pode esquecer que essa regra geral remonta à Lex poetelia papiria. Lembrar do Mercador de Veneza, de Shaekspeare.

O devedor responde com o patrimônio e não com sua personalidade. Mas se de um lado a responsabilidade é patrimonial é mais humanista/democrática, por outro, essa regra exige uma maior eficácia das relações obrigacionais; exige que as relações obrigacionais se mostrem mais eficazes para garantir o direito do credor.

Com isso, o sistema passa a exigir garantias obrigacionais.

Justamente por isso, o sistema contempla um sistema de garantias obrigacionais, as quais se dividem duas diferentes searas:

è Garantias reais (são garantias que decorrem de coisas pertencentes ao devedor)
è Garantias Fidejussórias (garantias prestadas por terceiros)

Exemplificando, aval e fiança são garantias fidejussórias. Já as garantias reais são as que incidem sobre bens, como a hipoteca e o penhor. Mas, afinal, quais são os bens suscetíveis de serem dados em garantias? Na verdade são 4 tipos de garantias, quais sejam:

a)      Anticrese
b)      Penhor
c)      Hipoteca
d)     Alienação fiduciária

Afinal, o que significa uma garantia real? Representa a vinculação do poder do credor sobre um bem pertencente ao devedor, até que a obrigação seja quitada. Esse conceito deixa claro que a garantia real se apresenta com visível natureza acessória.

É dizer: só existe direito real de garantia se antes havia uma obrigação. E mais: se extinta a relação principal, extingue-se a garantia real, pela teoria da gravitação. A garantia fica submetida ao cumprimento da obrigação.




2.      Características dos Direitos Reais de Garantia

2.1. Sequela (art. 1.419)

Pela sequela, o bem dado em garantia fica vinculado ao cumprimento da obrigação, independemente de quem seja o seu titular. Ou seja: se o devedor não cumprir o contrato principal, o credor hipotecário poderá reivindicar o imóvel de quem quer que ele se encontre.

É o que dispõe o artigo 1.419 do Código Civil

Art. 1.419. Nas dívidas garantidas por penhor, anticrese ou hipoteca, o bem dado em garantia fica sujeito, por vínculo real, ao cumprimento da obrigação.

Esta característica atualmente não é tão absoluta a ponto de não admitir nenhuma exceção. Muito pelo contrário, a Súmula 308 do STF abranda os rigores da seqüela, pois ela não permite que o credor hipotecário reivindique o imóvel dos terceiros adquirentes do imóvel. Trata-se da hipoteca constituída pela construtora em favor de um agente financeiro. Esta hipoteca é ineficaz aos terceiros adquirentes, vejamos:

SÚMULA 308 DO STJ

A hipoteca firmada entre a construtora e o agente financeiro, anterior ou posterior à celebração da promessa de compra e venda, não tem eficácia perante os adquirentes do imóvel.

Esta súmula, se observarmos bem, não apenas excepciona o atributo da seqüela, mas se mostra como nítido exemplo de mitigação do princípio da relatividade dos contratos. No caso, tem-se uma hipótese de tutela externa do crédito, pois não se permite que os efeitos do direito real de garantia, que geralmente são erga omnes, possam prejudicar os adquirentes do imóvel.

2.2. Preferência (art. 1.422 c/c 961 do Código Civil)

Por esta característica, o titular de um direito real tem preferência em relação aos demais credores do devedor na execução do bem dado em garantia. No caso, todo o valor realizado com a venda do bem dado em garantia será utilizado para pagar o titular de direito real, que não se sujeita a rateio, como alguns credores do devedor insolvente ou falido.

Esta preferência consta expressamente na segunda parte do artigo 1.422 e na primeira parte do artigo 961, ambos do CC/02:

Art. 1.422. O credor hipotecário e o pignoratício têm o direito de excutir a coisa hipotecada ou empenhada, e preferir, no pagamento, a outros credores, observada, quanto à hipoteca, a prioridade no registro.



Art. 961. O crédito real prefere ao pessoal de qualquer espécie; o crédito pessoal privilegiado, ao simples; e o privilégio especial, ao geral.

Mas como toda regra tem sua exceção (ou exceções...), não é diferente com a característica da preferência.

Ou seja: a preferência não é absoluta, pois, na prática, ela não se aplica erga omnes (contra todos), mas somente erga eliquos, isto é, contra alguns credores determinados.

Vejamos, portanto, quais são os casos em que a preferência não se aplica. Quais são as exceções à característica:

2.2.1.      Exceções à Preferência

a)      Crédito de cota condominial (Por se tratar de obrigação propter rem) e honorários sucumbenciais (verba de natureza alimentar) sobre o crédito hipotecário.

Para corroborar, cite-se, por todos, o REsp 511.003-SP:

CIVIL E PROCESSUAL. CRÉDITO CONDOMINIAL. OBRIGAÇÃO PROPTER REM. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. CRÉDITO ALIMENTAR. PREFERÊNCIA AO CRÉDITO HIPOTECÁRIO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
I. O crédito condominial tem preferência sobre o crédito hipotecário por constituir obrigação propter rem, em função da utilização do próprio imóvel ou para evitar-lhe o perecimento. Precedentes da STJ.
II. Os honorários advocatícios de sucumbência, por guardarem natureza alimentar, preferem ao crédito hipotecário.
III. Recurso conhecido e provido.

Cite, por fim, a Súmula 478 do STJ:

Súmula 478: na execução de crédito relativo a cotas condominiais, este tem preferência sobre o hipotecário.

b)      Crédito de natureza acidentária, trabalhista e previdenciária, nos termos do artigo 83 da Lei 11.101/05.

c)      Na colisão entre direitos reais, tem prioridade aquele que registrou em primeiro lugar, como já indica a parte final do artigo 1.422 do Código Civil




Vistas as exceções, cabe a pergunta: Qual é a distinção entre direito real de garantia e privilégios creditórios?

Para relembrar, os privilégios creditórios estão previstos no artigo 83 da LRE (Lei 11.101/05). Em primeiro lugar, serão pagos os credores alimentícios, trabalhistas e previdenciários, depois os titulares de garantia real e, na sequência, as Fazendas Públicas. Se o crédito real vinculou uma coisa, ele passa na frente da fazenda pública, naturalmente. Agora, qual é a diferença entre o crédito privilegiado e a garantia real?

É simples, a diferença é que a garantia real incide sempre sobre um bem específico. O privilégio creditório incide sobre todo o patrimônio. Logo, apenas o segundo está sujeito a rateio. (conferir)

Em outros termos, o credor real tem poder sobre um bem em particular (a casa, o carro), já o credor privilegiado tem poder sobre o patrimônio como um todo. Então, o credor real não pode excutir (de excussão) outro bem que não seja objeto da garantia; mas o credor privilegiado pode excutir qualquer outro bem que integre o patrimônio do devedor, com as ressalvas da lei.

2.3. Excussão

É a característica pela qual o credor hipotecário ou pignoratício, para a satisfação de seu direito de crédito não atendido pelo devedor, deve promover a excussão do bem em juízo, aplicando o valor da venda no total da dívida.

Com efeito, a satisfação do direito de crédito do credor depende, como regra, de um procedimento judicial no qual será a garantia será excutida (vendida em leilão – em se tratando de bem móvel – ou em praça pública – tratando-se de imóvel). Tal característica está expressa no art. 1.422, primeira parte.

Pode-se dizer, então, que a característica da excussão serve para evitar o pacto comissório real, já que é nula a cláusula que autoriza o credor pignoratício, anticrético ou hipotecário a ficar com o objeto da garantia, se a dívida não for paga no vencimento. (art. 1.428)

Anote-se que a previsão é salutar, pois imaginemos a situação de um devedor que empenhou um relógio de R$ 10.000,00 para garantir uma dívida de apenas R$ 2.000,00. No caso, além dos possíveis juros abusivos que poderiam ser cobrados, o credor ainda se locupletaria indevidamente com o valor da diferença.

Mesmo assim, a característica da excussão comporta algumas exceções, algumas delas muito polêmicas, inclusive, como se verá adiante:

2.3.1.      Exceções

a)      Dação em Pagamento (art. 1.428, p. único)

Não obstante a vedação legal ao pacto comissório, admite-se a “dação em pagamento” como forma de extinção da obrigação, nos termos do parágrafo único do artigo 1.428 do Código Civil:
Art. 1.428. É nula a cláusula que autoriza o credor pignoratício, anticrético ou hipotecário a ficar com o objeto da garantia, se a dívida não for paga no vencimento.
Parágrafo único. Após o vencimento, poderá o devedor dar a coisa em pagamento da dívida.

Um detalhe: O Código Civil proíbe pacto comissório, mas não dação em pagamento! Então, o contrato não pode conter cláusula que autorize o credor a ficar com a coisa na hipótese de inadimplemento (proibição de cláusula comissória). Contudo, nada impede que, ocorrendo o inadimplemento, o próprio devedor ofereça, voluntariamente, o bem em pagamento (dação em pagamento). Em termos práticos, a situação é a mesma. A diferença é que a dação em pagamento ocorre depois do inadimplemento, pela vontade do devedor.

b)     Pacto Comissório e Alienação Fiduciária

Importante: A Lei 10.931/04, no seu artigo 66, b, §3º, que derrogou o art. 1365 do Código Civil, e permite a cláusula comissória na alienação fiduciária de bens imóveis!!

É que quando se tratar de alienação fiduciária, o credor fiduciário recebe a propriedade da coisa em garantia. Assim, ele já é o proprietário da coisa. É natural, portanto.

De qualquer forma, aplica-se o critério da especialidade e a lei especial afasta a lei geral, autorizando o pacto comissório na alienação fiduciária.

c)      Alienação Extrajudicial

A característica da excussão também não impede que o credor possa alienar o bem extrajudicialmente em algumas hipóteses. São elas:

è Venda amigável realizada pelo credor pignoratício, mediante autorização expressa no contrato (art. 1.433, IV, do Código Civil)

è Hipoteca constituída pelo Sistema Financeiro de Habitação, nos termos do Dec-lei 70/66.

Com relação a esta última hipótese, são apresentadas várias críticas pelos autores, que sustentam a não recepção do decreto pelas seguintes razões: i) violação do princípio do juiz natural; b) exercício da jurisdição por particulares; iii) violação do princípio do devido processo legal.

Nesse caso, o credor hipotecário promove a execução diretamente em cartório. Esta lei não discrepa do artigo 5º, inciso XXXV da CR???

Para Cristiano Chaves, porém, o dispositivo não foi recepcionada pela CR/88. Essa posição, contudo, é minoritária. Isso porque, para o STJ, a previsão é válida e compatível com a Constituição. Vai entender!!!

Lançando um veneno: a previsão também não está em rota de colisão com a vedação do pacto comissório?? O STJ diz que o credor hipotecário pode não apenas executar extrajudicialmente, mas também ficar com o bem para sim.VER O INFO 622. Acompanhar o julgamento do caso no STF

Como dito, o STF, por ocasião do julgamento do AgRg RE 223.075/DF, posicionou-se pela constitucionalidade do decreto: “O decreto-lei n. 70/66, que dispõe sobre execução extrajudicial, foi recebido pela Constituição do Brasil. Agravo regimental a que se nega provimento.

d)     Credor Anticrético (art. 1.423)

Devido à peculiaridade da anticrese, o credor anticrético não pode excutir o bem dado em garantia. Ao revés, ele tem somente o direito de retenção, podendo assim resgatar o débito originário por meio da exploração dos frutos da coisa.

Art. 1.423. O credor anticrético tem direito a reter em seu poder o bem, enquanto a dívida não for paga; extingue-se esse direito decorridos quinze anos da data de sua constituição.

Tal exceção se justifica, pois nela o direito real não recai sobre o bem principal, mas sim sobre suas rendas.

Como se verá, a anticrese é um direito real de garantia que recai sobre as rendas de um bem frugívero. Por exemplo: o devedor precisa de dinheiro e celebra contrato de mútuo com o credor. Em garantia, o mutuário oferece um quiosque de sua propriedade para quitar as parcelas do contrato principal. Assim, caso o devedor não venha a cumprir o contrato principal, o credor anticrético retém o quiosque e explora a atividade econômica para conseguir satisfazer o seu crédito. 

2.4. Indivisibilidade (art. 1.421)

Por fim, a última característica geral dos direitos reais de garantia é a indivisibilidade. Ela significa que o pagamento de uma ou mais prestações da dívida não importa a correspondente exoneração da garantia. Muito pelo contrário, a afetação integral do bem persiste até o pagamento do último centavo da dívida.

Exemplificando:

Se A der em garantia uma fazenda e um apartamento, ambos de mesmo valor, não poderá excluir um dos imóveis da seqüela, caso venha a resgatar 50% do débito.

Pelo mesmo motivo, se um certo imóvel for dado em garantia por condôminos, o fato de apenas um solver o seu débito não lhe autorizará a exclusão da caução sobre a sua fração ideal.




 
3.                  Requisitos

3.1.Requisitos Subjetivos

a)      Capacidade Jurídica do Devedor e Legitimação

É que o ato de dar um bem em garantia implica, em sentido amplo, em ato de disposição patrimonial e oneração do bem. Em se tratando de devedor incapaz, a garantia somente pode ser prestada com autorização judicial e prévia oitiva do MP.

Em se tratando de bem condominial, depende do consentimento de todos os condôminos. É claro, se o que for dado em garantia é a fração respectiva, fica dispensada a anuência dos demais.

b)     Outorga do cônjuge, se casado e se o bem ofertado for imóvel (art. 1417)

É dispensável a outorga do cônjuge se o casamento é no regime de separação convencional ou na participação final nos aquestos, quando o pacto assim o dispuser. A diferença é que, no regime de separação, a lei dispensa, ao passo em que no regime dos aquestos, o próprio pacto poderá dispensar.

E atenção: Não se exige a outorga na união estável!

3.2.Requisitos Objetivos

a)                   Bem alienável

O requisito objetivo é: O bem dado em garantia precisa ser alienável. Ou seja: permitir a alienação; somente os bens alienáveis podem ser dados em garantia; passíveis atos de disposição.

Com isso, descobre-se que os bens que não admitem alienação não podem servir como objeto de garantia real. São eles:

è Art. 1911. Os bens gravados com cláusula restritiva
è Bens públicos (os dominicais também?)
è Imóveis financiados (Dec. 8.618/46)

Detalhe interessante diz respeito ao bem de família. Afinal, admite-se a garantia real de um bem de família? Pela jurisprudência do STJ, é possível sim e implica renúncia à garantia de impenhorabilidade legal.

É claro que esse comentário vale para o bem de família legal (Lei 8009/90), pois o bem de família convencional (art. 1711 e 1722 do CC), além de gerar impenhorabilidade, também gera a inalienabilidade. Logo, o bem de família convencional são inservíveis como objeto de garantia real, pois geram inalienabiliade!!



3.3.Requisitos Formais

a)      Registro ou tradição, se imóvel ou móvel, respectivamente;
b)     Especialização da dívida (indicação do valor, vencimento, prazo e juros)

Faltando uma dessas formalidades, não se constitui a garantia real. Logo, o credor permanece quirografário. Seu direito de crédito incide sobre todo o patrimônio do devedor, mas não sobre um bem específico.

4.      Efeitos Jurídicos

a)      Direito de Preferência

Direito esse que sede em favor do credor alimentício em um processo de execução concursal.

b)     Direito de Sequela

Ou seja, o de perseguir a coisa onde ela estiver

c)      Direito à excussão

Direito de levar a coisa à execução em juízo, até porque esse credor real não tem direito à cláusula comissória

d)     Indivisibilidade do crédito real

O direito real de garantia se mantém íntegro até a quitação da dívida. A remissão parcial não exonera proporcionalmente a garantia.

e)      Direito à Sub-rogação

Um exemplo: O bem dado em garantia pereceu e a seguradora indenizou o devedor. Nesse caso, o valor da indenização sub-roga-se ao bem dado em garantia.

II.                ESPÉCIES DE DIREITOS REAIS DE GARANTIA

I.                   Anticrese (art. 1.506 a 1.510)

É o primo pobre dos direitos reais de garantia. Esse foi o apelido dado pela doutrina francesa ao instituto. E o Brasil é um dos poucos países do mundo que mantém a anticrese em seu ordenamento.

A anticrese não garante a integralidade do caso; ela não tem idoneidade para tanto.





1.                   Conceito

É o direito real de garantia sobre bem frugífero (bem imóvel – art. 1506) (bem que produz frutos), que permite ao credor a retirada temporária dos frutos para amortizar os juros e, se possível, o saldo devedor da obrigação principal.

A é credor de B. Este tem um imóvel e entrega para A, o qual aluga o imóvel e utiliza o valor do aluguel para pagar os juros e a dívida principal. E se o valor do aluguel não for suficiente para pagar o valor integral da dívida? O credor, nesse caso, passa a ser um devedor quirografário.

Do ponto de vista prático, o instituto não é nenhum pouco interessante, pois, como direito real, deve preencher diversos requisitos. É difícil encontrar uma anticrese registrada nos cartórios do Brasil. O Registro é caro e, além disso, depende de especialização da dívida e autorização do cônjuge.

Além disso, como a anticrese tem natureza de imputação do pagamento, esse instituto resolve a questão de maneira muito mais simples, pois não depende de todos os requisitos para a constituição de uma garantia real. Para relembrar, na imputação do pagamento, o devedor aponta algum ou alguns dos débitos que serão satisfeitos com o pagamento. Assim, por exemplo, B pode utilizar o valor do aluguel para saldar os juros ou amortizar o valor da dívida, dependendo do caso.

2.      Prazo da Anticrese

O Código Civil estabelece (art. 1423) o prazo máximo de 15 anos para uma anticrese. É claro que, se a dívida for extinta antes, a anticrese também se extingue (gravitação).

3.      Anticrese e Hipoteca

Pergunta: A Constituição de uma anticrese impede a constituição de uma hipoteca? Não, porque elas possuem objetos distintos. No primeiro, a garantia são os bens acessórios e na hipoteca a garantia é o bem principal.

4.      Prestação de Contas

Observação final: O credor anticrético pode ser demandado em ação de prestação de contas pelo devedor, pois ele retira os frutos da coisa para a amortização da dívida.

II.                Penhor (art. 1.431 a 1.472)

1.      Conceito

É direito real na coisa alheia sobre bem móvel, corpóreo ou incorpóreo. Exemplo: veículo, material agrícola, bens da pecuária (semoventes).

Exceto aeronaves e navios, os quais são objeto de hipoteca. Atenção porque isso não significa que aeronaves e navios são bens imóveis. Aliás, mais móveis não poderiam ser (são imóveis apenas para fins de hipoteca)

2.      Constituição do Penhor

O art. 1431 traz a ideia fundamental do penhor. O âmago do penhor é a tradição; ele se constitui pela tradição, ou seja, pela efetiva entrega da coisa ao credor pignoratício. A redação do art. 1431 não diz outra coisa, vejamos: “Constitui-se o penhor pela transferência efetiva da posse...” O registro, portanto, serve para dar publicidade em relação a terceiros[1].

Dessa regra surgem duas características principais:

è A constituição se dá pela tradição e
è A posse do bem móvel fica com o credor pignoratício.

No entanto, em caráter excepcional, existem outras modalidades de penhor que exigem o registro para a constituição do direito real, assim como permitem que o bem permaneça na posse do próprio devedor. 

3.      Frutos do bem empenhado

E relembrando: o credor pignoratício recebe o bem, mas não pode extrair os frutos (utilidades); o penhor é direito real na coisa alheia de garantia. Além do mais, o credor também não pode ficar com o bem para si (pacto comissório); ele deverá excutir o bem em juízo.

Eventualmente, porém, os frutos poderão ficar com o credor pignoratício por uma questão física. Um exemplo para ilustrar a ideia: imaginemos um rebanho, ou seja, penhor sobre o gado. Ora, se o gado está na posse do credor pignoratício, o garrote (bezerro), como bem acessório, fica com o credor pignoratício.

Assim, quando, por algum motivo (físico, como no exemplo, retro), o valor deve ser abatido da dívida através da imputação do pagamento. Por este instituto, primeiro haverá a quitação dos juros e, posteriormente, o abatimento do principal. Isso acontece porque, ordinariamente, o credor pignoratício não faz jus aos frutos do bem dado em garantia.

Outro detalhe: No momento em que recebe a posse, o credor pignoratício pode se valer das defesas possessórias (penal à desforço imediato e civil à ações possessórias)

Uma reflexão importante: O devedor pignoratício também é qualificado como possuidor (tem a posse indireta) e, nesta condição, o devedor pignoratício igualmente está legitimado a defender a coisa através da defesa penal e civil possessórias. Mas aqui um problema: se o bem está na posse do credor, como o devedor pignoratício saberá de eventuais agressões?

E para fechar a introdução, é necessário dizer que o penhor tem natureza acessória. Em consequência, extinta a relação principal, extingue-se automaticamente a garantia.

4.      Natureza Acessória do Penhor

Dentro desse tema da natureza acessória do penhor, ganha importância uma discussão. É que o credor pignoratício, por possuir o bem durante o período de cumprimento do contrato, assume o dever de custódia da coisa que lhe foi entregue. E como fica a questão da responsabilidade pela guarda da coisa? Lembrar do penhor de jóias na agência da Caixa Econômica Federal. E se o banco for assaltado? Afinal, quem responde?

Sobre esta temática, consultar o REsp. 730.925/RJ

Segundo o precedente acima, o roubo ou furto não afetam a dívida (é natural, inclusive, porque o bem dado em garantia tem natureza acessória. O perecimento dela não afeta a obrigação principal), mas o valor do bem dado em garantia deve ser devolvido ao devedor pelo valor de mercado.

5.      Características do Penhor

a)      Contrato real

Não confundir contrato real com direito real. O contrato real é aquele que se perfaz com tradição do bem. Exigem a tradição para o seu aperfeiçoamento. Exemplos: depósito, comodato, mútuo. É dizer, a vontade das partes ou o cumprimento de uma solenidade é insuficiente! Exige a tradição ou efetiva entrega da coisa. O penhor, no caso, se constitui por contrato real, mas se classifica como direito real.

b)     Contrato Formal (exige solenidade)

Exige a forma escrita, por instrumento público ou particular.

c)      Exige registro em cartório.

O registro não é pressuposto para a validade do contrato, mas condição para a produção de efeitos perante terceiros. Lembrar da escada ponteana, do plano da existência, validade e eficácia. O registro, portanto, é uma condição para que o contrato produza efeitos. Em outras palavras, o registro é condição eficacial, mas não de validade.

d)     Admite o Sub-penhor

Admite-se o sub-penhor, salvo disposição contrária.

e)      Gera direito de retenção para o credor pignoratício.

Engraçado porque a lei proíbe o pacto comissório, ou seja, o credor real não pode ficar o bem para si; ele deve sempre executá-lo, mas, embora não tenha o direito de ficar com o bem para si, ele tem o direito de retenção (direito de se manter com a coisa até que sejam pagas as eventuais despesas)

Lembrar das despesas com o gado. O credor real pode ter arcado com despesas com veterinário.

f)       Possibilidade de exigência de caução ou substituição do bem, no caso de perecimento ou deterioração do bem.

Nota-se que a regra se aplica mesmo na hipótese de perda ou deterioração sem culpa! Havendo recusa, ocorre o vencimento antecipado da dívida.

g)      Direito de Indenização do credor pelas despesas e vícios sobre a coisa

A responsabilidade é objetiva!

6.      Espécies de Penhor

A sistemática do Código divide o instituto em dois ramos. Penhores convencionais e penhores legais (ou especiais, na terminologia empregada por Cristiano Chaves). É melhor chamar esse última classe de penhores especiais, pois o penhor convencional (que também está previsto em lei) está submetido às regras gerais do instituto (ou seja, todas as regras anteriormente estudadas), e os penhores chamados de legais (especiais) sujeitam-se a regras peculiares.

São espécies, portanto de penhor:

è Penhor convencional (regras gerais)
è Penhor especial
- rural (agrícola/pecuário)
                       - industrial/mercantil
                       - direitos
                       - veículos
                       - por força de lei.

6.1.Penhor Rural

Essa categoria de penhor é específica em relação ao convencional por apresentar as seguintes peculiaridades:

a)      Registro no Cartório de Registro de Imóveis

A peculiaridade é importante, pois, tratando-se de bem móvel, é intuitivo imaginar que o registro deveria ser feito no Cartório de Títulos e Documentos. Portanto, atentar-se para a diferença.

b)     O objeto

Abrange objetos da agricultura e pecuária, além de bens móveis por antecipação (o que Cristiano Chaves chamou de acessões físicas – plantações que, ordinariamente, seriam classificadas como bens móveis)

Ainda no objeto, o penhor abrange a safra do ano seguinte, caso a safra dada em garantia não seja suficiente para saldar a obrigação principal.

c)      Prazo máximo de duração

Tem prazo máximo de 3 anos para o agrícola e 4 para o pecuário.

d)     A posse do bem fica com o devedor pignoratício

A lei dispensa a tradição para a constituição do penhor. Essa é a principal característica, pois como o devedor vai cumprir a obrigação se ele entregar o objeto para o credor real?

Não obstante a posse permanecer com o devedor, o credor tem direito de vistoria ou de inspeção, o qual deve ser exercido sem abuso, é claro.

Além disso, apesar de ter a posse, o devedor pignoratício não pode alienar o bem, sob pena de vencimento antecipado.

6.2.Penhor Industrial

As principais características são:

a)      Registro no Cartório de Imóveis
b)      Admite a emissão de Cédula Pignoratícia (representativa). Título de Crédito causal.
c)      Dispensa da tradição em razão do seu objeto (bens da indústria – máquinas)

Portanto, o devedor também se mantém na posse do bem. Da mesma forma, reconhece-se ao credor o direito de vistoria ou inspeção.

6.3.Penhor de Direitos (art. 1452)

Uma terminologia mais apropriada é: caução de título de crédito”

Ora, o penhor de direitos, na prática, é uma caução de títulos de crédito, porque se materializa quando o devedor entrega ao credor documentos representativos de um crédito futuro.

Exemplo: A deve a B, mas tem um crédito de C. B pede uma garantia e A oferece o título de crédito que representa a dívida de C para consigo. Aliás, aqui um exemplo de penhor sobre bem incorpóreo. O Crédito é um bem incorpóreo.

Um detalhe importante: exige-se a notificação do devedor do devedor pignoratício. No exemplo acima, A tem que notificar C. Trata-se de um requisito essencial para que o devedor não diga que pagou errado. Quer dizer: não é requisito de validade.

6.3.Penhor de Veículos

O Código autoriza que o penhor tenha por objeto veículos automotores (art. 1461), mas a espécie apresenta peculiaridades:

a)      Registro no DETRAN (o óbvio lulante)

Sobre o assunto, ver REsp 200.663/SP , sob pena de ineficácia. Ou seja, somente produzirá efeitos entre as partes.

b)     Exige-se o Seguro automotivo

c)      Prazo máximo de 2 anos, prorrogáveis por iguais.

d)     A posse fica com o devedor.

Imagine a situação do taxista. Se ele entregar a posse, como vai gerar renda para pagar a dívida? O veículo não pode ser alienado, sob pena de vencimento antecipado.

6.4.Penhor por força de Lei (art. 1467)

São 4 casos ao todo, dois deles previstos no CC e outros 2 previstos na legislação especial. São 4 credores aos quais a lei lhes garante o penhor, independentemente da prática de qualquer ato.

a)      O hoteleiro sobre os bens móveis do hóspede
b)      O dono do prédio sobre os bens do locatário
c)      O locador industrial sobre os bens da indústria locatária, conforme Dec-Lei 4191/42;
d)     Artistas e Auxiliares cênicos sobre os bens da peça teatral, conforme a Lei 6533/78)

São hipóteses excepcionais de autotutela, pois o credor real tem direito de retenção. O exemplo do hotel é significativo. O hóspede vai saindo sem pagar a conta e o funcionário do hotel pode reter os bens móveis.

No entanto, o art. 874 do CPC exige a homologação judicial do penhor legal. 1º ele retém; depois o juiz homologa.

Aliás, não há prazo decadencial previsto para essa homologação. A lei prevê a expressão in continenti . Portanto, deve ser uma medida imediata.

Ainda sobre o direito de retenção, desponta um assunto interessante. É que o CDC proíbe a cobrança vexatória. Logo, o exercício do direito de retenção deve ser feito forma moderada, sem abusos.

Consequentemente, o camareiro do hotel não pode invadir o quarto do devedor pignoratício, pois, no caso, violaria a privacidade do mesmo. Aqui prevalece uma noção ampliada do conceito de domicílio.


I.                   Hipoteca

1.      Conceito

É um direito real de garantia sobre bens imóveis. Consequentemente, dispensa a tradição (ou seja, o devedor hipotecário permanece na posse do bem), mas exige o registro no Cartório de Registro de Imóveis para que tenha eficácia perante terceiros.

Portanto, se a hipoteca não for registrada ela terá validade entre as partes; só não terá validade contra terceiros.

2.      Indivisibilidade da Hipoteca

A indivisibilidade significa que, mesmo que a dívida tenha sido parcialmente paga, a garantia se mantém íntegra. Em face dessa característica, só haverá extinção da garantia com a quitação total da dívida.

Sucede que o bem hipotecado pode valer muito mais que a dívida (tenho uma dívida de 100, mas ofereço um imóvel que vale 400) Ou seja: o bem dado em garantia pode ter uma idoneidade financeira muito maior do que a dívida garantida, mas nem por isso a hipoteca deixará de ser indivisível.

Em contrapartida, apesar de ser indivisível, admite-se a sub-hipoteca ou hipoteca de diferentes graus.

3.      Hipoteca de Diferentes Graus / Sub-hipoteca (1476)

4.1.Preferência na Execução

Admite-se a constituição de mais de uma hipoteca sobre o mesmo bem, conforme o artigo 1476, isto é, a pluralidade de hipotecas sobre o mesmo bem.

A tem uma dívida de 100 e deu um imóvel no valor de 400 em garantia. A idoneidade é maior. Portanto, “A” pode constituir novas hipotecas sobre o mesmo bem, e a constituição das novas hipotecas, independe da anuência do credor hipotecário de grau antecedente, pois ele não será afetado em nada. Alias, o credor hipotecário de grau antecedente terá preferência na execução da coisa. Em outros termos, quem primeiro executa é o credor hipotecário de primeiro grau; depois o segundo, o terceiro e assim sucessivamente.

4.2.Vencimento Antecipado da Dívida do Credor Hipotecário de Grau Subsequente

E se a dívida do credor hipotecário de grau subsequente vencer antecipadamente? Para a solução, abrem-se 2 alternativas:

a)      Pagamento da Dívida do Credor Hipotecário Antecedente e sub-rogação nos Direitos

A primeira alternativa é: o credor hipotecário de segundo grau paga a dívida do credor hipotecário antecedente e sub-roga-se no direito de crédito deste contra o devedor. Nesse caso, ele passa a executar a coisa como um todo para si.

Retomando o exemplo, A contrai dívida de 100 com B e entrega o imóvel I, no valor de 400, para B. Posteriormente, A contrai nova dívida, de 200, com C e lhe entrega o mesmo imóvel como garantia. A dívida de C vence em primeiro lugar. C pode executar a hipoteca? Não, na primeira alternativa, ela quita a dívida de B, sub-roga-se no direito, e se torna credora de 300 e pode executar a dívida como um todo, face a indivisibilidade da hipoteca.

b)     Aguarda a execução da dívida pelo credor hipotecário de grau antecedente.

Segunda alternativa: Por esse caminho, o credor hipotecário não paga a dívida do anterior e ocorre o vencimento antecipado. Essa não é a alternativa mais interessante, pois, nesse caso, quem tem preferência na execução é o credor hipotecário antecedente (de 1º grau). Só depois da execução da dívida, pelo credor hipotecário preferencial, é que o credor subsequente poderá satisfazer seu crédito.

5.      O Real Aproveitamento do bem.

A constituição de uma hipoteca não retira do devedor hipotecário nem a posse e nem a livre disposição do bem, ou seja, não obsta o real aproveitamento da coisa. E se isso é verdade, o devedor hipotecário pode desmembrar, lotear, alugar, constituir um direito real de gozo, como o usufruto e a anticrese, por exemplo, pode dar em comodato, assim como alienar a coisa. (vender, doar). Inclusive, é nula toda e qualquer cláusula que impeça a alienação do bem hipotecado (art. 1475)

Por outro lado, admite-se uma cláusula que estabeleça o vencimento antecipado na hipótese de alienação, tudo isso porque a hipoteca não retira o real aproveitamento da coisa.

Mas poderia se perguntar: o credor hipotecário não ficaria prejudicado? Não porque os interesses do credor hipotecário estão resguardados (a hipoteca é indivisível). O problema é de quem adquire, pois em caso do não pagamento da dívida, o credor hipotecário poderá executar o bem. Como direito real, a hipoteca confere o direito de sequela e oponibilidade erga omnes.

Uma ressalva deve ser feita, a respeito das hipotecas regidas pela Lei 8004/90, no âmbito do Sistema Financeiro de Habitação (hipotecas do SFH). De acordo essa lei, a alienação do bem hipotecado exige a interveniência do credor hipotecário, no caso, do agente financeiro.

É uma hipótese excepcional que se justifica em razão da natureza da operação concretizada (juros, prazos de amortização etc). Assim, a CEF vai interferir para verificar se o adquirente possui a mesma capacidade financeira do devedor hipotecário primitivo. (Ao que parece ocorre a modificação no polo passivo da relação obrigacional. O mutuário passa a ser o adquirente do imóvel. Confere produção??)

Ademais, já se discutiu sobre a legalidade da disposição normativa no STJ. Neste sentido, vide REsp 857.548/SC. Nesse julgado, o STJ confirmou que as hipotecas do SFH estão afastadas da regra geral do Código Civil.

Ou seja: nas hipotecas do SFH não se aplica as regras da livre disposição. Não significa que não se pode alienar, mas o ato deve ser precedido de prévia interveniência da instituição financeira. Isso ficará condicionado à análise de crédito, e como esta análise é rigorosa, o que ocorre, na prática, é a realização de contrato de gaveta entre os envolvidos.

Observação: Como a hipoteca é ato de oneração de bem imóvel, exige, por consequência, o consentimento do cônjuge (art. 1647). A chamada venia conjugal, exceto se o matrimônio foi celebrado sobre o regime convencional de bens ou no de participação final nos aquestos, se previsto no pacto essa possibilidade. Não esquecer que a outorga é exigida no casamento sob o regime de separação obrigatória, por força da Súmula 377 do STJ.

6.      Objeto da Hipoteca

Todo e qualquer bem imóvel, inclusive com os seus acessórios.  Não esquecer que o art. 1473 prevê a hipoteca sobre navios e aeronaves. Quando se fala em qualquer bem imóvel, deve-se interpretar da forma mais ampla possível, para abarcar estrada férrea, domínio útil, direito de superfície etc.

E quando a hipoteca recair sobre aeronaves navios, fica dispensada a outorga conjugal, pois a norma restritiva deve ser interpretada de forma estrita. Quer dizer: é considerado bem imóvel somente para fins de hipoteca!

a)      Extensão do objeto

Quanto a extensão do objeto, deve-se salientar que a hipoteca envolve o bem principal e seus acessórios. No entanto, não envolve as pertenças, salvo previsão legal em sentido contrário, já que as pertenças são categorias próprias, com função específica, não estando submetidas à teoria da gravitação.

b)     Bens que não admitem hipoteca.

Apenas não se pode constituir hipoteca sobre herança e sobre imóveis gravados com cláusulas restritivas (art. 1711)

c)      Imóvel pertencente a incapaz

Nesse caso, a constituição só é admitida mediante alvará judicial com prévia oitiva do MP.

d)     Hipoteca sobre bem de família.

A questão gerou muita polêmica, pois a hipoteca é uma das hipóteses de autorização de penhora do bem de família, nos termos do art. 3º da Lei 8009/90. Assim, conforme posição firmada no STJ, o hipoteca sobre bem de família é possível, desde que a dívida garantida reverta em prol do núcleo familiar.

Já se questionou na prova de Delegado da Polícia Civil do Estado de Goiás. Uma pessoa deu imóvel para garantir dívida de irmã.

7.      Espécies de hipoteca.

a)      Hipoteca convencional.

É a espécie que se subordina às características gerais. Dispensa a tradição, exige o registro, é indivisível. A hipoteca convencional tem prazo máximo (o chamado prazo de perempção) de 30 anos, renovável, conforme o artigo 1498. Esse prazo não se aplica às demais espécies.

Aliás, as hipotecas convencionais podem ser representadas por título de crédito, tornando-se, com isso, as chamadas hipotecas cedulares, o que facilita a sua circulação.

b)     Hipoteca Judicial

É uma hipoteca de índole processual, pois se trata de uma garantia de cumprimento da sentença condenatória. Está sujeita ao registro, naturalmente.

c)      Hipoteca Legal (art. 1489)

É um instituto semelhante ao penhor legal. Determinadas classes de credores são contemplados com esse benefício por expressa disposição legal, independentemente da vontade do devedor.

Afinal, quem são os credores hipotecários legais:

è Pessoa Jurídica de Direito Público sobre os imóveis dos servidores da Arrecadação Tributária. Quem é servidor é devedor hipotecário legal.

è Os filhos, sobre os imóveis dos seus pais, quando se realizar novo casamento sem inventário dos bens do casamento anterior.

è O ofendido e seus herdeiros sobre os imóveis do criminoso, para o pagamento da indenização e das despesas do processo.

è O co-herdeiro sobre os imóveis arrematados em relação à reposição de herança.

Para ilustrar esta última situação, imagine uma herança em favor de três pessoas. Suponha que um deles pediu autorização para ficar com o imóvel, isso com anuência dos demais. Esse imóvel é vendido e o dinheiro é entregue a um dos herdeiros. No entanto, no final da partilha descobre-se que o dinheiro que aquele herdeiro levantou é superior ao quinhão que lhe seria realmente devido no final da partilha. Assim, o herdeiro tem de repor o valor em excesso; enquanto isso, os demais herdeiros têm hipoteca legal sobre seus imóveis.

d)     O credor sobre o imóvel arrematado para garantia do pagamento do preço restante. 

Atenção porque o CPC, no artigo 1205, exige especialização da hipoteca legal em juízo, mediante procedimento de jurisdição voluntária.

III.             Alienação Fiduciária em Garantia

1.      Introdução

Trata-se da espécie mais comum no Brasil e também a mais antiga. Tem origem no Direito Romano, através da figura do “fiducia cum creditore”. Por este instituto, permitia-se a transferência da propriedade de um bem como garantia de dívida. Neste instituto estão as raízes da alienação fiduciária. Hoje ela é o direito real de garantia mais amplo e com instrumentos processuais mais eficazes

2.      Conceito

É o direito real de garantia pelo qual o devedor transfere o título de propriedade de um bem o credor. No caso, o credor passa a ser o proprietário até que a dívida seja efetivamente quitada.  Trata-se de propriedade resolúvel, pois uma vez quitada a dívida, extingue-se automaticamente a propriedade do credor fiduciário. (teoria da gravitação)

Assim, se a extinção é automática, significa que todo e qualquer ato praticado depois da quitação terá natureza eminentemente administrativa.

3.      Objeto

Podem ser objeto de alienação fiduciária tanto bens móveis como imóveis, inclusive, bens que já pertenciam ao devedor, nos termos da Súmula 28 do STJ (chamado refinanciamento)

4.      Características e formalidades

O bem permanece na posse do devedor, não sendo necessária a tradição para a constituição da garantia. Por outro lado, exige-se o registro para que sejam produzidos os efeitos perante terceiros. A respeito do assunto, inclusive, conferir a Súmula 92 do STJ e 489 do STF.

5.      Credores Fiduciários

Toda pessoa física e jurídica tem legitimidade para se tornar credor fiduciário, e não apenas instituições financeiras.

6.      A possibilidade da Cláusula Comissória

Na alienação fiduciária não se aplica a regra geral de vedação do pacto comissório, pois o artigo 66, b, §3º da Lei 10.931/04 permite que o próprio credor, quando a dívida não for paga, fique com o bem para si.

7.      Cessão de Crédito/Débito

Além disso, a modalidade também permite a cessão de crédito e de débito. A primeira independe da anuência do devedor. O credor fiduciário cede a sua posição, mas a recíproca não é verdadeira. A cessão de débito exige a anuência do credor.

Sobre o assunto, lembrar da regra do art. 304, a respeito do pagamento feito pelo terceiro interessado e o não interessado. Relembrando, o primeiro tem sub-rogação e o segundo apenas mero direito de reembolso.

No entanto, na alienação fiduciária, seja o pagamento feito por terceiro interessado como pelo não interessado, não se aplica o art. 304, e o pagamento feito pelo terceiro gera sempre sub-rogação. A situação é corriqueira e se repete nos contratos em que bancos quitam dívidas de seus clientes (compra de dívidas, banco intermedium) e sub-rogam-se nos seus direitos, apesar de, tecnicamente, não ostentarem a condição de terceiro interessado, já que não podem ser atingidos pela dívida.

8.      Bem Fiduciário e Patrimônio de Afetação

A lei 10931/04 transformou o bem fiduciário em patrimônio de afetação. Por este instituto, o bem fiduciário fica afetado ao cumprimento daquela obrigação. Assim, nem os credores do devedor e nem os do credor fiduciário podem penhorar o bem, pois ele está vinculado à obrigação.

No entanto, embora não seja possível a penhora do patrimônio de afetação, é possível a penhora de créditos. Os pagamentos mensais. 

Direitos Reais na Coisa Alheia de Fruição
I.                   Enfiteuse

1.      Conceito.

É o mais amplo dos direitos reais na coisa alheia, pois pela enfiteuse são transferidos todos os poderes que compõem o domínio (art. 1228) para o respectivo titular.

Art. 1228 – Poderes do domínio
Uso
Gozo / fruição
Livre disposição
Reivindicação

Pela enfiteuse (emprazamento ou aforamento) o enfiteuta (ou o foreiro) recebe todos os poderes do domínio. Nessa condição, ele tem efetivamente o domínio útil e direto da coisa. Por outro lado, o proprietário, que passa a ser chamado de “senhorio” (o nome é bem sugestivo, pois ele somente tem o título – é o senhor da coisa”).

Em contrapartida, o enfiteuta assume uma obrigação de pagar uma contraprestação certa, invariável e anual, denominada foro, pensão ou canon. Devido a essas características, o foro anual gira em torno de centavos.




2.      Natureza Jurídica do foro, pensão ou canon

Representa uma obrigação propter rem que adere à coisa e quem assumir a condição de enfiteuta assume a responsabilidade pelo pagamento de eventuais foros não pagos.

3.      Responsabilidade pelo pagamento de Impostos

No REsp. 267.099/BA, o STJ firmou entendimento de que cabe ao enfiteuta/foreiro a obrigação de pagamento dos impostos, justamente pelo fato de ser ele o detentor de todos os poderes do domínio. Logo, é ele que responde pela tributação sobre o bem.

Com essa interpretação o STJ acabou por ampliar o rol de prestação do foreiro.

4.      O Laudêmio

O Laudêmio é uma prestação de 2,5%, salvo disposição contrária, nas alienações onerosas ou dações em pagamento que deve ser paga pelo enfiteuta ao senhorio.

5.      A Enfiteuse e o Código Civil de 2002 (art. 2038)

Em síntese, o foreiro recebe os poderes do domínio, mas não o título, e paga a prestação anual (foro), mas se vender o bem deve pagar o laudêmio. Tal situação pode levar ao raciocínio de que a enfiteuse é um excelente negócio para o enfiteuta, mas na verdade ela não é boa para ninguém.

Para o senhorio dispensa comentário, pois o mesmo só conserva o título e o direito de receber uma quantia insignificante a título de foro. Por outro lado, para o enfiteuta também não é bom, porque, como ele não se apresenta como proprietário, a coisa não tem o mesmo valor de venda. A enfiteuse também não é boa para cumprir a função social.

Ora, o senhorio não terá comprometimento algum com a função social, pois já não tem poderes sobre a coisa. Noutro extremo, o enfiteuta poderá exercer os poderes de forma abusiva, diante da falta de limites ao seu exercício. Neste sentido, diz-se que a enfiteuse está em rota de colisão com a função social.

Justamente por isso, o CC de 2002 proíbe a Constituição de Enfiteuse e Subenfiteuse, mas dispõe que as já existentes continuam a ser reguladas pelo CC/16. Eis um exemplo eloquente de ultratividade da norma civil. 

E para desestimular de vez a constituição de novas enfiteuses, o CC vai além. Neste sentido, o parágrafo único do art. 2038 veda a cobrança de laudêmio ou prestação análoga nas transmissões de bem aforado, sobre o valor das construções ou plantações, assim como de subenfiteuses.

A redação do inciso I leva ao entendimento de que o percentual do laudêmio incide sobre o valor do terreno. Pela aula de Cristiano Chaves, o autor argumenta que o senhorio das enfiteuses já constituídas não pode cobrar mais laudêmio.
Se for esse o entendimento aplicável à norma, há nítido estímulo para que o senhorio compre o bem do enfiteuta, pois se não o fizer, o enfiteuta pode alienar o aforamento e não é mais obrigado a pagar qualquer quantia ao senhorio. Ver essa questão em outros materiais, pois, a partir de uma interpretação literal, é possível argumentar que o laudêmio ainda pode ser cobrado, mas deve incidir sobre o valor do terrreno, e não das acessões.

De qualquer forma, é certo que o que se procura é um esvaziamento do instituto. Mas não se pode olvidar que as enfiteuses já cumpriram importantíssimo papel no Direito Brasileiro, permitindo, com isso, o povoamento de regiões inóspitas no país.

Entretanto, no mundo globalizado em que vivemos, o instituto deixou de ter sua importância.

6.      Enfiteuse de terrenos de marinha

A enfiteuse dos terrenos de marinha é regulada pela Lei 9636/98 e Dec-Lei 2398/87. Importante alertar que o instituto enfiteuse de terras públicas e de terrenos de marinha se incluem no rol da matéria do direito administrativo.

De qualquer modo, é importante destacar que essas modalidades de enfiteuses apresentam duas características que as diferenciam consideravelmente das enfiteuses comuns, vejamo-las:

è O foro, pensão ou canon anual é reajustável;
è Não admitem resgate pelo foreiro (o resgate é a possibilidade do foreiro adquirir o título) à a regra é corolário de que os bens públicos são inalienáveis.

7.      Características da Enfiteuse

a)      Incide sobre Terras Incultivas (sem cultura) ou Terrenos para Edificação

O objeto serve mesmo para incentivar / estimular o enfiteuta de desempenhar alguma função ou realizar algo na propriedade.

b)     É perpétua

A morte do foreiro implica transmissão da enfiteuse aos herdeiros pela sucessão causa mortis. Ela não se extingue com a morte do foreiro.

c)      Não mas admite o recolhimento do laudêmio

Art. 2038,§1º do CC.

d)     Admite Co-enfiteuse (enfiteuse constituída simultaneamente em favor de duas ou mais pessoas)

O condomínio está para a propriedade, assim como a co-enfiteuse está para a enfiteuse.
Nesse caso (de co-enfiteuse) deve se eleger um administrador ou síndico, que atende pelo simpático nome de cabecel, o qual deverá se nomeado no prazo de 6 meses contados da constituição da co-enfiteuse, após o que a nomeação poderá ser feita pelo senhorio.

e)      Não mais se admite sub-enfiteuse.

f)       Direito Recíproco de Preferência

O enfiteuta, que detém todos os poderes, pode praticar quaisquer atos sobre o bem, como alienação, locação, dação em pagamento. E se o enfiteuta quer alienar onerosamente, primeiro deve oferecer ao senhorio, caso em que o mesmo compra e enfiteuse e, com isso, esta se extingue pela confusão. Por outro lado, se a alienação é gratuita, não se fala no direito de preferência.

O senhorio também pode querer alienar o título. O difícil é saber quem se interessará por isso. Mas ainda que exista algum interessado, na alienação onerosa, o foreiro tem direito de preferência. Esta é uma oportunidade que o foreiro tem de consolidar a propriedade. Agora, Cristiano Chaves não disse se o foreiro tem preferência na alienação gratuita. Verificar.

g)      Direito de Resgate

É o direito reconhecido ao foreiro/enfiteuta de adquirir o título depois de 10 anos. Esse direito ao resgate pressupõe o pagamento do número de foros correspondentes ao número de anos, além do laudêmio – nº de foros correspondentes ao tempo da enfiteuse + laudêmio à exemplo 15 foros (15 anos) + laudêmio.

E atenção: Não se aplica a regra do artigo 2038,§1º que veda a cobrança do laudêmio, pois a vedação da cobrança se dirige à transmissão do direito, mas não no exercício do direito de resgate.

h)     Possibilidade de Ocorrência do Comisso 

É a possibilidade de extinção da enfiteuse pelo decurso do prazo de 3 (três) anos consecutivos sem o pagamento do foro. Muito justo, porque a pensão já é certa, anual e invariável. Aqui tem aplicação a Súmula 122 do STF cujo enunciado dispõe que: “O enfiteuta pode purgar a mora enquanto não decretado o comisso por sentença”.

8.      Comentários Finais

a)      Enfiteuse de Terras Públicas.

A Enfiteuse pode ser constituída por:

è Vontade do titular
è Por decisão judicial
è Por lei

A rigor, portanto, a enfiteuse depende da vontade do titular. Porém, atente-se que mesmo contra a vontade do titular, pode ser constituída uma enfiteuse por decisão judicial. Trata-se da usucapião de enfiteuse (o que seria possível se provado o ânimo de ser enfiteuta)

Sobre o tema, uma pergunta: é possível usucapir enfiteuse de terra pública. Ver o leading case REsp 154.123/PE e o REsp. 575.572/RS. Nesses dois julgados, o STJ reconheceu a possibilidade de usucapião de enfiteuse de terras públicas. O tema inclusive foi cobrado em prova da magistratura federal da 4ª Região.

De fato, o tema pode gerar dúvida, pois a lei veda o usucapião de terras públicas. No entanto, admite-se a usucapião não somente de enfiteuse, mas de todo direito real na coisa alheia de terra pública, pois, neste caso, o usucapiente não está adquirindo a propriedade, mas um, alguns ou todos os poderes do domínio.

Inclusive, essa possibilidade de usucapião de enfiteuse reafirma que a propriedade é do Estado. Essa hipótese acontece porque antigamente os particulares celebravam enfiteuse de forma verbal com o poder público e ao longo dos anos a Administração recolhia os foros ou laudêmios.

b)     Extinção da Enfiteuse

Extingue-se a enfiteuse por:

Resgate; Comisso; Exercício do direito de preferência; Perecimento da coisa; Desapropriação; Distrato e morte do foreiro.

è Morte do foreiro

Atenção para esta última forma de extinção. Haverá extinção da enfiteuse pela morte do foreiro quando ele não deixar sucessores. No caso, se fossem aplicadas as regras gerais do Direito das Sucessões, na falta de herdeiros sucessíveis, quem recolhe o patrimônio é o Estado. Fosse aplicada a regra à enfiteuse, o senhorio não poderia exercer o direito de preferência e com isso a possibilidade de consolidar a propriedade. Sendo assim, com a morte do herdeiro que não deixou sucessores, a propriedade se consolida em favor do senhorio.

II.                Servidão

1.      Introdução

Etimologicamente, servidão advém da palavra latina “servitus” que dá ideia de prestar serviço ou gerar utilidades. Pois bem, a servidão nada mais é do que um direito real entre prédios. Por isso alguns autores clássicos a chamam de servidão predial. A expressão é tautológica, pois se trata de uma repetição desnecessária, já que não é possível uma servidão pessoal (o que representaria prática análoga à escravidão). Por isso, toda servidão é predial.



2.      Conceito

Assim, servidão é o direito real constituído entre diferentes prédios pelo qual um deles gera uma utilidade ou vantagem que o outro naturalmente não teria. Chama-se atenção novamente que a servidão é instituída entre prédios! Não se relaciona com os titulares.

Exemplificando, na zona rural pode acontecer de um prédio não tenha acesso à água, o que pode ser feito através de outro prédio (servidão de água). Noutro caso, pode ocorrer de um prédio ter um melhor acesso rumo à praia (servidão de passagem).

3.      Cessão da Servidão

Em consequência desta relação entre a servidão e os prédios, é certo afirmar que não é possível a cessão, gratuita ou onerosa, da servidão exclusivamente. Apenas se o prédio for alienado, a servidão o acompanhará, pela regra da gravitação.

4.      Características da Servidão

a)      Constituída entre diferentes prédios e não entre os seus titulares;

b)     Tem natureza de obrigação propter rem

A servidão é um direito real sui generis, pois a utilidade ou vantagem gerada pelo direito real acompanha o prédio. Assim, se o prédio for alienado, ela segue o prédio.

c)      Prédios Pertencentes a Proprietários Diferentes

É preciso que os prédios pertençam à proprietários distintos, pois do contrário haverá uma mera serventia, que constitui relação puramente obrigacional. E a razão é simples: o proprietário tem amplitude dos poderes sobre ambos os prédios.

d)     Utilidade ou vantagem gerada para o prédio e não para o dono.

Se a vantagem é de ordem pessoal, não caracteriza a servidão.

e)      É inalienável

f)       Perpetuidade

A morte do titular não extingue a servidão.

g)      Não se presume

Significa que ela só pode ser constituída pela vontade das partes; por força de lei, ou por decisão judicial.




5.      Usucapião da Servidão de Passagem

Nas regiões litorâneas é comum o loteamento de terrenos na frente da praia. Imagine que o vizinho localizado a três quadras da praia e que construiu sua casa tenha que dar a volta nos quarteirões para ter acesso à avenida principal. Nesse caso, é natural que o proprietário escolha o caminho mais prático. Quando isso ocorre por muito tempo, pode se pleitear a usucapião da servidão de passagem.

6.      Classificação da Servidão

Existem dois critérios de classificação para a servidão, são eles: a) contínuas ou descontínuas e b) aparentes e não aparentes

a)      Contínuas ou Descontínuas

Para saber se é contínua ou não é preciso verificar se há necessidade de intervenção humana para o seu exercício. Assim, se houver necessidade de atuação humana, é servidão descontínua; do contrário, se não for preciso atuação humana, trata-se de servidão contínua.

è Servidão contínua à NÃO HÁ necessidade de intervenção humana
è Servidão descontínua à há necessidade de intervenção humana.

b)     Aparentes ou não aparentes

Por outro lado, o segundo critério leva em conta a possibilidade de visualização externa da servidão. Neste sentido, diz-se que a servidão é aparente quando ela é visível externamente e, pelo oposto, diz-se não aparente a servidão que não é visível.

Vamos aos exemplos: aqueduto subterrâneo à é não aparente;
servidão de trânsito (passagem de veículo) à servidão aparente.

A importância da classificação está na proteção possessória e na usucapião. A respeito, a Súmula 415 do STF. “Servidão de trânsito não titulada, mas tornada permanente, sobretudo pela natureza das obras realizadas, considera-se aparente, conferindo direito à proteção possessória.”  Via de consequência, também admite usucapião.

c)      Servidões positivas e negativas

Por fim, as servidões podem ser ainda classificadas em positivas e negativas, pois, afinal, ela pode ser constituída por uma conduta comissiva ou omissiva (ação ou abstenção). Por exemplo: na servidão de vista (não construir acima de um determinado andar), tem-se um caso de servidão negativa. De outro norte, a servidão de trânsito é naturalmente uma servidão positiva (que se exerce por ação)

7.      Mecanismos Processuais para a Defesa das Servidões

São dois os mecanismos processuais:

è Ação negatória: Serve para negar a existência de uma servidão.

è Ação confessória: Serve para reconhecer a existência de uma servidão.

8.      Extinção da Servidão

O não uso pelo prazo de 10 anos implicará extinção da servidão. Há maior dificuldade de se provar o não uso nas servidões negativas.

9.      Direito Real de Servidão e Passagem Forçada.

No conceito de servidão foi visto que ela é uma vantagem ou utilidade que um prédio naturalmente não teria. Já passagem forçada é direito de vizinhança, pelo qual um prédio garante acesso à via pública.

Se o prédio está encravado, ele faz jus à passagem forçada. O dono do prédio que dá acesso não pode se recusar a permitir a passagem, pois é direito de vizinhança. É claro que a servidão deve ser feita de forma menos onerosa aos vizinhos.

Agora, se há um caminho para o acesso, ainda que não seja o melhor, o interessado deve negociar com o vizinho para constituir a servidão por negócio jurídico. Caso não tenha êxito na negociação, deve pleitear a constituição da servidão em juízo.

O certo é que os institutos, apesar das semelhanças, não se confundem.

III.             Direito Real de Superfície

1.      Conceito

É o direito pelo qual se confere a um terceiro as faculdades de usar e fruir a superfície de um imóvel pertencente a outrem. Advirta-se que os poderes de usar e fruir trazem a possibilidade de construir e plantar no imóvel.

2.      Direito Real de Superfície e Função Social.

O instituto guarda íntima relação com a função social, pois se o proprietário não tem condições financeiras para investir no imóvel ele estará em uma situação complicada. Isso porque o Estatuto da Cidade, Lei 10.257/01, impõe a obrigação de cumprir a função social, sob pena de aplicação de IPTU progressivo, edificação compulsória e, em último caso, desapropriação com pagamento em títulos da dívida pública. Aliás, o Chefe do Executivo que não cumprir as medidas incorre em ato de improbidade. Por tudo isso, o jeito é dar cumprimento à função social.



E um modo interessante de cumpri-la é constituindo um direito real de superfície. Em outros termos, pode-se dizer que o direito real de superfície é um mecanismo de cumprimento da função social, pois autoriza o seu proprietário a conferir a um terceiro a função social.

3.      Nota Histórica.

O direito real de superfície foi formulado na Europa, mais especificamente em Portugal. Nos países europeus, de dimensões territoriais muito menores que as do Brasil, a necessidade de cumprimento da função social é muito mais emergencial. No caso, observa-se que o instituto surgiu justamente como medida de cumprimento da função social.

4.      Direito Real de Superfície e sua regulamentação

O CC, lei geral e posterior, não revogou expressamente o Estatuto da Cidade, lei especial e anterior. Atualmente há um sistema duplo para regulamentar o instituto. No exame de cada um dos diplomas, pode-se apontar três diferenças:

Estatuto da Cidade (art. 21)
Código Civil (art. 1369)

Campo de aplicação da norma é exclusivo para imóveis urbanos;

O Direito Pode ser por tempo determinado ou não. E se a superfície for por tempo indeterminado, a mora é ex personae;

O direito de superfície abrange o subsolo e o espaço aéreo


Regulamentação voltada para imóveis urbanos e rurais (ou apenas rurais?)

O direito de superfície é sempre por tempo determinado.


Não abrange o subsolo e o espaço aéreo.

Do apanhado acima, pode-se afirmar que o direito de superfície do Estatuto da Cidade é mais amplo do que o do Código Civil.

5.      Direito de Sobrelevação

Aliás, no momento em que se diz que o direito de superfície, no Estatuto da Cidade, abrange o subsolo e espaço aéreo correspondente, diz-se que o Estatuto da Cidade admite o direito de sobrelevação, também conhecido como “direito de lage”

Direito de superfície sobre a lage!

6.      Características do Direito Real de Superfície

a)      Constituição gratuita ou onerosa

Aliás, no silêncio das partes, presume-se gratuito, nos termos do art. 1370 do CC. E quando for oneroso, a contraprestação recebe o nome de canon ou solarium. A periodicidade e extensão da prestação são fixadas pelas partes, no exercício da autonomia privada. 

b)     Pagamento dos tributos

Salvo disposição contrária, o responsável pelo pagamento dos tributos é o proprietário superficiário. Sobre o assunto, ver o Enunciado 94 da Jornada.

c)      Exige registro para a Constituição

Depende de registro do ato constitutivo, por ato inter vivos ou causa mortis. Mas tanto em um caso, como no outro, exige-se o registro no cartório, para a produção de efeitos contra terceiros. Além da constituição pelo registro, vem se admitindo a possibilidade de constituição por cisão do imóvel. Neste sentido, ver o Enunciado 250 da Jornada.

Finalmente, salienta-se a possibilidade de constituição da superfície por usucapião.

d)     Por tempo Determinado ou Não

A característica é exclusiva dos imóveis urbanos, que são regulados pelo Estatuto da Cidade.

e)      Admite cessão a terceiro por ato inter vivos ou causa mortis.

Na hipótese de cessão por ato oneroso, dispõe o p. único do artigo 1372, que não será devido nenhum pagamento ao proprietário, cria-se verdadeira diáspora entre superfície e enfiteuse, no qual se exige o recolhimento do laudêmio na transferência. Portanto, o proprietário não tem direito de receber nenhuma parcela.

Ainda sobre o poder de livre disposição, questiona-se se o superficiário pode dar em garantia o seu direito real de superfície. Neste sentido, o Enunciado 249 da Jornada fixou entendimento de que é possível sim a constituição de direitos reais de gozo e garantia sobre a propriedade superficiária. Por exemplo: hipotecar a propriedade superficiária.

f)       Constitui patrimônios distintos, separados, entre o solo em si mesmo e os bens superficiários.

O proprietário tem o solo e o superficiário os bens da superfície. Assim, é possível a penhora dos bens do superficiário (com exclusão do solo) e vice-e-versa. Neste sentido, conferir o Enunciado 321 da Jornada. Esse é um grande atrativo do direito de superfície, pois cada um responde pelo seu patrimônio. Há uma divisão muita clara entre o solo e os bens superficiários.

g)      Direito Recíproco de Preferência (art. 1373)

Vale tanto para o proprietário como para o superficiário. Assim, se um deles quiser vender a sua fração patrimonial, deve observar o direito de preferência do outro. Essa disposição tende para a extinção da superfície e consolidação da propriedade. Inclusive, como se pode perceber, o art. 1373 estabelece o direito de preferência, mas não prescreve o modo do exercício desse direito. Segundo Cristiano chaves, o direito é exercido mediante notificação judicial ou extrajudicial com prazo de 30 dias.

Se a cessão ou venda for realizada sem a observância da regra, o ato será ineficaz perante o titular preterido, o qual terá o prazo decadencial de 180 dias para promover a ação de adjudicação compulsória, prazo este que começa a fluir a partir do conhecimento do ato (teoria da actio nata).

Nesta ação de adjudicação compulsória, há um litisconsórcio ativo necessário entre o prejudicado e o adquirente.

Um detalhe: se a alienação for gratuita, não há que se falar em direito de preferência.

7.      Comentários Finais

a)      Mora ex re / mora ex personae

A mora será ex re (automática) quando a superfície é por tempo determinado. E quando for por prazo indeterminado (mas determinável) a mora é ex personae (constituída por notificação)

b)     A Situação dos Bens Superficiários com a Extinção do Direito Real de Superfície.

Salvo disposição em sentido contrário, todos os bens superficiários pertencerão ao proprietário, sem qualquer indenização. A superfície é uma realidade transitória para viabilizar o cumprimento da função social.

c)      Direito Real de Superfície constituído por Pessoa Jurídica de Direito Público.

É regida pelo Código Civil.

IV.             Usufruto

1.      Histórico

Em certo período da história a noção de propriedade era absoluta e individualista. Não se admitia o desmembramento dos poderes dominiais, salvo em caso excepcionais em favor de titulares de direitos reais perpétuos, como é o caso da enfiteuse. Dizia-se, assim, que a propriedade era plena ou alodial.

Já na idade média o desenvolvimento das relações de vassalagem permitiu o surgimento de outros direitos reais, não perpétuos, mas temporários, como se atribuía ao precarista, ao qual se atribuía o direito de usufruto sobre a terra concedida. Nos feudos, concedia-se fração do domínio em troca dos serviços do vassalo.

2.      Conceito (Art. 1.934)

É direito real na coisa alheia, pelo qual um terceiro recebe a possibilidade de retirada de todas utilidades produzidas por um bem frugífero. Ou ainda: é direito real temporário concedido a uma pessoa para desfrutar um objeto alheio como se fosse próprio, retirando suas utilidades e frutos, contudo sem alterar-lhe a substância.

Em termos bem simples, o que acontece no usufruto é uma distribuição das faculdades do domínio. Umas são atribuídas ao usufrutuário, mas remanescem alguns poderes com o chamado nu-proprietário, como ilustra a figura abaixo:

NU-PROPRIETÁRIO
USUFRUTUÁRIO

USO

FRUIÇÃO
DISPOSIÇÃO

REIVINDICAÇÃO


Para ser ainda mais completo, o usufrutuário tem direito à posse, uso, administração e percepção de frutos. Ademais, é possível distinguir, nesse conjunto de faculdades, um conteúdo positivo (o proveito econômico do bem) de um conteúdo negativo (impossibilidade de alteração da substância da coisa).

Para ilustrar, o exemplo de César Fiuza: “Assim, se o usufruto recair sobre pequeno prédio comercial, o usufrutuário não poderá transformá-lo em prédio residencial, sem autorização do nu proprietário[2]

3. Objeto

Pela dicção do art. 1.390 do Código Civil, nota-se que o usufruto admite possibilidades amplas de objeto, incluindo bens móveis, imóveis, direitos, ou mesmo um patrimônio inteiro de uma pessoa (ou parte dele). No entanto, o bem, seja qual for, deve ser um frugívero, que permite o aproveitamento dos seus frutos e utilidades. Do contrário, o bem estará apto para um direito de uso ou habitação.

Eis o teor do dispositivo mencionado:

Art. 1.390. O usufruto pode recair em um ou mais bens, móveis ou imóveis, em um patrimônio inteiro, ou parte deste, abrangendo-lhe, no todo ou em parte, os frutos e utilidades.

Portanto, caso o usufruto recaia sobre direito de crédito sobre um cheque, por exemplo, o usufrutuário, além de estar autorizado a cobrar a dívida para o nu-proprietário, poderá aplicar os valores e, ao término do usufruto, restituirá a importância principal, retendo os juros ou rendimentos, conforme dispõe os artigo 1.395 CC.

Art. 1.395. Quando o usufruto recai em títulos de crédito, o usufrutuário tem direito a perceber os frutos e a cobrar as respectivas dívidas.
Parágrafo único. Cobradas as dívidas, o usufrutuário aplicará, de imediato, a importância em títulos da mesma natureza, ou em títulos da dívida pública federal, com cláusula de atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos.

Como se vê, a lei impõe ao usufrutuário um dever de aplicação imediata dos valores, já que não faria sentido o usufrutuário ter a posse sobre um crédito que não produzisse rendimentos. Neste caso, se o usufrutuário de títulos de crédito não aplica os valores, tem-se por configurada uma das hipóteses de extinção do usufruto, como se depreende do art. 1.410, inciso VII, em sua parte final:

Art. 1.410. O usufruto extingue-se, cancelando-se o registro no Cartório de Registro de Imóveis:

VII - por culpa do usufrutuário, quando aliena, deteriora, ou deixa arruinar os bens, não lhes acudindo com os reparos de conservação, ou quando, no usufruto de títulos de crédito, não dá às importâncias recebidas a aplicação prevista no parágrafo único do art. 1.395;

Todavia, alguns bens e direitos, face às suas características peculiares, estão excluídos da possibilidade de serem objeto de usufruto, tais como:

è Bens gravados com cláusula de inalienabilidade;
è Bem de família
è Direitos intransmissíveis como servidão, uso e habitação
 
4.      Espécies de usufruto

É possível identificar diferentes espécies de usufruto a partir do objeto e da extensão das possibilidades conferidas ao usufrutuário de exploração econômica da coisa. Sendo assim, tem-se o:

a)      Usufruto Particular, que incide sobre bem determinado
b)      Usufruto universal, que recai sobre uma universalidade de bens ou sobre fração ideal de um patrimônio.

c)      Usufruto Pleno, que abrange todos os frutos e utilidades da coisa
d)     Usufruto limitado, que, ao contrário, permite o aproveitamento de apenas parte dos frutos e utilidades da coisa.

Esta delimitação da extensão do direito de fruição sobre a coisa é uma faculdade. As partes podem ou não defini-lo e, em caso de omissão, ter-se-á usufruto pleno.

No entanto, se no imóvel houver florestas ou recursos minerais, tanto a extensão do gozo, como a maneira de exploração deverão ser prefixadas pelas partes, na forma do artigo 1.392,§2º, do Código Civil:

§ 2o Se há no prédio em que recai o usufruto florestas ou os recursos minerais a que se refere o art. 1.230, devem o dono e o usufrutuário prefixar-lhe a extensão do gozo e a maneira de exploração.

Não se pode olvidar, neste aspecto, que as minas, jazidas e recursos minerais são de propriedade da união (art. 20, da CR/88) e não podem ser objeto de usufruto. Não se pode esquecer, também, que deverão ser observadas as normas do direito ambiental, para se evitar uma exploração ilícita ou predatória.

O certo é que, devido à ampla incidência de regras de ordem pública sobre este tipo de objeto, sobra pouco espaço para a autonomia privada. Assim, mesmo se for possível a exploração econômica de florestas e recursos naturais, o contrato deverá fazer menção aos atos normativos que tenham aprovado a extensão do gozo e a maneira de exploração de tais bens.

e)      Quase-usufruto: É o usufruto que tem por objeto bem consumível ou deteriorável, o qual está regido pelas regras do mútuo, em razão da impossibilidade de incidência do dever de restituir.

Ainda por conta do objeto do usufruto, é possível verificar importantes conseqüência no que toca ao momento da constituição do direito real, que pode variar a depender de se tratar de:

a)      Bens imóveis: como regra, a constituição de usufruto sobre bem imóvel surge a partir do registro do título aquisitivo no Cartório de Registro de Imóveis.

Excepcionalmente, como é o caso do usufruto legal dos bens dos pais sobre os filhos (art; 1.689, I, do CC/02), não se exige o registro para o nascimento do direito real de fruição, pois o direito é consectário lógico do dever de administração dos bens que incumbe ao pai. Neste caso, a instituição opera-se por força de lei.

Ademais, no usufruto adquirido via usucapião o registro tem natureza meramente declaratória, pois o direito real foi adquirido, de maneira originária, quando o usucapiente satisfez os requisitos necessários. A própria sentença também tem natureza declaratória.

b)     Bem móvel: (constitui-se com a tradição?). O bem móvel deverá ser infungível e inconsumível, pois o nu-proprietário conserva para si a substância da coisa. Portanto, ao final do usufruto, o usufrutuário tem o dever de restituição do mesmo bem que lhe foi entregue.

Com efeito, só se admite o usufruto de bem móvel, se este for infungível e inconsumível. No entanto, o CC/02 (art. 1.392,§1º) abre uma ressalva para permitir a instituição de usufruto sobre coisas móveis fungíveis que sejam acessórios e acrescidos do bem. Nesta hipótese, tem-se o denominado “quase-usufruto” ou “usufruto impróprio” que incide não sobre o objeto principal do direito, mas sim sobre os seus acessórios e acrescidos, que podem ser fungíveis ou infungíveis.

Vejamos o que dispõe o art. 1.392,§1º sobre o usufruto impróprio:

§ 1o Se, entre os acessórios e os acrescidos, houver coisas consumíveis, terá o usufrutuário o dever de restituir, findo o usufruto, as que ainda houver e, das outras, o equivalente em gênero, qualidade e quantidade, ou, não sendo possível, o seu valor, estimado ao tempo da restituição.

5.      Aplicações do Usufruto nos tempos atuais

Observa-se a aplicação prática do usufruto nas diversas searas do direito civil, como no âmbito das relações familiares (usufruto dos bens dos filhos); nas sucessões, como expressão de vontade testamento; no direito das obrigações (doação com reserva de usufruto) e no direito das coisas, como direito real de fruição.

6.      Características do Usufruto

a)      Direito real, oponível erga omnes. Desta característica resulta que se o nu proprietário alienar o bem, em nada afetará o usufruto.

b)     Natureza alimentar

O usufruto tem natureza alimentar, pois geralmente é constituído com o intuito de atender as necessidades de subsistência do usufrutuário. Também possuem esta característica o direito real de uso e habitação. Já no direito de superfície fica mais nítido o objetivo de exploração econômica, que vai satisfazer interesses não apenas do usufrutuário, como da própria coletividade.

c)      Caráter predominantemente gratuito

Devido à sua natureza alimentar, o comum é que o usufruto tenha caráter gratuito, tanto para a sua constituição, como para o seu exercício.

Aliás, não desnatura o usufruto o fato de ser cobrada uma contraprestação para a sua instituição. No entanto, autores como Cesar Fiúza e alguns clássicos como Pontes de Miranda, Orlando Gomens e Washington de Barros Monteiro afirmam que a cobrança de uma prestação mensal para o exercício dos frutos e utilidades do bem, pelo usufrutuário, acabaria por confundir o usufruto com a locação.[3]
De fato, parece mesmo a razão assiste aos autores citados, pois a cobrança de uma contraprestação representa o exercício do atributo da fruição, pelo nu proprietário, quando na verdade esta faculdade deve ser exercida com exclusividade pelo usufrutuário. Lembremos que o nu proprietário conserva para si apenas a substância da coisa.

d)     Caráter eminentemente temporário (ou por tempo determinável)

Essa característica é a que distingue o usufruto da enfiteuse.

No silêncio das partes, presume-se que é vitalício, quando constituído em favor de pessoa física, ou tem prazo de duração de 30 anos, se instituído em favor de pessoa jurídica. Nada impede, é óbvio, que o direito esteja subordinado a um termo certo ou uma condição, como a que estipula que o usufruto prevalece até que o usufrutuário se case.

Dizer que é vitalício significa que o direito se vincula à pessoa do usufrutuário e, por isso, extingue-se com a sua morte. Ou seja: o direito real não se prolonga para além da vida do usufrutuário (art. 1.410, I)

Em função desta característica peculiar, afirma-se que o usufruto tem um conteúdo personalíssimo (intuito personae)

Além disso, caso os herdeiros do falecido usufrutuário resistam em restituir o bem ao nu-proprietário, este poderá ajuizar ação de reintegração de posse, fundada na sua posse indireta, ou optar pelo juízo petitório, amparando sua pretensão na sua posição de proprietário.

e)      Inalienável /Intransmissível (corolário da segunda característica)

Observa-se que as características listadas giram em torno do caráter personalíssimo do usufruto. Assim, por ser personalíssimo, é temporário (extingue-se com a morte do usufrutuário); por ser personalíssimo, também, diz-se que ele é intransmissível e inalienável, seja por ato inter vivos, como por ato causa mortis, seja de forma gratuita ou onerosa.

Um detalhe: o 1.393, que veda a transmissão é enfático ao estabelecer a proibição e não faz qualquer tipo de concessão.

O impedimento à alienação é de tal ordem que se o usufrutuário, a despeito da vedação legal, alienar o seu direito a terceiros, ocorrerá a extinção do usufruto (art. 1.410, VI), com restituição ao proprietário das faculdades que foram destacadas.

Além do mais, da própria característica da inalienabilidade, por sua vez, afloram algumas conseqüências, como a impossibilidade de constituição de usufrutos sucessivos, ou usufrutos de segundo grau. Por exemplo, não se permite a instituição do usufruto em favor de A por dez anos e, ao termo deste prazo, a instituição automática em favor de B. Não é possível realizar esta situação em apenas um ato.

Em outras palavras, é proibido o usufruto de segundo grau. A dá um imóvel a B em usufruto. Não é possível uma cláusula que transfira o usufruto a C, herdeiro de B. Neste caso, estar-se-ia admitindo a transmudação de usufruto em fideicomisso.

No fideicomisso, a propriedade é exercida sucessivamente. Cristiano Chaves ilustrou a situação da cláusula fideicomissária em ato inter vivos (doação). Porém, é possível a constituição de usufruto simultâneo (constituído em favor de duas ou mais pessoas)

Por outro lado, o nu-proprietário, por ser titular do atributo da disposição, pode alienar a sua propriedade limitada a terceiros sem que isso tenha qualquer influência no direito real de usufruto.

f)       Impenhorabilidade

Indo mais longe, o STJ, ao interpretar a matéria, no AgRegAgIns 851.994/PR, estabeleceu que, além de inalienável, é também impenhorável. Por outro lado, o nu-proprietário pode sofrer a penhora.

g)      Direito renunciável

7.      Distinções necessárias

a)      Usufruto e Enfiteuse

A única característica que aproxima enfiteuse de usufruto é a natureza jurídica dos institutos. Ambos são direitos reais de coisa alheia de fruição. As distinções são múltiplas e fáceis de serem assimiladas, conforme se segue:

Enfiteuse ou Aforamento
Usufruto

ü  Objeto envolve apenas terrenos incultos (bens imóveis)
ü  O enfiteuta tem o domínio útil
ü  Direito real resolúvel[4]
ü  Direito transmissível;
ü  Caráter oneroso (pagamento do foro anual e do laudêmio)


ü  Objeto bens imóveis, móveis e mesmo direitos
ü  Usufrutuário tem o poder de uso e fruição
ü  Caráter temporário
ü  Direito intransmissível
ü  Caráter costumeiramente gratuito

b)     Usufruto e locação

As distinções teóricas podem ser estabelecidas na forma do quadro abaixo. Afinal, o que distingue os direitos do usufrutuário e os do locatário?

Usufruto
Locação

ü  Quanto à natureza jurídica, é direito real na coisa alheia
ü  Erga omnes


ü  Direito obrigacional;
ü  Efeitos inter partes

Para ilustrar a comparação, basta imaginar a hipótese de alienação do imóvel a terceiros. No caso da locação, o exercício do direito de preferência (art. 27, da Lei 8.245/91, assim como se dá na cláusula de vigência em caso de alienação (art. 8º, da Lei 8.245/91), depende da averbação à margem do registro do imóvel. A eficácia em relação a terceiros, portanto, depende da averbação. Do contrário, os efeitos do direito obrigacional do locatário são oponíveis somente ao locador.

Em contrapartida, a eficácia do usufruto em relação a terceiros é absoluta, pois se o nu-proprietário decidir alienar a sua parte a terceiros, isso em nada afetará o direito real do usufrutuário.  

8.      Constituição do Usufruto

a)      Por vontade das partes (negócio jurídico)

Esta forma de constituição resulta diretamente da autonomia privada, mas cabe alertar que nem todo o titular de direito real sobre um bem pode constituir usufruto sobe ele. Para tanto, o instituidor deve titularizar os poderes de uso e fruição da coisa.

Neste caso, não podem constituir usufruto, por exemplo, o credor pignoratício e o credor hipotecário. Já o titular do direito de superfície o promitente comprador e o enfiteuta, por terem os direitos de uso e fruição, estão, ao contrário, legitimados a tanto.

Visto que os legitimados são aqueles titulares sobre direitos de uso e fruição, o ato do qual se origina o direito real, geralmente gratuito, mas que não exclui a forma onerosa,pode ser inter vivos ou mortis causa, ou seja, por negócio jurídico ou por testamento.

Nesse caso, deve-se atento com uma ligeira variação, pois quando constituído por negócio jurídico, a constituição pode se dar por:

è Alienação

É a hipótese mais usual. “Na alienação do usufruto em caráter inter vivos, o proprietário mantém a nua propriedade, transferindo o direito real de usufruto a outrem, por meio de contrato. Exemplo: A concede a B o usufruto de seu imóvel por 30 (trinta) anos.

è Sucessão causa mortis

Trata-se da constituição do usufruto originada por disposição de última vontade. Neste ato, o testador institui o nu-proprietário e o usufrutuário, este último na condição de legatário, em se tratando de bem específico, ou de herdeiro, caso se trate de fração ou integralidade de um patrimônio. Na omissão do testamento, presume-se ser vitalício o usufruto em prol do usufrutuário legatário ou herdeiro, salvo se for pessoa jurídica, quando a lei prevê um prazo de 30 anos (art. 1.410, III[5])

è Cláusula de Retenção do Usufruto (Usufruto deducto)

Trata-se da modalidade de constituição do usufruto que resulta do contrato de doação com cláusula de reserva do usufruto. Nesta hipótese, o doador aliena a nua propriedade em favor do beneficiário, mas reserva para si o direito real de usufruto. Para efeitos fiscais, o ITBI incidente na alienação da nua propriedade corresponde a 2/3 do valor venal do imóvel, nos termos do Decreto 46.228/05, art. 9º.
É muito comum os pais doarem a nua propriedade para o filho e reservarem para si o usufruto vitalício sobre o bem.

Nada impede, também, que esta cláusula de retenção seja inserida em contrato oneroso como na compra e venda. Alguém pode estar disposto a pagar um preço atraente pela nua propriedade, enquanto o vendedor permanece com o usufruto. Tudo depende das estratégias do caso. É perfeitamente possível identificar situações em que o usufruto se apresenta como forma interessante para atender os interesses das partes.

Por outro lado, esta modalidade pode ser utilizada como artifício para fraudar credores, caso aquele que doou com cláusula de retenção já estava insolvente, ou por ocasião da alienação, venha a tornar-se. Em tais casos, o credor quirografário pode propor a ação pauliana, como lhe autoriza o art. 158 do CC. (REsp 34.271/SP)

b)     Decisão judicial / Usufruto Judicial

Esta modalidade está prevista no artigo 708 do CPC e surge como alternativa, em um processo de execução, para a satisfação do crédito do exeqüente. Assim, ao invés de receber o valor ou adjudicar a coisa, o credor pode requerer o usufruto judicial do bem penhorado, para extrair dele os frutos e rendimentos, enquanto o devedor permanece com a propriedade da coisa. No caso, os rendimentos são aplicados periodicamente no saldo da dívida para a sua progressiva amortização.

Neste sentido, dispõe o artigo 708 do CPC:

Art. 708. O pagamento ao credor far-se-á:
I - pela entrega do dinheiro;
II - pela adjudicação dos bens penhorados;
III - pelo usufruto de bem imóvel ou de empresa.

Verificar hipótese concreta de aplicação desta forma de expropriação no âmbito da Seção Especializada em Dissídios Individuais do TST: (ROAG 1231/2006-000-15-00.2 – j. 14.08.2007)

c)      Por força de Lei (Usufruto Legal)

É a modalidade em que a lei “institui em caráter protetivo, em atenção especial a determinadas pessoas que se encontrem em presumível estado de vulnerabilidade.”

A hipótese mais conhecida é a do usufruto dos bens dos filhos pelos titulares do poder-dever familiar. Assim, conforme o artigo 1.689, os pais têm o usufruto dos bens dos filhos enquanto durar o poder familiar.

Art. 1.689. O pai e a mãe, enquanto no exercício do poder familiar:
I - são usufrutuários dos bens dos filhos;

São características desta modalidade específica:

è Não é direito real: Esta modalidade não é um direito real, mas uma espécie de compensação financeira para cobrir os gastos de administração do patrimônio.
è Não incide sobre os bens arrolados no artigo 1.693:

Art. 1.693. Excluem-se do usufruto e da administração dos pais:

I - os bens adquiridos pelo filho havido fora do casamento, antes do reconhecimento;
II - os valores auferidos pelo filho maior de dezesseis anos, no exercício de atividade profissional e os bens com tais recursos adquiridos;
III - os bens deixados ou doados ao filho, sob a condição de não serem usufruídos, ou administrados, pelos pais;
IV - os bens que aos filhos couberem na herança, quando os pais forem excluídos da sucessão.

è Dispensa a prestação de contas
è Compensa-se com as despesas com a administração do bem, bem como com as de criação e educação dos filhos
è Apresenta caráter indisponível, intransmissível e não está sujeito à expropriação.

Conferir se ainda está vigente o usufruto vidual (espécie de usufruto legal) em favor do companheiro e do cônjuge supérstite, em relação a ¼ ou à metade, respectivamente, dos bens do falecido, conforme art. 1.611 do CC/16 e Lei nº 8;971/94

d)     Usufruto Misto por Usucapião

A usucapião não recai apenas sobre o direito de propriedade, mas também sobre outros direitos reais, assim como a servidão, a enfiteuse e o usufruto. O reconhecimento da possibilidade usucapião de usufruto foi inovação do CC/02 que está presente no artigo 1.391:

Art. 1.391. O usufruto de imóveis, quando não resulte de usucapião, constituir-se-á mediante registro no Cartório de Registro de Imóveis.

À primeira vista parece estranho esta possibilidade, pois um dos requisitos obrigatórios da usucapião é a posse qualificada com animus domini. E seria ilógico imaginar que alguém teve ânimo de usufrutuário, e não de dono, durante todo o lapso temporal em que ele permaneceu na posse do bem.

Então, para demonstrar faticamente como a usucapião de usufruto poderia ocorrer, recorro a um exemplo significativo: imagine a situação de uma pessoa que recebeu a posse de um bem a título de usufruto. O negócio foi entabulado segundo os trâmites da lei, com escritura e registro, mas posteriormente foi constatado que o alienante do usufruto não era o real proprietário da coisa. Ou seja: uma alienação a non domino do usufruto.

Nesta hipótese, caso o usufrutuário tenha permanecido no imóvel durante o lapso temporal previsto para a usucapião ordinária (art. 1.242), por exemplo, ele teria atendido todos os requisitos desta modalidade – lapso temporal, posse qualificada (mansa, pacífica e ininterrupta), justo título e boa fé, mas com uma única diferença: a sua posse não foi exercida com animus domini, mas sim com vontade de ser o usufrutuário da coisa.

Sendo assim, como ficou afastado o animus domini, o verdadeiro proprietário conseguirá retificar o registro, para assumir a condição de nu-proprietário, excluindo o proprietário primitivo, que realizou a venda fraudulenta. No entanto, o nu-proprietário terá de respeitar o prazo convencionado no justo título para o usufruto.




e)      Especificidades do Usufruto

O usufruto pode ser constituído para que o usufrutuário retire utilidades específicas em seu favor ou de sua família ou de finalidades específicas de moradia.

è Todas as utilidades para fins específicos à uso
è Utilidades para fins de moradia à habitação

Neste sentido, o uso e a habitação são categorias (subespécies) de usufruto. Dessa forma, todas as regras do usufruto a eles se aplicam. Ademais, o uso e a habitação são sempre constituídas em favor de uma pessoa determinada ou de sua família (família aqui no sentido afetivo e abrange até os empregados domésticos)

E se o usufruto pode ser constituído por vontade das partes, por decisão judicial, ou por força de lei, o uso e a habitação também. Um exemplo para fechar: Direito de habitação em favor do cônjuge ou companheiro sobrevivente.

A é casado com B. Com a morte de A, o cônjuge sobrevivente tem o direito de morar no imóvel. Mas aqui há uma ligeira diferença entre casamento e união estável. Se for esposa, o direito é vitalício incondicionado; se for companheira, o direito é vitalício condicionado. A condição é: constituição de uma nova família.

Assim, a viúva piriguete ficou viúva nova e quer se casar de novo. Se ela for casada pode levar Ricardo para morar com ela; se ela for companheira, extingue o direito real.

9.      Direitos e Deveres do Usufrutuário

Como dito, o usufrutuário tem a posse direta, o uso, a administração, a percepção de frutos, mas não pode alterar a substância da coisa.

Nos termos do artigo 1.393, o usufruto é inalienável, embora possa o usufrutuário ceder o exercício do seu direito. Portanto, uma coisa é a alienação, que implica transmissão da situação jurídica de usufrutuário para terceiro, e outra é a cessão, pela qual se defere tão somente o exercício do direito, de forma gratuita ou onerosa.

Com efeito, a proibição da alienação é um dever a ser observado, enquanto a cessão do exercício é um direito.











































[1][1] Art. 1.432. O instrumento do penhor deverá ser levado a registro, por qualquer dos contratantes; o do penhor comum será registrado no Cartório de Títulos e Documentos.
[2] FIUZA, Cesar. Direito Civil. Curso Completo. 15ª Edição .....p..989
[3] FIUZA, Cesar. Direito Civil. Curso Completo. p. 991.
[4] Esta característica decorre do artigo 693 do CC de 1916. É direito real resolúvel porque “todos os aforamentos são resgatáveis após 10 (dez) anos de sua constituição. Isso não acontece, excepcionalmente, nas enfiteuses de terrenos de marinha, regulados pelo Dec-Lei 9.760/46. Assim, na enfiteuse tradicional, regulada pelo CC/16, há direito de resgate da enfiteuse.
[5] Art. 1.410. O usufruto extingue-se, cancelando-se o registro no Cartório de Registro de Imóveis:
III - pela extinção da pessoa jurídica, em favor de quem o usufruto foi constituído, ou, se ela perdurar, pelo decurso de trinta anos da data em que se começou a exercer;