1.1.Função Socioambiental da Propriedade
a)
Previsão Legal
Segundo Tartuce, o Código Civil foi até
mais adiante, pois além de consagrar a função social, também contemplou a função socioambiental da propriedade.
De fato, o dispositivo faz menção ao ambiente natural (fauna, flora,
equilíbrio ecológico, belezas naturais, ar e águas), como com o ambiente
cultural (patrimônio cultural e artístico).
b)
Aplicação
Prática
Como concreto exemplo de aplicação da função socioambiental
da propriedade, o Superior Tribunal de
Justiça tem entendido que o novo proprietário de um imóvel é obrigado a fazer
sua recuperação ambiental, mesmo não sendo o causador dos danos. Os
julgados trazem uma interessante interação entre a proteção ambiental da
propriedade e a responsabilidade objetiva que decorre em casos tais. Vejamos:
“Ação civil pública. Danos ambientais.
Responsabilidade do adquirente. Terras rurais. Recomposição. Matas. Recurso
especial. Incidência da Súmulas 7/STJ e 283/STF. I – Tendo o Tribunal a quo, para afastar a necessidade de regulamentação da Lei 7.803/1989,
utilizado como alicerce a superveniência das Leis n. 7.857/1989 e n.
9.985/2000, bem assim o contido no art. 225 da Constituição Federal, e não
tendo o recorrente enfrentado tais fundamentos, tem-se impositiva a aplicação
da Súmula 283/STF. II – Para analisar a tese do recorrente no sentido de que a
área tida como degradada era em verdade coberta por culturas agrícolas, seria
necessário o reexame do conjunto probatório que serviu de supedâneo para que o
Tribunal a quo erigisse convicção de que foi desmatada
área ciliar. III – O adquirente do imóvel tem responsabilidade sobre o
desmatamento, mesmo que o dano ambiental tenha sido provocado pelo antigo
proprietário. Precedentes: REsp nº 745.363/PR, Rel. Min. Luiz Fux, DJ de 18.10.2007, REsp nº 926.750/MG, Rel. Min. Castro Meira, DJ de 04.10.2007 e REsp nº 195.274/PR, Rel. Min. João Otávio de
Noronha, DJ de 20.06.2005. IV – Agravo regimental
improvido” (STJ, AgRg no REsp 471.864/SP, Rel. Min. Francisco Falcão, Primeira
Turma, j. 18.11.2008, DJe 01.12.2008).
1.2. Fichamento de Caio Mario
Sobre o tratamento
dispensado ao direito de propriedade nos tempos atuais, são lúcidas as
considerações de Caio Mario:
A verdade é que a propriedade individual vigente em nossos dias,
exprimindo-se embora em termos clássicos e usando a mesma terminologia, não
conserva, todavia, conteúdo idêntico ao de suas origens históricas. É certo que se reconhece ao dominus
o poder sobre a coisa; é
exato que o domínio enfeixa os mesmos atributos originários – ius utendi,
fruendi et abutendi. Mas
é inegável também que essas faculdades suportam evidentes restrições legais,
tão frequentes e severas, que se vislumbra a criação de novas noções.
São restrições e limitações tendentes a coibir
abusos e tendo em vista impedir que o exercício do direito de propriedade se
transforme em instrumento de dominação. Tal tendência ora se diz
“humanização” da propriedade, ora se considera filiada a uma corrente mais
ampla com o nome de “paternalismo” do direito moderno (Colin e Capitant), ora
se entende informada a nova noção pelos princípios do “relativismo” do direito
(Josserand). Outros acreditam que aí se instaura uma tendência à “socialização”
do direito ou socialização da propriedadem,6 mas
sem razão, porque a propriedade socializada tem características próprias e
inconfundíveis com um regime em que o legislador imprime certas restrições à
utilização das coisas em benefício do bem comum, sem, contudo, atingir a
essência do direito subjetivo, nem subverter a ordem social e a ordem
econômica.7 Não
obstante a luta das correntes contrárias – individualista e coletivista –
sobrevive a propriedade, parecendo ter razão Hedemann quando assinala que é mais uma questão de limite, ou
problema de determinar até que ponto a propriedade individual há de ser
restringida em benefício da comunidade.8[1]
De certo modo os legisladores e os
aplicadores da lei em todo o mundo, segundo afirma Trabucchi, mostram-se propensos a atenuar a rigidez do
direito de propriedade.
E outros, ainda, tratam a propriedade
como “instituição” e não como direito. Acreditando e sustentando que os bens
são dados aos homens não para que deles extraiam o máximo de benefício e
bem-estar com sacrifício dos demais, porém, para que os utilizem na medida em que possam preencher a sua “função
social”, defendem que o exercício do direito de propriedade há de ter por
limite o cumprimento de certos deveres e o desempenho de tal função. Esta
posição, em que se dão as mãos o solidarismo de Duguit e o espiritualismo
dos neotomistas, encontrou acolhida em nosso direito positivo
(apesar de teoricamente parecer a alguns, como Ripert e Gaston Morin,
inconciliáveis as ideias de direito e de função social), inscrevendo-se na
Constituição Federal de 1946 a subordinação do uso da propriedade ao bem-estar
social (art. 147), princípio que se manteve na Reforma Constitucional de 24 de
janeiro de 1967 (art. 157), como ainda na de 1969 (art. 160) e sobrevive na
Constituição de 1988 (art. 5º, nº XXIII, art. 182, § 2º e art. 186).[2]
XXIII - a
propriedade atenderá a sua função social;
§ 2º - A
propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências
fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor.
Art. 186. A função social é cumprida quando a
propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de
exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos:
Uma observação ressalta com a força de uma constante: reconhecendo
embora o direito de propriedade, a ordem jurídica abandonou a passividade que
guardava ante os conflitos de interesses, e passou a intervir, séria e
severamente, no propósito de promover o bem comum que é uma das finalidades da
lei,10 e ainda de assegurar a justa distribuição da propriedade com
igual oportunidade para todos.
1.3.Função Social da
Propriedade (vídeo-aula de Cristiano Chaves)
Tema da agenda/pauta dos concursos. Indo
mais longe, não se fala apenas em função social da propriedade; fala-se em
função social da posse, do contrato, da empresa, família etc.
1.3.1.
Disposições
Legais
è
Art.
5º, XXII e XXIII da CR;
è
Art.
1.228, §1º do CC
1.3.2.
Da Estrutura à
Função. Obra de Norberto Bobbio
Bobbio sustenta que todo instituto
jurídico deve ser visto não pela ótica do que ele é, mas pela ótica do “para
que serve”. Além disso, a função social da propriedade é a materialização do
paradigma da diretriz da socialidade da exposição de motivos do código civil.
Não esquecer que função social é a
materialização....
O CC tem três diretrizes:
è
Eticidade
è
Operabilidade
/ Concretude
è
Socialidade
Assim, ao cuidar da função social,
estamos tratando do paradigma da socialidade. Também é importante lembrar do
comentário de Eros Grau (Livro: A
Ordem Econômica na Constituição Federal), ao falar de função social de
propriedade. Esse autor faz uma reflexão digna de todos os elogios. Ele
questiona:
è
Se
a função social da propriedade é a incorporação de ideais de socialidade, ela
tende à promoção de valores existenciais no lugar de valores patrimoniais.
É dizer: a função social da propriedade
é a evolução do ter para o ser. Além do mais, é a busca de uma realidade
finalística, na medida em que o que se pretende é alcançar a finalidade; e qual
é essa finalidade? Servir para o ser e não para o ter. É a ideia de promoção de
valores existenciais.
Assim, em uma frase, Eros Grau conclui
de forma lapidar – A Função social da
propriedade é a revanche de Grécia sobre Roma.
Relembrando as aulas de história,
sabe-se que Grécia e Roma tiveram muitos conflitos. Grécia era filosófica,
democrática e idealista, ao passo que Roma era bélica e expansionista. Naquela
época, Roma representava as conquistas sobre a propriedade. Roma foi
conquistando propriedades. E Roma venceu!
E os Direitos Reais no Brasil,
historicamente, foi construído – lapidado – a partir de um ideal romano, pois a
propriedade sempre foi absoluta.
E aqui a fala do ex-ministro do STF. A
função social da propriedade incorpora ideias humanistas; é, pois, a revanche
de Grécia sobre Roma. Incorpora os valores existenciais sobre os valores
patrimoniais.
Não há dúvida que a função social
relativiza o caráter autônomo e absoluto e ilimitado do Direito de Propriedade.
A função social tempera essa
absolutismo, isso porque a função social é uma condicionante ao exercício do
direito de propriedade (art. 5º, XXIII). Para exercer o Direito de Propriedade
é preciso cumprir a função social.
Agora, o proprietário pode e deve
exercer o seu direito de propriedade, mas valorizando a existência humana.
Ninguém pode exercer esse direito com o sacrifício de valores existenciais.
Isto porque, o Direito de Propriedade, está funcionalizado. A finalidade há de
ser o “ser”.
Para ilustrar, cite-se o REsp. 27.039/SP. Nesse recurso, o STJ dirimiu uma
interessante questão. Aqui, o STJ
aplicou a tese da função social da propriedade e da valorização existencial
contra uma clínica privada. Essa clínica impediu que um paciente seu fosse
atendido por um médico não cadastrado. Só médicos cadastrados estavam
autorizados a atender. E o paciente insistiu.
Questionado pelo paciente, a clínica
disse que somente estaria autorizado a atender no local, médico cadastrado,
porque era uma empresa da iniciativa privada.
Assim, o STJ determinou que fosse
realizado o atendimento, desde que observadas as diretrizes médicas.
1.3.3.
Limite Externo
ou Exógeno?
A FSP não é um limite externo(exógeno),
mas sim o próprio conteúdo. Chaves fala em limite interno, pois agora a
proteção jurídica da propriedade depende da função social. Somente quem cumpre a função social é que recebe a proteção.
Em outras palavras, a FSP é uma
condicionante interna; o âmago do direito de propriedade.
1.3.4.
Obrigacionalização
da Propriedade
FSP implica em obrigacionalização do
Direito de Propriedade. Antes o proprietário somente assumia situações
jurídicas ativas. Somente tinha direitos. Agora, o proprietário tem deveres,
relativos ao cumprimento da função social. Obrigacionalização porque a FSP
impõe deveres ao proprietário. Situações passivas.
A propriedade, então, deixou de ser
absoluta. Agora o direito de propriedade se tornou uma relação jurídica complexa. Agora, o propriedade não tem apenas
direitos, mas também deveres. Por isso, uma relação jurídica complexa.
1.3.5.
Diversas Funções
na FSP
Até o presente momento foi desenvolvido
o raciocínio de que a FSP é um contraponto à ideia de propriedade absoluta e
ilimitada do CC/16. A FSP flexibilizou o Direito de Propriedade, atribuindo
obrigações ao proprietário, para prevalecer a ideia do ser sobre o ter;
incorporação dos valores existenciais; propriedade como relação jurídica.
Esses deveres podem ser vistos sob um
ângulo único ou essas obrigações são plurais? É óbvio que essas obrigações são
incontáveis...
Assim, considerando a impossibilidade de
limitar a FSP a obrigações previamente ajustadas por lei, é de se enxergar ou
perceber que a FSP traz consigo diferentes funções.
É que, dentro da FSP, coexistem
diferentes funções, como, por exemplo, a função ambiental, a função econômica,
a função humana etc... E como não é possível limitar a tipos legais as
obrigações impostas ao proprietário, é de se perceber que, dentro da FSP, convivem
diferentes funções. Um fazendeiro explora pecuária, agricultura e vive disso;
Ele cumpre a função social? Ele paga os empregados, recolhe impostos... Nesse
caso, a FSP se manifesta em sua função econômica.
Por falar nisso, e a Reserva Legal Ambiental,
que tem um percentual previsto em lei. É uma manifestação da função social
ambiental.
Semelhantemente, o direito social de
moradia é a FSP em sua função humana.
1.3.6.
Função Social e
Livre Iniciativa
Importante sublinhar que a FSP está em
harmonia com a livre iniciativa (art. 170 d CR), porque não se trata de
socialização da propriedade. É socialidade e não socialização. Trata-se da
finalidade da propriedade; para que ela serve...Assim, a FSP não está em rota
de colisão com a livre iniciativa.
A propósito, o art. 170, que trata da
Ordem Econômica, contempla tanto a FS como a L.I. São, portanto, princípios
harmônicos e não concorrentes.
1.3.7.
FSP como
Princípio Constitucional de Aplicação Direta.
Desde o advento da S. 668, o STF vem
entendendo a FSP como princípio de aplicação direta. Ou seja: não precisa de
lei regulamentadora.
A S. 668 trata do IPTU progressivo,
regulamentado pela EC 29. No entanto, mesmo antes da Emenda, muitos municípios
editaram leis com IPTU progressivo. O STF declarou a inconstitucionalidade
dessas leis, com exceção daquelas que criaram o IPTU progressivo por violação
da função social.
1.3.8.
Função Social e
as diversas espécies de Propriedade
Hoje, a doutrina colabora tanto para o
estudo da FSP, que não se pode falar no estudo da propriedade numa visão
monolítica. Hoje, como a FSP é uma condicionante interna, já é possível
vislumbrar a FSP em qualquer tipo de propriedade.
a) Função Social da Propriedade Urbana
Possibilidade de parcelamento,
edificação e utilização compulsória do solo urbano. Previsto no Estatuto da
Cidade. Se não der certo, pode-se aplicar o IPTU progressivo e, em último caso,
deve desapropriar. Inclusive, o chefe do executivo que não cumpre esse comando
pratica ato de improbidade com previsão específica no Estatuto da Cidade.
b) Função Social da Propriedade Rural
Desapropriação
para fins de Reforma Agrária.
c) Função Social da Propriedade Intelectual
Quebra de Patentes. Lembrar do exemplo
da quebra da patente dos medicamentos para o tratamento da AIDS
Utilização do nome de empresa. De
ordinário, quem registrou primeiro tem direito de usar o nome de empresa. No
entanto, se outra empresa provar que, mesmo antes do registro, deu publicidade
àquele nome, tem a proteção legal, em detrimento do registro.
d) Função Social da Empresa
Enunciado 53 da Jornada É melhor chamá-la de empresarialidade
responsável. Empresa é propriedade privada, então, deve cumprir a função
social.
Meia entrada de estudantes.
Leis 10.048/00 e 10.098/00. As PJ de
Direito Privado devem se adaptar para garantir a acessibilidade de pessoas deficientes.
e) Função Social dirigida ao Poder Público.
Tese defendida por Silvio Rodrigues. A
FSP também se dirige ao Poder Público. Os bens públicos que não cumprem a
função social deveriam ser usucapidos. Essa tese é minoritária. Contra o Poder
Público não cabe a usucapião, mas cabe a supressio.
2. Outras Limintações ao Direito de Propriedade
6.1. Breve Histórico
a)
Artigo 147 da
Constituição de 1946
A Constituição de 1946 introduziu
preceito programático e teórico, mas definidor de uma tendência. Programático
porque na época os princípios ainda não eram reconhecidos como espécie
normativa, dotados de imperatividade, mas sim como meros programas a serem
cumpridos pelo Estado.
Teve-se, então, a primeira fórmula
genérica de condicionamento da propriedade ao bem estar social:
Art 147 - O uso da propriedade será condicionado ao bem-estar social.
A lei poderá, com observância do disposto no art. 141, § 16, promover a justa distribuição da
propriedade, com igual oportunidade para todos.
b) Estatuto da Terra (Lei 4.504, de 30 de Dezembro de
1.964)
O Estatuto da Terra e sua
regulamentação “instituem um complexo de medidas que visam a promover melhor
distribuição da terra, a fim de atender aos princípios da justiça social e ao
aumento da produtividade.” [3]
Segundo Caio Mario:
Obviamente, criam
limitações ao direito de propriedade e prometem extinguir gradativamente as
formas de ocupação e de exploração da terra que sejam contrárias à sua função
social. Pelo Decreto nº 582, de 15 de maio de 1969, foi criado o Grupo
Executivo da Reforma Agrária (GERA), com a atribuição de elaborar projeto para
sua efetivação e para as medidas complementares. O Decreto-Lei nº 1.110, de
1970, criou o INCRA, incorporando a este todos os direitos, as competências, as
atribuições e as responsabilidades do Instituto Brasileiro de Reforma Agrária –
IBRA, do Instituto Nacional de Desenvolvimento Agrário – INDA e do Grupo
Executivo da Reforma Agrária – GERA, que
foram extintos a partir da posse do Presidente do novo Instituto. Por sua vez, o INCRA foi extinto e transformado pelo MIRAD, tendo sido
absorvido em 1989 pelo Ministério da Agricultura.
Já antes, a Lei nº 4.947, de 6 de abril de
1966, exigia o certificado de cadastro
do IBRA para a venda, hipoteca, arrendamento, desmembramento ou promessa de
venda de imóvel rural.
O Decreto-Lei nº 2.363, de 21 de outubro
de 1987, extinguira o INCRA e criara o
Instituto Jurídico de Terras Rurais – INTER, vinculado ao Ministério da Reforma
e do Desenvolvimento Agrário – MIRAD, ao qual compete a supervisão, a coordenação
e execução da reforma agrária. Atualmente, o INCRA voltou a tratar da questão
fundiária.
O Decreto nº 95.715, de 10 de fevereiro de
1988, regulamentou as desapropriações para reforma agrária e o Decreto nº 433,
de 24 de janeiro de 1992, dispôs sobre aquisição de imóveis rurais, para fins
de reforma agrária, por meio de compra e venda.
c) Reforma Constitucional de 1967
O assunto reaparece na Constituição
outorgada de 1967, agora de forma analítica (art. 157), como princípios
definidores da Ordem Econômica:
Da Ordem Econômica e Social
Art 157 - A ordem econômica tem por fim realizar a justiça
social, com base nos seguintes princípios:
I -
liberdade de iniciativa;
II -
valorização do trabalho como condição da dignidade humana;
III - função social da propriedade;
IV -
harmonia e solidariedade entre os fatores de produção;
V -
desenvolvimento econômico;
VI -
repressão ao abuso do poder econômico, caracterizado pelo domínio dos mercados,
a eliminação da concorrência e o aumento arbitrário dos lucros.
Segundo Caio Mario, a Constituição de
1967, ao detalhar este programa, “integrou no seu texto a orientação
expropriatória do latifúndio, a faculdade de planejar a reforma agrária por
decreto executivo, a desapropriação da propriedade territorial rural mediante
pagamento em títulos. Além de manter o princípio da intervenção no domínio
econômico, limitou a produção dos bens supérfluos.”[4]
d) Programa Minha Casa, Minha Vida
Em vista da determinação constitucional
dos incisos XXII e XXIII do art. 5º, garantindo a propriedade como direito
fundamental e atrelando essa garantia ao cumprimento de sua função social, em
2009 entrou em vigor a Lei nº 11.977. O diploma dispõe sobre o Programa Minha
Casa, Minha Vida e a regularização fundiária de assentamentos localizados em
áreas urbanas, alterando o Decreto-Lei nº 3.365/1941, as Leis nos
4.380/1964, 6.015/1973, 8.036/1990 e 10.257/2001, e a Medida Provisória nº
2.197/2001. Em seu art. 1º, com a redação determinada pela Lei nº 12.424/2011,
a Lei estabelece a finalidade do programa, destinado à criação de mecanismos de
incentivo à produção e aquisição de novas unidades habitacionais,
requalificação de imóveis urbanos e produção ou reforma de habitações rurais,
para famílias com renda mensal de até R$ 4.650,00 (quatro mil, seiscentos e
cinquenta reais).
6.1. Atos Emulativos (art. 1.228,§2º)
Como visto, a função social deu novos
contornos ao conteúdo do direito de propriedade. Além disso, a propriedade
também está sujeita a outras limitações. Dentre elas, destaca-se a prevista no
artigo 1.228,§2º que proíbe a prática de atos emulativos, assim entendidos
aqueles cometidos no intuito de prejudicar terceiros.
§ 2o
São defesos os atos que não trazem ao proprietário qualquer comodidade, ou
utilidade, e sejam animados pela intenção de prejudicar outrem.
É interessante observar que o artigo se
refere ao termo intenção, o que daria a entender que o dolo é elemento
necessário para a configuração do ato emulativo. No entanto, como este ato
constituiu abuso de direito, prevalece a disposição do artigo 187 do Código
Civil. Portanto, não é hipótese de responsabilidade subjetiva, mas sim de
responsabilidade objetiva.
Atos emulativos são aqueles que impõem
excesso no exercício do Direito de Propriedade; materializam excesso no
exercício do Direito de Propriedade.
Em análise do dispositivo, pergunta-se
se a teoria dos atos emulativos baseia-se no elemento objetivo ou subjetivo?
Ver a frase final.... intenção de
prejudicar outrem.
A matriz desse dispositivo se encontra,
porém, no art. 187. O art. 1228 consagrou a ilicitude pelo uso excessivo do
Direito. A teoria dos atos emulativos é desdobramento do abuso de direito.
Mas o art. 187 está centrado no elemento
objetivo! O 187 não exige culpa. O 1228,§2º sim.
Isso aconteceu porque o jurista que
escreveu a parte geral não era o mesmo daquele que redigiu a parte especial.
Assim, adotou a teoria do abuso de direito com base no elemento objetivo, e o
outro concebeu a teoria dos atos emulativos com base no elemento subjetivo. Os
dispositivos, portanto, estão em rota de colisão.
Aqui entra o Enunciado 49 da Jornada
dispondo que o art. 1228,§2º deve ser interpretado conforme o art. 187 (a
matriz). Isso significa que a responsabilidade civil decorrente de ato
emulativo é do sistema objetivo.
Cristiano Chaves concorda com o dispositivo
para evitar incoerência. Em provas de concurso, atentar-se para o texto da lei.
A menção ao Enunciado fica para as provas subjetivas.
6.2. Desapropriação e Requisição (art.
1.228,§3º)
§ 3o O proprietário pode
ser privado da coisa, nos casos de desapropriação, por necessidade ou utilidade
pública ou interesse social, bem como no de requisição, em caso de perigo
público iminente.
Do mesmo modo, restringindo o exercício
da propriedade, o § 3.º do art. 1.228 do CC trata da desapropriação por
necessidade ou utilidade pública e da desapropriação por interesse
social; e também do ato de requisição, em caso de perigo público
iminente. A matéria relativa à desapropriação continua mais interessando ao
Direito Administrativo do que ao Direito Privado, o que faz que o dispositivo
seja tido como um “estranho no ninho” – está no local errado,
disciplinando instituto de natureza distinta.
2.1.Desapropriação
Judicial Privada por Posse-Trabalho (art. 1.228, §§4º e 5º[5])
Alguns autores preferem estudar este
instituto na parte das limitações ou restrições à propriedade. Chegamos a ver
uma análise prévia, feita por Caio Mario, de alguns correntes que existem sobre
a natureza do instituto, assim como dos problemas que surgem em decorrência dos
vários conceitos jurídicos indeterminados previstos.
a) Natureza jurídica
Flávio Tartuce é um dos que enquadra o
instituto como modalidade de desapropriação, só que qualificada pelo fato de
ser judicial e privada. Segundo tartuce, a hipótese em estudo não encontra
correspondente na legislação anterior, nem no direito comparado.
Miguel Reale chegou a comentar sobre ele
na exposição de motivos do Código Civil. O filósofo destaca que o instituto se
inspira no sentido social do direito de propriedade e implica formulação de
novo conceito desta, assim como do conceito de posse, que se qualifica como
posse-trabalho:
“Trata-se, como se
vê, de inovação do mais alto alcance, inspirada
no sentido social do direito de propriedade, implicando não só novo
conceito desta, mas também novo conceito de posse, que se poderia qualificar
como sendo de posse-trabalho,
expressão pela primeira vez por mim empregada, em 1943, em parecer sobre
projeto de decreto-lei relativo às terras devolutas do Estado de São Paulo,
quando membro do seu Conselho Consultivo”.[6]
Diante de tal justificativa, Flávio
Tartuce sugere que a nomenclatura “desapropriação privada por posse-trabalho”
seria a mais adequada.
Tartuce ressalta, ainda, que se trata de desapropriação, pois o
sistema brasileiro não prevê hipótese de usucapião onerosa, sendo que o
§5º do art. 1.228 exige o pagamento de justa
indenização, como requisito para a aquisição da propriedade.
b) Desapropriação Judicial Privada e Usucapião Urbana
Coletiva.
Além desta característica, que por si só
já aparta o instituto da usucapião, a hipótese do artigo 1.228 apresenta outras
diferenças em relação a certas modalidades de usucapião previstas no Brasil,
como a usucapião urbana coletiva, prevista no Estatuto da Cidade[7].
As diferenças são bem delineadas por
Jones Figueirêdo Alves e Mario Luiz Delgado:
|
Desapropriação
privada
Art.
1.228,§§4º e 5º
|
Usucapião
Especial Urbana
Art.
10, Lei 10.257/01
|
Ocupantes
|
Considerável
número de pessoas
|
População
de baixa renda
|
Área
|
Extensa
área
|
Mínimo
de 250 m2
|
Tipo
de imóvel
|
Urbano
ou rural
|
Urbano,
apenas
|
Indenização
|
Sim
|
Não
|
Uma vez caracterizada como
desapropriação, ainda cabe advertir que se trata de desapropriação privada, eis
que concretizada no interesse particular dos ocupantes da área.
O fundamento, como dito, é a
posse-trabalho que, para Flávio Tartuce, “constitui uma cláusula geral, um
conceito aberto e indeterminado a ser preenchido caso a caso. Representa tal
conceito a efetivação da função social da posse, pelo desempenho de uma
atividade positiva no imóvel, dentro da ideia de intervenção impulsionadora,
antes exposta.”
c) Enunciados do Conselho de Justiça Federal.
Por se tratar de instituto sem
precedentes na legislação pátria e comparada, e ainda, diante da existência de
tantos conceitos jurídicos indeterminados, o artigo 1.228 foi objeto de atenção
especial pela comunidade jurídica. Neste contexto, foram aprovados vários
enunciados nas jornadas de direito civil realizadas pelo Conselho de Justiça
Federal. Vamos a eles:
Enunciado 81, I
Jornada (2002)
“É constitucional a modalidade
aquisitiva de propriedade imóvel prevista nos §§ 4.º e 5.º do art. 1.228 do
novo Código Civil”.
Chegaram a sustentar a
inconstitucionalidade ao argumento de que o instituto estimularia a invasão de
terras. Será?
Enunciado 83, I
Jornada e Enunciado 304, IV Jornada (2006)
O réu pode invocar o instituto, em sua
defesa, na ação reivindicatória proposta pela Administração Pública? O
instituto é oponível ao Poder Público?
Foram aprovados 2 Enunciados sobre o
assunto. O primeiro foi o 83, da I Jornada:
“nas ações
reivindicatórias propostas pelo Poder Público, não são aplicáveis as
disposições constantes dos §§ 4.º e 5.º do art. 1.228 do novo Código Civil”
Neste primeiro momento foi consolidado o
entendimento de que a desapropriação
judicial privada não se aplica aos imóveis públicos. O fundamento utilizado
foi que os bens públicos não são usucapíveis, como prescrevem os artigos
183,§3º[8] e
191, p. único, da CR/88 e artigo 102 do CC.
No entanto, em 2006, por ocasião da IV
Jornada, a Comissão de Direito das Coisas aprovou o Enunciado 304, que fez uma
ressalva no Enunciado 83, apenas para admitir a possibilidade de aplicação dos
§§4º e 5º do artigo 1.228 do Código Civil aos bens públicos dominicais (art.
99, III[9],
do CC). Logo, abriu-se a ressalva apenas para aplicar a desapropriação judicial
privada a apenas uma classe de bens públicos (dominicais[10]).
Eis o Teor do Enunciado:
“são aplicáveis as
disposições dos §§ 4.º e 5.º do art. 1.228 do CC às ações reivindicatórias
relativas a bens públicos
dominicais, mantido, parcialmente, o Enunciado n. 83 da I Jornada de
Direito Civil, no que concerne às demais classificações dos bens públicos”.
Porém, Flávio Tartuce adverte que este
posicionamento é ainda minoritário na doutrina.
Enunciado 84, I
Jornada e Enunciado 308, IV Jornada (2006)
O instituto só pode ser utilizado como
meio de defesa (exceção) a uma ação reivindicatória ajuizada pelo proprietário,
ou seria possível a propositura de uma “ação de desapropriação judicial
privada” para a aquisição da propriedade? Quanto à indenização, quem é o
responsável pelo pagamento. Os possuidores ou o Poder Público?
Tais questões também foram objeto de 3 Enunciados. O primeiro
deles (84) consolidou a seguinte posição:
“A defesa fundada no
direito de aquisição com base no interesse social (art. 1.228, §§ 4.º e 5.º, do
novo Código Civil) deve
ser arguida pelos réus da ação reivindicatória, eles próprios responsáveis pelo pagamento da
indenização”.
Como visto, neste primeiro enunciado
reconheceu-se que o instituto é uma defesa possessória (uma exceção) a ser
argüida na ação reivindicatória. Quanto ao pagamento, este cabe aos possuidores
da área.
A exemplo da anterior, este Enunciado
(84) foi parcialmente modificado por ocasião da IV Jornada de 2006. Com a
alteração, admitiu-se a possibilidade do pagamento da indenização ser feito
pela Administração Pública, em certos casos.
“A justa indenização
devida ao proprietário em caso de desapropriação judicial (art. 1.228, § 5.°)
somente deverá ser suportada pela Administração Pública no contexto das políticas públicas de reforma
urbana ou agrária, em se tratando de possuidores de baixa renda e desde que tenha
havido intervenção daquela nos termos da lei processual. Não sendo os possuidores
de baixa renda, aplica-se a orientação do Enunciado n. 84 da I Jornada de
Direito Civil”.
Além disso, na V Jornada, realizada em
2011, alterou-se o entendimento de que o instituto só pode ser utilizado como
forma de defesa (exceção). Reconheceu-se, pois, que a desapropriação privada
pode ser requerida em sede de ação própria instaurada perante o Poder
Judiciário. Este entendimento foi
consolidado no Enunciado
496, como explica Flávio Tartuce:
Por fim, na V
Jornada de Direito Civil, do ano de 2011, foi aprovado enunciado que amplia
a construção, possibilitando que o instituto da desapropriação privada seja
alegado em petição, inicial, ou seja, em ação autônoma (Enunciado n. 496).
Assim, pela nova interpretação doutrinária que se tem feito, não é cabível
apenas alegar a categoria como matéria de defesa, o que representa notável
avanço a respeito do instituto.
Enunciado 240, III
Jornada (2004)
Polêmicas também surgem na avaliação do
valor do imóvel. Afinal, qual o critério deve ser utilizado pelo juiz? Nas
desapropriações, o artigo 14 do Decreto-Lei 3.365/1941 prescreve que o juiz
deve indicar perito para realizar a avaliação. O critério é técnico lastreado
no mercado imobiliário. Além disso, é comum incidir juros nas desapropriações.
Quanto à desapropriação privada, ficou entendido o seguinte:
“A justa indenização
a que alude o § 5.º do art. 1.228 não tem como critério valorativo,
necessariamente, a avaliação técnica lastreada no mercado imobiliário, sendo
indevidos os juros compensatórios”.
Tenho que o enunciado está parcialmente
correto. É de se concordar que não seriam devidos juros compensatórios que
servem para remunerar o capital. O proprietário está perdendo a propriedade
porque foi negligente, não cumpriu a função social. Já quanto ao critério de
cálculo do valor, o enunciado por dar margens à subjetividades do juiz. É
necessário ter um critério seguro, já que a indenização se mede pela extensão
do dano (art. 944)
Vários outros enunciados foram editados
sobre o tema, vejamos:
è Enunciado 241, III
Jornada (2004)
“O registro da sentença em ação reivindicatória, que opera a
transferência da propriedade para o nome dos possuidores, com fundamento no
interesse social (art. 1.228, § 5.º), é condicionada ao pagamento da respectiva
indenização, cujo prazo será fixado pelo juiz”.
è Enunciado 305, IV
Jornada (2005)
“tendo em vista as disposições dos §§ 3.º e 4.º do art. 1.228 do CC, o
Ministério Público tem o poder-dever de atuação nas hipóteses de
desapropriação, inclusive a indireta, que envolvam relevante interesse público,
determinado pela natureza dos bens jurídicos envolvidos”.
è Enunciado 307:
“na desapropriação judicial (art. 1.228, § 4.º), poderá o juiz
determinar a intervenção dos órgãos públicos competentes para o licenciamento
ambiental e urbanístico”.
è Enunciado 309
Art. 1.228: O conceito de posse de boa-fé de que trata o art. 1.201 do
Código Civil não se aplica ao instituto previsto no § 4º do art. 1.228.
De acordo com Flávio Tartuce, o
Enunciado afirma que a boa fé referida no §4º do 1228 não é a boa fé subjetiva,
que se relaciona com a intenção, mas sim com a boa fé objetiva, que tem haver
com o comportamento dos possuidores. Nas palavras do autor:
Por tal conteúdo, a
boa-fé da posse dos ocupantes na desapropriação privada não é a boa-fé subjetiva, aquela que existe no plano intencional;
mas a boa-fé objetiva, relacionada às condutas dos envolvidos. A partir desse
entendimento, pode-se pensar que invasores do imóvel têm a seu favor a
aplicação do instituto da desapropriação privada, o que não seria possível caso
a boa-fé a ser considerada fosse a subjetiva. Em casos assim, devem ser
confrontadas as posses dos envolvidos, prevalecendo a melhor posse,
aquela que atenda à função social. Foi justamente o que ocorreu no outrora
comentado caso da Favela Pullman.
è Enunciado 310, IV
Jornada.
“Interpreta-se extensivamente a expressão ‘imóvel reivindicado’ (art.
1.228, § 4.º), abrangendo pretensões
tanto no juízo petitório quanto no possessório”.
è Enunciado 311:
“caso não seja pago o preço fixado para a desapropriação judicial, e
ultrapassado o prazo prescricional para se exigir o crédito correspondente,
estará autorizada a expedição de mandado para registro da propriedade em favor
dos possuidores”.
d) Jurisprudência
Flávio Tartuce colaciona dois julgados
que examinaram o caso, mas não concederam o pedido por falta de requisitos.
O primeiro do Tribunal Regional Federal
da 4ª Região:
“Civil. Ação de reintegração de posse de gleba
invadida. Preliminares afastadas. Procedência da demanda. Discussão sobre
domínio. Irrelevância. Posse inconteste e esbulho comprovado. Desapropriação
judicial, indenização por benfeitorias e direito à retenção. Descabimento. 1.
Devem ser afastadas as preliminares em hipótese na qual se mostra inexistente o
cerceamento de defesa, quando irrelevante à apreciação do apelo a rejeição dos
embargos declaratórios, e, ainda, diante do fato de que o Ministério Público
Federal reputou regular o processamento do feito, por não ter se ocupado das
questões preliminares ao embasar o seu parecer nesta instância. 2. Nas ações
possessórias, a discussão acerca do domínio se mostra irrelevante. 3. O fato de
a autora ser proprietária dos bens esbulhados em nada altera o deslinde do jus
possessionis, de vez que sua posse é inconteste, embasada em licença para
operação, expedida pelo órgão público competente, e por se ter como comprovado
o esbulho. 4. Descabido o pedido de
desapropriação judicial, por ausência de suporte fático para a regra do art.
1.228, §§ 4.º e 5.º do CC/02, bem como o pedido de indenização por benfeitorias
e de reconhecimento do direito à retenção, porquanto os invasores, por
definição, não se reputam possuidores de boa-fé” (TRF da 4.ª Região, Acórdão
2006.72.16.002588-3, Santa Catarina, Quarta
Turma, Rel. Des. Fed. Valdemar Capeletti, j. 10.12.2008, DEJF
25.02.2009, p. 698).
O segundo do TJRO:
“Reintegração de posse. Valoração das provas. Atribuição do juiz.
Desapropriação pela posse-trabalho. Ausência de boa-fé. Compete ao magistrado
apreciar livremente as provas, desde que decida motivadamente. Configurada a
suspeição das testemunhas trazidas pela parte requerida, age corretamente o
juiz ao atribuir valor relativo aos seus depoimentos, confrontando-os com as
demais provas existentes. Havendo circunstâncias nos autos que permitam a
presunção de que o possuidor não
ignora que ocupa indevidamente o imóvel, mostra-se incabível a desapropriação
judicial (CC, art. 1.228, § 4.º)” (TJRO, Apelação 100.001.2006.018386-0,
Rel. Des. Kiyochi Mori, DJERO 05.06.2009, p. 55).
Nota-se que o TJRO utilizou o conceito
de boa fé subjetiva, ao contrário do entendimento consolidado nos enunciados do
CJF/STJ. A decisão não me parece correta, pois a exigência de boa fé subjetiva
(desconhecimento do vício que existe na posse) praticamente elimina a
possibilidade de se aplicar o instituto que teria a favorecer classes mais
pobres da população, que exercem a posse de áreas abandonadas para estabelecer
moradia.
3. Extensão do Direito de Propriedade (art. 1.229)
A propriedade do solo abrange espaço
aéreo e subsolo[11].
A propriedade do solo traz a reboque o subsolo e o espaço aéreo. Simbolicamente, pelo que consta do dispositivo, a propriedade vai do céu ao inferno,
o que remonta ao Direito Romano, denominado como extensão vertical da propriedade.
Caio Mario explica que a
expressão “do céu ao inferno” é, na verdade, dos Glosadores, que interpretaram
literalmente os textos romanos. A fórmula dos glosadores se consagrou pela
Idade Média: qui dominus est soli dominus est usque ad coelos et usque ad inferos – quem é dono do
solo é também dono até o céu e até o inferno.
Entretanto, não pode o proprietário se
opor à atividade realizada a altura ou profundidade que não despertem seu
interesse. Neste sentido, mais realista é a concepção germânica, que pressupõe
a projeção vertical limitada ao interesse
do proprietário (BGB, art. 905) ou à utilidade do aproveitamento (Código Civil Suíço, art.
667).[12]
O Código Civil filiou-se à corrente
germânica e instituiu a extensão do direito de propriedade ao espaço aéreo e ao
subsolo em toda altura e em toda profundidade úteis ao seu exercício, não podendo, todavia, opor-se o
proprietário a trabalhos que sejam empreendidos até onde não exista o interesse de impedi-los. Conjugou assim a utilidade e o
interesse
De fato, o proprietário deve suportar ingerência externa ao domínio, caso das passagens de água e de cabos que
interessam ao bem comum. Exemplo:
Aviões e Metro, pois os poderes não chegam até as estrelas – usque
ad sidera – como queriam os juristas medievais, nem avançam até as
profundidades da terra – usque ad inferos.
E para completar a regra, o 1.230[13]
dispõe que a propriedade das riquezas minerais
(jazida, minas, recursos minerais) do subsolo é da união (art. 176 da CR
confirmado pelo 1230 do CC) Não confundir o que é do proprietário e o que é da
união. O governo federal tem algo muito melhor. Cavo um buraco e acho lama, é
do proprietário. Ouro, da União.[14]
De acordo com Caio Mario, “destacam-se da
propriedade do solo as jazidas, minas e demais recursos minerais, bem como o
potencial hidrelétrico (Constituição de 1967, art. 161; Reforma de 1969, art.
168). Além da exploração do petróleo, cuja pesquisa e lavra competem à União,
em regime de monopólio (Emenda de 1969, art. 169), as jazidas e demais riquezas
minerais somente se efetuam mediante concessão, instaurando-se processo em que
se apurem as condições pessoais do concessionário e verificação de requisitos
segundo se dispõe no Código de Mineração (Decreto-Lei nº 227, de 28 de
fevereiro de 1967; Decreto-Lei nº 318, de 14 de março de 1967). Ver, sobre o
regime das minas.
Atentar-se para a exceção do parágrafo
único do 1.230. O próprio titular pode se
valer das riquezas do subsolo de emprego imediato na construção civil desde que
não transforme e nem industrialize.
Ilustrando, o proprietário de um imóvel
pode vender a areia que está em sua propriedade, para que ela seja empregada na
construção civil. De qualquer forma, essa extração de areia não pode causar
danos ambientais ou ecológicos, devendo ser respeitados os parâmetros que
constam da legislação ambiental e do art. 1.228, § 1.º, do CC.
4. Tutela Jurídica da Propriedade.
Relembrando o estudo da posse, a ação de
força nova tem procedimento especial com liminar, marcado pela celeridade,
porque a posse é contato físico. Assim, se a posse é contato físico, exige
tutela emergencial. A propriedade, porém, não é contato físico, mas sim um
direito com oponibilidade erga ommes.
Posse
à contato físico
não oponível erga ommnes à tutela
emergencial.
Propriedade
à direito com
oponibilidade erga ommens à tutela com
cognição ampla
A tutela jurídica da propriedade é por procedimento
comum ordinário, sem liminar, por exigir uma cognição mais profunda,
exauriente. Nada impede, porém, a concessão de tutela antecipada se presentes
os requisitos do 273 do CPC.
O nome da Ação é reinvindicatória, a
qual exige um pressuposto específico: a
prova da propriedade. Essa prova é feita pela exibição da certidão de
matrícula do imóvel no Registro Público.
4.1.Ação
Cabível
Se não há título, não é caso de ação
reivindicatória; quem não tem título, não pode se valer de ação
reivindicatória. A tutela será feita ou através da ação possessória ou
publiciana.
4.2.Competência
A competência para processar e julgar a
ação reivindicatória é fixada pelo artigo 95 do Código de Processo, e esse
artigo prevê a competência em razão do foro de situação da coisa. Trata-se de
regra de competência absoluta.
5. Aquisição da Propriedade Imobiliária
Existem as formas originárias e as
derivadas de aquisição da propriedade. Na aquisição originária, há contato
direito da pessoa com a coisa, já aquisição derivada se opera por intermediação
subjetiva.
A diferença entre uma e outra é muito
simples. Se a aquisição é originária, não há relação jurídica translatícia
entre o anterior e o novo proprietário. Não havendo translatividade, significa
que o proprietário recebe a coisa de forma livre e desembaraçada. Por outro
lado, se a aquisição é derivada, existe a relação translatícia entre o anterior
e o novo proprietário. Portanto, o novo proprietário recebe a coisa com todos
os vícios e gravames que eventualmente pesem sobre ela.
Assim, se o proprietário deu a coisa em
garantia, significa que gravou um ônus real sobre a coisa. Se é adquirido
originariamente, o bem vem sem garantia, porque aquisição originária é livre e
desembaraçada. Por outro lado, se a aquisição é derivada, o bem é transferido
com a garantia e tudo o que eventualmente incide sobre ele.
Em termos bem simples, é como se a aquisição originária
começasse do zero. Flávio Tartuce dá exemplos significativos, como na
questão tributária, “se a propriedade é adquirida de forma originária, caso da usucapião, o novo proprietário não é responsável pelos
tributos que recaiam sobre o imóvel, entendimento adotado pelo STF em
histórico julgado, da lavra do então Ministro Djaci Falcão (RE 94.586-6/RS,
de 30 de agosto de 1984). O mesmo raciocínio não serve para a
aquisição derivada, pois na compra e venda o adquirente é responsável pelos
tributos anteriores.”
Em sentido contrário, Nelson Rosenvald
e Cristiano Chaves defendem que o usucapiente deverá arcar com os tributos não
pagos pelo proprietário anterior, já que se trata de obrigações propter rem, que incidem sobre o bem,
independentemente da qualidade de proprietário. Em reforço ao seu ponto de
vista, os mencionados autores aludem ao artigo 945, do CPC, que “condiciona o
registro da sentença de usucapião ao cumprimento das obrigações fiscais.[15]”
E continua Tartuce: “outra concreção
envolve a hipoteca. Se um imóvel
gravado por este direito real de garantia for adquirido por usucapião, ela
estará extinta, uma vez que a aquisição é originária. E como bem observam
Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald, de fato, “impraticável será a manutenção
de eventual ônus hipotecário [...], pois sendo banido o direito principal
[...], não prevalece o direito real
acessório...[16]
O mesmo não pode ser dito quanto à compra e venda, forma de aquisição derivada.”[17]
Tradicionalmente, aponta-se como causas
originárias e derivadas de aquisição da propriedade as listadas a seguir:
FORMAS DE
AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE IMÓVEL
|
FORMAS
ORIGINÁRIAS
|
Acessões e
Ilhas
|
Aluvião e
avulsão
|
||
Álveo
Abandonado
|
||
Plantações
|
||
Construções
|
||
Usucapião
|
||
FORMAS
DERIVADAS
|
Registro
Imobiliário
|
|
Sucessão
Hereditária
|
FORMAS DE
AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE MÓVEL
|
FORMAS
ORIGINÁRIAS
|
Ocupação
|
Achado do
Tesouro
|
||
Usucapião
|
||
FORMAS
DERIVADAS
|
Especificação
|
|
Confusão
|
||
Comistão
|
||
Adjunção
|
||
Tradição
|
||
Sucessão
|
Na seqüência, será realizado um estudo
detalhado de cada uma das modalidades. Antes, porém, faremos breve análise do
instituto da “descoberta” que pode vir a ser uma forma de aquisição da
propriedade. Comecemos, então, pela descoberta.
5.1.Descoberta
5.1.1.
Considerações
Iniciais. Conceito
É ato-fato jurídico. Para relembrar,
ato-fato jurídico é aquilo que vem de um comportamento humano, mas produz
efeitos independentemente dessa vontade e até mesmo contra ela. A descoberta, então, é um ato-fato
consistente em encontrar coisa móvel alheia perdida. Exemplo do cachorrinho
perdido do vizinho.
Ato-fato porque, aquele que encontrou
coisa móvel perdida, independentemente de sua vontade, fará produzir efeitos. E
o efeito jurídico que decorre é uma obrigação de fazer, consistente na devolução da coisa ao proprietário, sob pena de
responsabilidade.
É muito diferente do seu sentido comum.
Atenção!
Exemplo: aquisição de posse. Vem de um
comportamento humano e produz efeitos independentemente de vontade.
Algum caixa do MCDonalds já se recusou a
vender para absolutamente incapaz? Jornaleiro se recusa a vender figurinhas
para absolutamente incapazes?
Dizer que isso é negócio jurídico é
estar no mato sem cachorro, porque o negócio jurídico pressupõe manifestação de
vontade; e o menor absolutamente não pode manifestá-la. O negócio é nulo.
Essas pequenas transações, celebradas
por incapazes, são atos-fatos jurídicos.
É
melhor enquadrá-lo como ato-fato, que decorre não da vontade, como no negócio,
mas vem do comportamento, e produz efeitos independentemente da vontade.
Voltando para a descoberta, ela é outro
exemplo de ato-fato, porque produz efeitos independentemente da vontade. E descoberta é encontrar coisa alheia
perdida.
Realizada a descoberta, são produzidos
efeitos jurídicos independentemente da vontade. E os efeitos são dois:
5.1.2.
Efeitos
Jurídicos da Descoberta
a) Cria Obrigação de fazer: consistente no
dever de devolução da coisa ao proprietário, sob pena de responsabilidade. Mas
na maioria das vezes não é possível saber quem é o proprietário. Nesse caso,
deve-se devolver a coisa à autoridade competente. Assim, no Direito Civil não se aplica o ditado achado não é roubado.
Feita a devolução, serão publicados editais de convocação do proprietário, os
quais serão dispensados tratando-se de bem de diminuto valor; 60 dias após a
publicação dos editais, se porventura o proprietário não aparecer, o descobridor não fica com a coisa para
sim, e os bens serão vendidos em hasta pública.
b) Direito à Recompensa: Dá-se o nome
de achádego à recompensa do descobridor, o qual será fixado, no valor mínimo de
5% sobre o valor da coisa, sem prejuízo à indenização devida pelas despesas com
a manutenção da coisa. Exemplo: cachorrinho ao veterinário....
Caso o descobridor queira, ele pode
renunciar ao direito ao achádego. Importante salientar que o descobridor não
ficará com o bem para si, como visto acima.
No entanto, existem 2 casos nos quais o descobridor, excepcionalmente, fica com a coisa para si, são elas:
5.1.3.
Aquisição da
Coisa pelo Descobridor
a)
Quando
o proprietário abandona a coisa em favor do descobridor para não pagar o
achádego;
b)
Quando
o Poder Público não tiver interesse na coisa.
Mas a regra geral é a de que a
descoberta não gera o direito de propriedade.
5.1.4.
Considerações
finais
Se o descobridor atua em razão de uma
relação jurídica com terceiro. Exemplo: caçador de tesouro. Nesse caso, não há direito
de ao achádego em face da relação contratual. Exemplo: contrato alguém para
achar meu cachorro. A existência de um negócio jurídico pode afastar as regras.
Outra advertência é não confundir a
descoberta com duas figuras muito assemelhadas.
1º
Não confundir com ocupação
(art. 1263 do CC) e
2º
Não confundir com arrecadação de
coisas vagas (art. 1.175 do CPC)
A ocupação é modo originário de
aquisição de propriedade de bem móvel. A diferença é que descoberta não gera
aquisição de propriedade e a ocupação sim.
Exemplificando, caça e pesca. A ocupação é encontrar coisa móvel alheia
sem dono. A diferença é:
coisa móvel alheia perdida à efeito jurídico é a obrigação de
restituir;
coisa
móvel alheia sem dono à modo originário
de aquisição de propriedade.
Ambas dizem respeito a bens móveis e se
amoldam no conceito de ato-fato jurídico.
Por outro lado, não se confunde a coisa
vaga com a arrecadação de coisas vagas (art. 1175 do CPC) Arrecadação de coisas
vagas são bens deixados em estabelecimentos comerciais (oficina, hotel).
Exemplo: esqueci meu terno na lavanderia (leia o papel, está escrito que o
terno ficará com a coisa na hipótese de não ser retirado no prazo previsto)
A cláusula é nula de pleno direito, pois
a arrecadação de coisas vagas não gera aquisição de propriedade, mas gera
direito à execução da coisa em juízo. Assim, a lavanderia não pode ficar com a
coisa para si.
6. Causas Originárias de Aquisição da Propriedade
Imóvel
6.1.Acessões
Acessão é tudo aquilo que se incorpora
definitivamente ao solo, de forma natural ou artificial, as quais passam a
pertencer ao proprietário do solo. Trata-se de união física em virtude da qual
o proprietário do bem principal se torna proprietário do bem acessório.[18]
Com efeito, “é modo originário aquisitivo de
propriedade em razão do qual o proprietário de um bem passa a adquirir a
titularidade de tudo o que a ela se adere.[19]”
O instituto trata, portanto, de duas
coisas que se unem, dando formação a uma nova, surgindo daí dois problemas a
serem enfrentados:
1.
A
quem atribuir a propriedade da coisa acedente à principal;
2.
As
conseqüências patrimoniais decorrentes da acessão.
Existem dois grupos de acessões que
apresentam as respectivas espécies:
Acessões
Humanas / Artificiais
|
Acessões
/ Naturais
|
è
Formação de ilhas
è
Aluvião
è
Avulsão
è
Abandono de álveo
|
è
Plantações
è
Construção
|
Outra classificação também pode ser
feita se o critério for o da natureza do bem acessório que se incorpora ao
principal. Neste caso, há três tipos de acessões:
a)
Acessões
de imóvel a imóvel, que compreendem a aluvião, a avulsão, a formação de ilhas e
os álveos abandonados;
b)
Acessões
de móvel a imóvel, que incluem as semeaduras, as construções e as plantações e;
c)
Acessões
de móvel a móvel, que englobam a comistão, a confusão, a adjunção e a
especificação.[20]
6.1.1.
Acessões Humanas
ou Artificiais (art. 1.253 a 1.259)
a)
Presunção Legal
Como dito, as acessões artificiais são
construções e plantações que se incorporam ao solo em razão da atividade
humana. A lei parte do pressuposto de que a plantação e a construção
incorporadas ao solo presumem-se (relativamente) que foi feita pelo seu
proprietário. Essa máxima decorre do princípio superficies solo cedit ou
accessorium solo cedit (o acessório cede ao solo), pois, como bem
adverte Álvaro Villaça Azevedo, “no direito romano, o solo sempre foi
considerado bem mais valioso.[21]”
Todavia, a presunção é relativa
porque comporta prova em contrário.
Disso decorre que o autor das acessões
poderá demonstrar, por exemplo, que edificou ou plantou no imóvel em razão de
um negócio jurídico, como o arrendamento e o comodato, ou por força de um direito
real na coisa alheia de fruição, como é o caso do usufruto e a superfície.
Além disso, a lei dispõe que são bens
acessórios (?) acoplados ao principal. Exemplo: Puxadinho. Ordinariamente, as
acessões humanas se submetem à teoria da gravitação (o acessório segue a sorte
do principal). Entretanto, uma novidade retumbante vem do parágrafo único advém
do 1.255 do CC.
Se a construção ou plantação....
è
Exceder
consideravelmente o valor do terreno
è
Aquele
que
è
De
boa fé
è
Plantou
ou edificou
è
Aquisição
da propriedade
è
Mediante
indenização
O dispositivo prevê uma episódica inversão da teoria da
gravitação. Aqui não é o proprietário do principal que adquire o
acessório. No caso, é o proprietário do acessório
que adquire o principal.
Exemplo: Aracajú/SE. “A” faleceu e
deixou 5 herdeiros. Todos, em comum acordo, receberam a herança. Dentre os
terrenos recebidos, um terreno em uma praia. Os herdeiros investiram e
construíram um hotel. Tempos depois, aparece um testamento que o pai tinha
feito em uma comarca do interior. O legatário recebeu do pai justamente o
terreno onde se edificou o hotel. No caso, o legatário pleiteou a posse do
imóvel, mas, como base no citado dispositivo, a posse e a propriedade da
acessão ficaram com os herdeiros, os quais tiveram de indenizar.
Repare que a inversão da teoria da
gravitação reclama a presença de 2 requisitos:
è
Que
a plantação ou construção exceda
manifestamente o valor do terreno (hotel luxuoso na orla da praia)
è
Boa
fé. Evidentemente, não se pode tolerar que essa inversão decorra de um ato de
má fé.
Já Flávio Tartuce realiza uma análise
sistemática das principais regras sobre as acessões artificiais.
Ao que parece, todas as regras giram em
torno da presunção de que aquilo que se incorpora ao solo foi plantado ou
construído pelo proprietário, assim como da regra de que a acessão, como bem
acessório, segue a sorte do principal. No entanto, adverte o professor Adriano
Stanley “que situações existem em que,
não necessariamente, o dono do terreno será dono dos materiais e plantas que
ali se encontram.[22]”
Para efeito desta análise, pode-se criar
um esquema para facilitar o estudo, dividindo-o em regras:
1ª Regra:
Plantação/Construção em terreno próprio com sementes, plantas e materiais
alheios (art. 1.254)
è
Exemplo: “alguém está
guardando, por ato de amizade, cimento de um parente em sua fazenda. Certo dia,
essa pessoa utiliza o cimento e constrói um galpão na propriedade.”
Outro exemplo:
A é titular de
um imóvel e ao receber por engano um carregamento de madeira delibera por
utilizar o material na construção de um cômodo.[23]
|
è
Solução: O dono do solo
adquire a propriedade das acessões “mas fica obrigado a pagar-lhes o valor,
além de responder por perdas e danos,
se agiu de má-fé”
è
Análise: Marco Aurélio
Viana lembra que o mais adequado em tese seria que o dono dos materiais pudesse
reivindicá-los, mas o direito quer
evitar os transtornos de uma destruição, “que em nada beneficiaria o
prejudicado, já que não haverá mais identidade entre o que o dono perdeu e o
que poderá recuperar.[24]”
2ª Regra:
Semeadura, Plantação e Construção em terreno alheio com sementes, plantas e
materiais próprios. (1.255, caput)
è
Exemplo: alguém está ocupando
a casa de um parente que está viajando para o exterior por um ano. Aproveitando
a ausência do familiar, essa pessoa constrói, com material próprio, uma piscina
no fundo da casa. O ocupante não terá qualquer direito, pois agiu de má-fé, já
que sabia que a propriedade não seria sua. Se agiu de boa-fé na construção, como
no caso de algo que visava proteger o imóvel de uma destruição, terá direito à
indenização.
è
Solução: perde as
acessões para o proprietário, e se procedeu de boa fé, terá direito a
indenização.
è
Observação: O regime
jurídico das benfeitorias (art. 1.219 e 1220 do CC/02) também se aplica às
acessões, daí que o dono dos materiais que agiu de boa fé, além de ter o
direito à indenização, também tem o direito de retenção pelas acessões. Esse
entendimento foi inclusive objeto do Enunciado nº 81 do CJF:
81 - Art. 1.219: O direito de
retenção previsto no art. 1.219 do CC, decorrente da realização de
benfeitorias necessárias e úteis, também se aplica às acessões (construções e
plantações) nas mesmas circunstâncias.
|
3ª Regra: 2ª
regra com uma diferença: Ambos agiram de má fé (o que plantou ou edificou e o
dono do solo – dolo recíproco) (art. 1.256)
è
Exemplo: o proprietário de um
imóvel deixa que alguém construa uma piscina com os seus materiais, nos fundos
da casa, pensando o último que por isso poderá adquirir o domínio do bem
principal. No caso descrito, há uma má-fé recíproca ou bilateral, pois ambos
pretendem o enriquecimento sem causa. O proprietário da casa ficará com a
piscina, mas deverá indenizar o outro pelos valores gastos com a sua
construção. O parágrafo único do art. 1.256 do CC traz ainda uma presunção
relativa de má-fé, quando a construção ou a plantação foi feita na presença do
proprietário do imóvel e sem
Um
exemplo melhor:
Após o
matrimônio o casal A e B delibere por edificar no fundo do terreno de C, pai
de A. Se, tempos depois, o casal vier a separar-se, a B não será deferida a
propriedade do imóvel, pois este pertencerá a seu sogro C, titular do solo.
Todavia, B poderá pleitear a indenização calculada sobre 50% do valor da
acessão, uma vez que o proprietário C obrou de má fé, ao permitir as obras
realizadas pelo casal em seu terreno.
|
è
Solução: o proprietário
do solo adquire as sementes, plantas e materiais, devendo ressarcir as
acessões.
è
Nota: Presume-se má-fé do
proprietário quando o trabalho de construção, ou lavoura, se fez em sua
presença e sem impugnação sua. Neste caso, o proprietário do terreno poderia
ter ajuizado ação de nunciação de obra nova (934 a 940 do CPC)
4ª Regra: mesma regra
anterior, com uma diferença: Se a construção ou a plantação exceder
consideravelmente o valor do terreno (art.
1.255. p. único)
è
Solução: aquele que, de
boa-fé, plantou ou edificou,
adquirirá a propriedade do solo, mediante pagamento da indenização fixada
judicialmente, se não houver acordo.
Atenção: Esta
modalidade caracteriza a chamada acessão inversa., que recebe este nome porque não é o
proprietário do solo que adquire as acessões. Trata-se de uma exceção à regra,
e daí o nome acessão inversa. Ademais, na expressão de Marco Aurélio
Bezerra de Mello, o instituto representa verdadeira mitigação do princípio da
acessão.
De acordo com Flávio Tartuce: “Esse último dispositivo, novidade no atual Código Civil, acaba
por considerar como principal a
plantação ou a construção, fazendo com que o terreno o acompanhe, consagração do que se denomina como acessão inversa ou invertida,
o que está de acordo com o princípio da função social da propriedade.”
Ora, certas edificações são mais
relevantes economicamente do que os terrenos onde elas são erigidas.
5ª Regra:
Plantação e Construção em parte no solo próprio e em parte no solo alheio. Em proporção não superior à
vigésima parte deste (art. 1.258)
è
Exemplo: alguém que constrói
em sua propriedade uma churrasqueira com cobertura, que vem a invadir o terreno
alheio em percentual não superior a 5% deste. Se a construção foi feita de
boa-fé, ou seja, se o construtor não sabe da invasão, poderá adquirir a parte
invadida, desde que a construção exceda o que se invadiu. Todavia, o construtor
deverá indenizar o vizinho pela área que o último perdeu e por eventual
desvalorização do imóvel restante, se for o caso.
è
Solução: adquire o construtor de boa-fé a propriedade da parte do
solo invadido, se o valor da construção
exceder o dessa parte, e responde por indenização que represente, também, o
valor da área perdida e a desvalorização da área remanescente;
è
Requisitos da
acessão inversa: 1 (boa fé); 2 (valor da construção exceder o valor da área
invadida); 3 (pagamento de indenização que incluir, dentre outras perdas e danos,
o valor da área perdida + desvalorização da área remanescente);
è Detalhe: O dispositivo se refere apenas às construções.
è Comentário: “Se o princípio da acessão fosse
adotado com rigor, a solução normativa em tais casos seria a de conceder a
propriedade da construção, em sua parte invadida, ao proprietário do terreno
vizinho – formando um esdrúxulo
condomínio com o construtor vizinho -, ou permitir ao proprietário do terreno
invadido a faculdade de derrubar a construção que se encontre nos limites de
seu terreno (solução igualmente desastrosa)
6ª Regra: Na
mesma hipótese acima, o possuidor de má fé também pode adquirir a propriedade
de parte do terreno alheio. A lei estabelece alguns requisitos para isso: (art.
1.258, p. único)
è
Requisitos: 1 (invasão
limitada até vigésima parte do terreno alheio); 2 (valor da construção excede consideravelmente o valor da
área invadida); 3 (impossibilidade de demolição da porção invasora sem grave
prejuízo para a construção); 4 (pagamento em décuplo as perdas e danos
previstas no art. 1.258)
è Enunciado 318, da IV Jornada: Não se
contentaram com os requisitos rígidos do artigo 1.258. Na IV Jornada, aprovaram
mais um enunciado (318) que
estabeleceu mais um requisito: para além dos requisitos do 1.258, somente
haverá o direito à aquisição da propriedade se for para beneficiar terceiros de
boa fé. Eis o enunciado: “O direito à
aquisição da propriedade do solo em favor do construtor de má-fé (art. 1.258,
parágrafo único) somente é viável quando, além dos requisitos explícitos
previstos em lei, houver necessidade de proteger terceiros de boa-fé”.
è
Exemplo para
entender o Enunciado 318: A hipótese corriqueira de empreendimentos
imobiliários em que promitentes compradores não têm conhecimento de que a
construtora extrapolou o limite de sua propriedade e acabou adentrando em
terreno contíguo.
è
Fundamento para
esse requisito a mais, previsto no E. 318: É que a interpretação literal do
dispositivo implica em admitir que a má fé, aliada ao Poder Econômico, possa
invadir e expropriar terrenos. Trata-se, portanto, de um incentivo às invasões
capitaneadas pelo Poder Econômico – UM
MST ÀS AVESSAS. O instituto é como uma MINIDESAPROPRIAÇÃO NO INTERESSE PRIVADO.
7ª Regra:
Invasão Superior a 5% da área. (art. 1.259)
São duas soluções, a depender se o
construtor estava ou não de boa fé:
è
Solução para o
construtor de boa fé: adquire a propriedade da parte do solo invadido, e
responde por perdas e danos que abranjam o valor que a invasão acrescer à
construção, mais o da área perdida e o da desvalorização da área remanescente;
è
Solução para o
construtor de má fé: será obrigado a demolir o que nele construiu, pagando as perdas e danos
apuradas, que serão devidos em dobro.
6.1.2.
Acessões
Naturais ou de imóvel a imóvel.
Como o nome sugere, são aquelas que
decorrem de eventos da natureza.
6.1.2.1.AVULSÃO (art. 1.251)
Segundo Flávio Tartuce: “a avulsão é uma faixa de terra avulsa, que
se desloca de um terreno, por força natural (e violenta) da corrente, para se
juntar ao outro.”[25] Trata-se
de uma “forma de aquisição da propriedade imóvel desencandeada pelo fato de
porção de terra, por força natural e violenta, se deslocar de prédio e
juntar-se a outro. Este deslocamento denomina-se avulsão.[26]”
No caso, o recurso memória minemônica
pode ser útil, pois um pedaço de terra se desprende e é levado de um lugar para
o outro. Esse pedaço se torna avulso
e é arrastado. É um fenômeno típico de terrenos ribeirinhos, porque exige a
força das águas.
O Código estabelece o prazo de um ano para o proprietário que recebeu a terra decidir se indeniza ou se devolve
a terra[27].
Como ele vai devolver? Só se for possível!!
Do contrário, decorrido o prazo de 01
ano, sem qualquer manifestação do proprietário pendente, a terra é incorporada
de forma definitiva e gratuitamente ao domínio.
Para Cristiano Chaves, o prazo é
decadencial, pois se o proprietário pudesse somente pleitear indenização, aí a
natureza da sentença seria condenatória e, consequentemente, o prazo seria de
prescrição. Nesse caso, se trataria de um direito subjetivo. Mas é um direito
potestativo de se reclamar a avulsão.
Neste aspecto é de se concordar com
Flávio Tartuce, pois a pretensão do proprietário do lote que perdeu a porção de
terra não é o de reclamar a avulsão, em si, mas sim de exigir o pagamento da
indenização. E mesmo assim, se o dono do terreno que houver recebido a avulsão
se recusar a pagar, terá obrigação de não fazer, ou seja, deverá se submeter à
remoção forçada da parte da terra. Veja, em ambos os casos, tem-se uma
pretensão condenatória, seja de pagar ou não fazer alguma coisa. É, portanto,
prescricional o prazo. A figura abaixo ilustra o fato jurídico avulsão:
6.1.2.2.Aluvião (art. 1.250)
O instituto está previsto no artigo
1.250 e respectivo parágrafo, que prescrevem:
“Art. 1.250 do CC que
“Os acréscimos formados, sucessiva e imperceptivelmente, por depósitos e
aterros naturais ao longo das margens das correntes, ou pelo desvio das águas
destas, pertencem aos donos dos terrenos marginais, sem indenização.”
parágrafo único: “O
terreno aluvial, que se formar em frente de prédios de proprietários
diferentes, dividir-se-á entre eles, na proporção da testada de cada um sobre a
antiga margem”
Diante da previsão legal, aponta-se duas
modalidades ou espécies de aluvião:
a)
Aluvião Própria (TERRA VEM): é o acréscimo paulatino de terras às margens de um
curso de água, de forma lenta e imperceptível; depósitos naturais ou desvios das
águas. Esses acréscimos pertencem aos donos dos terrenos marginais, seguindo a
regra de que o acessório segue o principal. Didaticamente, pode-se dizer que na aluvião própria a terra vem. Para ilustrar, A
tem um rancho à beira de um rio, destinado às suas pescarias. Aos poucos a sua
propriedade vai aumentando, pois um movimento de águas traz terra para a sua
margem, como ilustra a imagem abaixo:
b)
Aluvião
Imprópria (ÁGUA VAI):
as partes do álveo descobertas pelo afastamento das águas de um
curso são assim denominadas, hipótese em que a água vai, ou seja, do
rio que vai embora. A percebe que adquiriu propriedade, pois o
rio que fazia frente ao seu rancho recuou. Por isso, ele tem um espaço maior para
construir um palanque destinado às suas pescarias. Vide figura abaixo:
c)
Aluvião e
avulsão
De acordo com Cristiano de Farias
Chaves, na avulsão o desprendimento é abrupto e repentino. Diferentemente, na
aluvião o acréscimo de terras é lento e paulatino. Uma propriedade vai
lentamente perdendo terras para outra.
Exemplo: assoreamento. É uma propriedade
sendo lentamente diminuída e outra acrescida, sempre por um fenômeno da
natureza. Se na aluvião o acréscimo é lento e paulatino, o proprietário
prejudicado pode adotar providências para que o fenômeno não se mantenha?
Sim, justamente porque o fenômeno é
lento e paulatino. Por conseguinte, não
há direito potestativo de reclamação. E isso ocorre porque o processo é
lento, sendo que ele poderia ter adotado alguma providência.
E não se diga que há enriquecimento sem
causa, mas sim conduta omissiva (desidiosa) do proprietário.
6.1.2.3.Formação de Ilhas (art. 1.249)
a)
Conceito
Ilhas são acréscimos de terras em meio às
águas dos rios. Segundo Maria Helena Diniz, “ilha é acúmulo paulatino de areia,
cascalho e materiais levados pela correnteza, ou de rebaixamento de águas, deixando a descoberto e a seco
uma parte do fundo e do leito.” Neste caso, a ilha formada em um rio que
não seja público[28]
pertencerá aos proprietários ribeirinhos, na proporção de suas testadas (art.
1.249)[29]
b)
Rios Públicos e
Particulares
A primeira questão a ser apurada na
formação de ilhas é a natureza do rio em que se formou a ilha. Afinal, o que vem
a ser um rio comum ou particular previsto no artigo 1.249? De acordo com o
Código de Águas (Decreto 24.643, de 19 de Julho de 1.934), os cursos d’água são
definidos em públicos e particulares, sendo rios públicos os rios avegáveis, e
rios particulares, os não navegáveis.
Neste sentido, dispõe o artigo 23 do
Código de Águas:
Art. 23. As
ilhas ou ilhotas, que se formarem no álveo de uma corrente, pertencem ao
domínio público, no caso das águas públicas, e ao domínio particular, no caso
das águas comuns ou particulares.
Os rios navegáveis pertencem à união. E
as ilhas formadas nos rios navegáveis. Também pertencem à união? Para Cristiano
Chaves, não, porque o que pertence à união é o rio. As ilhas, portanto, mesmo
que formadas em rios navegáveis pertencerão aos proprietários ribeirinhos na
proporção de suas testadas.
No entanto, essa não foi a opinião do
mesmo autor em sua obra em coautoria com Nelson Rosenvald. No livro, ambos
dizem que “se navegável a acessão verifica-se em proveito da pessoa jurídica de
Direito Público, por tratar-se de águas públicas[30].”
Maria Helena Diniz sustenta que “[...] interessam ao Direito
Civil somente ilhas formadas em rios
não navegáveis ou particulares, por pertencerem ao domínio particular,
conforme consta do Código de Águas. As ilhas fluviais e lacustres de zonas de
fronteira, ilhas oceânicas ou costeiras pertencem à União, aos Municípios (art.
20, IV, da CF/1988) ou aos Estados Federados (art. 26, II e III, da CF/1988).”
Com esse mesmo ponto de vista, Luciano
de Camargo Penteado afirma que o conceito de rio particular é obtido por
exclusão, conforme o artigo 8º do Código de Águas, que dispõe ser dessa
natureza as águas não classificadas como “comuns de todos, águas públicas e
águas comuns”[31]
Em suma:
Ilhas formadas
em rios particulares (não navegáveis)
|
Ilhas formadas
em rios públicos (navegáveis)
|
Ilhas
Lacustres e fluviais de zonas de fronteira
|
Propriedade
particular
|
De
propriedade do Estado e Municípios
|
União
|
c)
Principais
Regras
Feitos os primeiros esclarecimentos, urge
compreender as principais regras acerca das ilhas, previstas no Código civil.
Vamos à primeira e mais importante:
1ª Regra As ilhas que se formarem no meio do rio consideram-se
acréscimos sobrevindos aos terrenos ribeirinhos fronteiros de ambas as margens, na
proporção de suas testadas, até a linha que dividir o álveo em duas partes
iguais.
Repare que para identificar a porção de
terra que caberá aos proprietários ribeirinhos fronteiriços é preciso traçar um
meridiano no rio, com o que
se torna possível identificar o total da área de cada um. (testadas)
2ª Regra: As ilhas que se formarem entre a referida linha e uma das margens
consideram-se acréscimos aos terrenos ribeirinhos fronteiros desse mesmo lado.
A regra traduz o “óbvio lulante”, mas
atenção: ela ficou tão óbvia assim, somente por conta da 1ª regra, na qual é
preciso traçar um meridiano para identificação das testadas.
Ou seja: a porção de terra que surgir
para além do meridiano fica fora da testada do proprietário ribeirinho
fronteiriço da outra margem.
E, finalmente, a terceira regra:
3ª Regra: As ilhas que se formarem
pelo desdobramento de um novo braço
do rio continuam a pertencer aos proprietários dos terrenos à custa dos quais
se constituírem.
De acordo com Flávio Tartuce, “ [...] a ilha pode ser formada diante do desdobramento de um braço
de rio, ou seja, diante de um novo curso de água que se abre. Diante da
terceira regra, se isso ocorrer, a ilha
pertencerá ao proprietário que margeia esse novo desdobramento, ou seja,
será daquele que tem a propriedade do terreno à custa do qual o novo braço se
constituiu:
Em síntese, pode-se dizer que “as ilhas
que se formam no meio do rio são consideradas como acedidas aos terrenos de ambas as margens, na proporção da
testada de cada um deles. Isto é a linha que divida o álveo do rio em duas
partes iguais. Já as que se foram entre essa linha e uma das margens são
consideradas como acedidas ao terreno ribeirinho que faça fronteira para o lado
em que se formou a ilha. Por fim, as ilhas que se formarem pelo desdobramento
de braço do rio continuam a pertencer ao proprietário do terreno que serviu de
base a sua formação.”[32]
6.1.2.4.ÁLVEO ABANDONADO – ABANDONO DE ÁLVEO (art. 1.252)
O art. 9º do Código de Águas define o
que é álveo. Álveo é a superfície do rio ordinariamente encoberta pelas águas,
ou seja, é a superfície que as águas cobrem sem transbordar para o solo natural e
ordinariamente enxuto.
Em termos simples, é o leito do rio. Assim, de ordinário, não se pode ver o
álveo, pois está encoberto.
Sendo assim, o álveo abandonado é a terra que fica do rio que seca, ainda que
sazonalmente e por isso “consiste na modalidade de acessão em que um
rio descobre o leito normalmente coberto.”[33]
Então, considerando que o álveo
encontra-se encoberto, ordinariamente não se pode vê-lo. No entanto, por
fenômenos naturais, como seca, estiagem, por exemplo, isso torna-se possível.
E quando isso acontece, alguém vai
adquiri-lo. E quem o adquire é o proprietário ribeirinho respectivo. Detalhe: o
álveo sempre pertencerá ao proprietário ribeirinho, mesmo se tratando de rios navegáveis (públicos). E se
eventualmente o rio encobrir o álveo, aquele que adquiriu perde a propriedade, sem
direito à indenização, nos termos do artigo 1.252:
Art. 1.252. O
álveo abandonado de corrente pertence aos proprietários ribeirinhos das duas
margens, sem que tenham indenização os donos dos terrenos por onde as águas
abrirem novo curso, entendendo-se que os prédios marginais se estendem até o
meio do álveo.
O dispositivo do Código Civil é muito
semelhante à previsão já contida no artigo 26 do Código de Águas, que
prescreve:
Art. 26. O álveo
abandonado da corrente pública pertence aos proprietários ribeirinhos das duas
margens, sem que tenham direito a indenização alguma os donos dos terrenos por
onde as águas abrigarem novo curso.
Parágrafo único.
Retornando o rio ao seu antigo leito, o abandonado volta aos seus antigos
donos, salvo a hipótese do artigo seguinte, a não ser que esses donos indenizem
ao Estado.
No que tange à porção de terra que
caberá a cada proprietário ribeiro, devem-se aplicar as mesmas regras da
formação de ilhas, ou seja, traça-se
o meridiano para apuração das testadas. Com isso, é possível saber a
extensão de terra compreendida entre a linha central imaginária do rio e as
respectivas margens.
Para ilustrar, confira a imagem
seguinte:
Por fim, situação distinta ocorre se a
mudança da corrente, que acarretou o abandono do álveo, se deu em virtude de
ação humana – desvio das águas levada a efeito pelo poder público, por exemplo
– neste caso, o álveo abandonado pertencerá ao Poder Público, independentemente
do pagamento de indenização.
Neste sentido, conferir os seguintes
julgados:
Águas. Código
(Decreto nº 24.643/34). Rio. Mudança da corrente (álveo abandonado).
Indenização prévia (desnecessidade, no caso).
Propriedade
(pública).
1. De uso comum
do povo, o rio é bem público (Cód. Civil, art. 66, I).
2. No caso de
mudança da corrente pública pela força
das águas ou da natureza, o álveo abandonado é regido pelo disposto no art. 26
do Cód. de Águas.
3. Mas, no caso
de mudança da corrente pública por obra
do homem, o leito velho, ou o álveo abandonado pertence ao órgão público
(atribui-se "a propriedade do leito velho a entidade que, autorizada por
lei, abriu para o rio um leito novo"). Cód. de Águas, art. 27.
4. Em tal caso
de desvio artificial do leito, a acessão
independe do prévio pagamento de eventuais indenizações. Conforme o acórdão
estadual, "Não é premissa dessa
aquisição que o poder público indenize previamente o proprietário do novo
álveo".
5. Recurso
especial pela alínea a (alegação de ofensa aos arts. 26 e 27), de que a 3ª
Turma não conheceu.
(REsp 20.762/SP,
Rel. Ministro NILSON NAVES, TERCEIRA TURMA, julgado em 15/02/2000, DJ
07/08/2000, p. 103)
Processo Civil. Agravo no Recurso Especial. Ação de divisão. Desvio do
curso do rio. Utilidade pública. Álveo abandonado. Propriedade do Estado.
Código de Águas, art. 27. Litigância de má-fé. Atentado àverdade dos fatos.
Reexame de prova. Prova do prejuízo e julgamento extra petita.
Prequestionamento. Ausência. - Se o rio teve seu curso alterado por ingerência
do Poder Público, e não por fato exclusivo da natureza, pertence ao
expropriante a fração de terra correspondente ao álveo abandonado. - É
inadmissível o recurso especial na parte em que dependa de reexame de prova e
se não houve o prequestionamento do direito tido por violado. - Agravo no
recurso especial a que se nega provimento (STJ. T3 - Terceira Turma. AgRg no REsp
431698/SP. Agravo Regimental No Recurso Especial 2002/0048962-6. Rel. Min.
Nancy Andrighi. Data do Julgamento: 27/08/2002. DJ 30/09/2002 p. 259. JBCC vol.
199 p. 89).
[1]
PEREIRA, Caio Mário
Silva. Instituições de Direito Civil - Vol. IV - Direitos Reais, 22ª edição.
Forense, 03/2014. VitalBook file.
[2] PEREIRA, Caio Mário
Silva. Instituições de Direito Civil - Vol. IV - Direitos Reais, 22ª edição.
Forense, 03/2014. VitalBook file.
[3]PEREIRA, Caio Mário
Silva. Instituições de Direito Civil - Vol. IV - Direitos Reais, 22ª edição.
Forense, 03/2014. VitalBook file.
[4]PEREIRA, Caio Mário
Silva. Instituições de Direito Civil - Vol. IV - Direitos Reais, 22ª edição.
Forense, 03/2014. VitalBook file.
[5] § 4o O proprietário também pode ser
privado da coisa se o imóvel reivindicado consistir em extensa área, na posse
ininterrupta e de boa-fé, por mais de cinco anos, de considerável número de
pessoas, e estas nela houverem realizado, em conjunto ou separadamente, obras e
serviços considerados pelo juiz de interesse social e econômico relevante.
§ 5o No caso do
parágrafo antecedente, o juiz fixará a justa indenização devida ao
proprietário; pago o preço, valerá a sentença como título para o registro do
imóvel em nome dos possuidores.
[6] TARTUCE, Flávio. Manual
de Direito Civil - Volume Único, 4ª edição. Método, 12/2013. VitalBook
file.
[7] Art. 10. As áreas urbanas
com mais de duzentos e cinqüenta metros quadrados, ocupadas por população de
baixa renda para sua moradia, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição,
onde não for possível identificar os terrenos ocupados por cada possuidor, são
susceptíveis de serem usucapidas coletivamente, desde que os possuidores não
sejam proprietários de outro imóvel urbano ou rural.
[8] Art. 183 e 191
§ 3º - Os imóveis
públicos não serão adquiridos por usucapião.
Art. 102. Os bens públicos não estão sujeitos a
usucapião.
[9] Art. 99. São bens públicos:
III - os dominicais,
que constituem o patrimônio das pessoas jurídicas de direito público, como
objeto de direito pessoal, ou real, de cada uma dessas entidades.
[10] São exemplos de
bens públicos dominicais, segundo Flávio Tartuce: terrenos de marinha,
as terras devolutas, as estradas de ferro, as ilhas formadas em rios navegáveis,
os sítios arqueológicos, as jazidas de minerais com interesse público e o mar
territorial (TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil - Volume Único, 4ª
edição. Método, 12/2013. VitalBook file.)
[11] Art. 1.229. A propriedade do
solo abrange a do espaço aéreo e subsolo correspondentes, em altura e
profundidade úteis ao seu exercício, não podendo o proprietário opor-se a
atividades que sejam realizadas, por terceiros, a uma altura ou profundidade
tais, que não tenha ele interesse legítimo em impedi-las.
[12] PEREIRA, Caio Mário Silva. Instituições de
Direito Civil - Vol. IV - Direitos Reais, 22ª edição. Forense, 03/2014.
VitalBook file.
[13] Art. 1.230. A propriedade do solo não abrange as
jazidas, minas e demais recursos minerais, os potenciais de energia hidráulica,
os monumentos arqueológicos e outros bens referidos por leis especiais.
Parágrafo único. O proprietário do solo
tem o direito de explorar os recursos minerais de emprego imediato na
construção civil, desde que não submetidos a transformação industrial,
obedecido o disposto em lei especial.
[14] A Constituição de 1988
declara serem bens da União os recursos minerais, inclusive os do subsolo.
As jazidas e
demais recursos minerais e os potenciais de energia hidráulica constituem
propriedade distinta do solo e pertencem à União, garantida ao concessionário a propriedade do produto da lavra e
assegurada participação ao proprietário do solo nos resultados da lavra e no
valor que dispuser a lei (Constituição de 1988, art. 176 e seus parágrafos).
[15]
CHAVES, Cristiano de
Farias. ROSENVALD, Nelson. Direitos Reais. 7ª Edição. Editora Lumen Juris. Ano:
2011. p. 323.
[16] CHAVES, Cristiano de Farias.
ROSENVALD, Nelson. Direitos Reais. 7ª Edição. Editora Lumen Juris. Ano: 2011.
p. 323.
[17] TARTUCE, Flávio. Manual
de Direito Civil - Volume Único, 4ª edição. Método, 12/2013. VitalBook
file.
[18] WALD, Arnold0. Direitos Civil.
Direito das Coisas. Volume 4º. 12º Edição. Editora Saraiva. São Paulo: 2009. p.
186.
[19] CHAVES, Cristiano de Farias.
ROSENVALD, Nelson. Direitos Reais. 7ª Edição. Editora Lumen Juris. Rio de
Janeiro; 2011. P. 386.
[20] WALD, Arnold0. Direitos Civil.
Direito das Coisas. Volume 4º. 12º Edição. Editora Saraiva. São Paulo: 2009. p.
187.
[21]
AZEVEDO, Álvaro Villaça. Curso de Direito Civil. Direito das Coisas. Editora
Atlas. São Paulo: 2014. P. 59.
[22] STANLEY, Adriano. Direito das
Coisas. Colação Del Rey. Volume 6. Editora Del Rey. Belo Horizonte: 2009. p.
104.
[23] CHAVES, Cristiano de Farias.
ROSENVALD, Nelson. Direitos Reais. 7ª Edição. Editora Lumen Juris. Rio de
Janeiro: 2011. p. 393.
[24]
VIANA, Marco Aurélio apud CHAVES, Cristiano de Farias.
ROSENVALD, Nelson. Direitos Reais. 7ª Edição. Editora Lumen Juris. Rio de
Janeiro: 2011. p. 393.
[25] TARTUCE, Flávio. Manual
de Direito Civil - Volume Único, 4ª edição. Método, 12/2013. VitalBook
file.
[26]
PENTEADO, Luciano de Camargo. Direito das Coisas. 2ª Edição. Revista dos
Tribunais. São Paulo: 2011. p. 345.
[27] “quando, por força
natural violenta, uma porção de terra se destacar de um prédio e se juntar a
outro, o dono deste adquirirá a propriedade do acréscimo, se indenizar o dono
do primeiro ou, sem indenização, se, em um ano, ninguém houver reclamado.”
[28] WALD, Arnold0. Direitos Civil.
Direito das Coisas. Volume 4º. 12º Edição. Editora Saraiva. São Paulo: 2009. p.
188.
[29] Art. 1.249. As ilhas que se formarem em correntes
comuns ou particulares pertencem aos proprietários ribeirinhos fronteiros,
observadas as regras seguintes:
I - as que se
formarem no meio do rio consideram-se acréscimos sobrevindos aos terrenos
ribeirinhos fronteiros de ambas as margens, na proporção de suas testadas, até
a linha que dividir o álveo em duas partes iguais.
[30]
CHAVES, Cristiano de Farias. ROSENVALD, Nelson. Direitos Reais... p. 388.
[31]
PENTEADO, Luciano de Camargo. Direito das Coisas. 2ª Edição. Editora Revista
dos Tribunais. São Paulo: 2011. p. 344
[32] PENTEADO, Luciano de Camargo.
Direito das Coisas. 2ª Edição. Editora Revista dos Tribunais. São Paulo: 2011.
p. 344
[33]
Opus Cit.
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