1.1.1.
USUCAPIÃO DE
BENS IMÓVEIS
1.1.1.1.Histórico
Etimologicamente advém do latim usu (que significava primitivamente
posse) e capere (captar, tomar),
significando “captar pela posse[1]”
Afirma-se que a usucapião foi prevista originariamente
na Lei das Doze Tábuas[2],
em 455 a.C. Todavia, a usucapião só podia ser utilizada por cidadãos romanos, e
não pelos estrangeiros (peregrinos), os quais não se sujeitavam ao ius civile.
Com o passar do tempo, os estrangeiros
puderam contar com a chamada prescrição, uma forma de defesa ou exceção contra
ações reivindicatórias, e que se fundava na posse prolongada por 10 ou 20 anos,
conforme fosse o caso. Mas é importante observar que a prescrição era apenas um
meio de extinção da pretensão reivindicatória, e não uma forma de aquisição e
perda da propriedade.
Entretanto, em 528 d.C o imperador
Justiniano unificou os institutos da usucapião e da prescrição, convertendo a
usucapião como modo de aquisição e perda da propriedade, simultaneamente. Daí é
que se diz que a usucapião é uma espécie “prescrição aquisitiva.”
Essa forma de tratamento unitário da
usucapião como espécie de aquisição e perda da propriedade (prescrição
aquisitiva) deu origem ao critério monista, que foi consagrado pelo Código
Civil Francês.
Por outro lado, há também o critério
dualista, adotado no BGB e, por influência deste, também foi adotado pelo
Código Civil de 1916 e pelo atual diploma civilista brasileiro. Anote-se,
ainda, que esta orientação foi seguida por Clóvis Bevilacqua.
O critério dualista trata separadamente
a prescrição extintiva da usucapião. Segundo Cristiano Chaves e Nelson
Rosenvald, “é impróprio conceituar a usucapião como prescrição aquisitiva.[3]”
1.1.1.2.Noções Preliminares (conceito, etimologia,
fundamento, natureza jurídica)
É modo originário de aquisição de
propriedade e de outros direitos reais em função da posse prolongada no tempo e
do atendimento dos demais requisitos previstos em lei. Um detalhe: acompanho
Aurélio Buarque de Holanda no tratamento da palavra no gênero feminino, como
também o faz o próprio Código Civil.
Costuma-se vincular a usucapião apenas
aos bens imóveis, mas, pelo conceito apresentado, verifica-se que ela também se
aplica a bens móveis (art. 1.260[4],
do CC) e a outros direitos reais, como a servidão (art. 1.379[5] do
CC) e o usufruto (art. 1.391[6],
do CC).
O fundamento é a consolidação da
propriedade em favor daquele que, pelo exercício prolongado e ininterrupto de
uma posse pacífica, deu ao bem uma destinação econômica mediante o exercício
dos poderes de fato (posse) sobre o mesmo.
Assim, enquanto a posse é o poder de
fato sobre a coisa, a propriedade é o poder de direito que nela incide. Pela
usucapião, confere-se juridicidade ao poder de fato (posse). Neste sentido, a
usucapião funciona como uma ponte por permitir essa travessia ou transição de
uma situação de fato para uma de direito.
Enxerga-se aqui um duplo aspecto neste
fundamento, pois a usucapião significa tanto um prêmio ao possuidor diligente,
como uma sanção ao proprietário negligente ou desidioso.
Noutro giro, é importa sublinhar que a
usucapião é modo originário de aquisição de propriedade.[7]
Assim, como visto, na aquisição
originária o adquirente não adquire o bem do alienante, mas contra ele.
Ou seja: não há relação jurídica entre o anterior e o outro proprietário.
E como não há vínculo jurídico por meio
do qual se transmitem os vícios da propriedade anterior, o adquirente pelo modo
originário inicia uma posse e uma propriedade livres de quaisquer defeitos
anteriores. Ao contrário, se a aquisição é derivada, a coisa é transmitida com
os mesmos atributos e restrições, como ônus reais e gravames.[8]
Assim, em reforço aos comentários já
feitos sobre a matéria, a aquisição originária põe termo a uma eventual
hipoteca ou servidão. Destarte, também não incide o imposto de transmissão
sobre bens imóveis (ITBI) diante da inexistência do fato gerador (“transmissão
da propriedade imobiliária”)
Quanto aos débitos tributários que, por
essência, são definidos como obrigações propter
rem, há quem afirme que esses sim são devidos pelo adquirente originário,
como é o caso do usucapiente,[9]
por se tratarem de dívidas ambulatórias que acompanham a coisa,
independentemente de quem seja o seu titular. Essa posição, aliás, é reforçada
pelo que está previsto no artigo 945 do CPC, já que o registro da sentença no
cartório de registro de imóveis está condicionado à satisfação dos encargos
fiscais, confira-se:
Art. 945. A
sentença, que julgar procedente a ação, será transcrita, mediante mandado, no
registro de imóveis, satisfeitas as
obrigações fiscais.
Entretanto, esta parece não ser a
posição adotada na jurisprudência, pois o STF, segundo Flávio Tartuce, tem
várias decisões neste sentido.
A mesma dúvida não existe quando se
tratar de usucapião especial rural, já que, de acordo com o art. 8º da Lei
6.969/81, o usucapiente não tem de pagar eventuais débitos tributários
existentes sobre o imóvel.
Trata-se, na verdade, de imunidade
tributária prevista inicialmente no artigo 21, §6º da Constituição outorgada de
1.969 (ao qual se o artigo 8º acima citado) e agora prevista no artigo 153, VI
c/c o §º4º, II da CR/88:
Art. 153.
Compete à União instituir impostos sobre:
VI - propriedade
territorial rural;
§ 4º O imposto
previsto no inciso VI do caput:
II - não
incidirá sobre pequenas glebas rurais, definidas em lei, quando as explore o
proprietário que não possua outro imóvel;
1.1.1.3.Natureza Jurídica da Sentença na Ação de Usucapião
Ora, dizer que usucapião é modo
originário aquisitivo traz consigo outra consequência. Isso quer dizer que a sentença de usucapião é
fundamentalmente declaratória. A sentença apenas declara a aquisição da
propriedade.
Logo, a sentença que reconhece a
usucapião tem natureza meramente declaratória. Aliás, a maioria esmagadora dos
autores assim se posiciona. Somente o Silvio
Rodrigues sustenta que se trata de sentença constitutiva.
Sobre o tema, recorda-se da obra
“Tratado das Ações” de Pontes de Miranda. A grande colaboração que emana desta
obra foi a de que não existem
provimentos jurisdicionais rigorosamente puros. Assim, nenhuma sentença
será somente declaratória ou constitutiva ou, ainda, condenatória. Todo
provimento jurisdicional traz consigo diferentes cargas eficaciais.
Nesse caso, o importe é descobrir qual é
a carga eficacial preponderante
para poder classificar a sentença.
Assim, com base na lição de Pontes de
Miranda, não se nega que, na sentença de usucapião, há uma carga declaratória
de domínio. Até porque usucapião é modo originário aquisitivo.
Por outro lado, não se pode olvidar que,
ao lado da carga declaratória, há também carga constitutiva de domínio. Então
Silvio Rodrigues não estava tão equivocado assim, pois a sentença de usucapião
manda constituir o registro. Então, como negar a eficácia constitutiva?
Sendo assim, pode-se dizer que a
natureza da sentença proferida em ação de usucapião é declaratório-constitutiva, sendo que, no caso, a carga eficacial preponderante é a
declaratória, pois o usucapiente já adquiriu.
Assim, considerada a natureza da
sentença e que não há translatividade, não é preciso que o usucapiente esteja
na posse do bem no momento da propositura da ação. O que é necessário é que ele
preencha os requisitos no momento da propositura da ação.
Neste sentido, a Súmula 263 do STF
estabelece que, se o usucapiente não estiver na posse do imóvel, o possuidor
deve ser pessoalmente citado. “O
possuidor deve ser pessoalmente citado na ação de usucapião.”
1.1.1.4.Objeto da Usucapião
a) Usucapião de direitos Reais Suscetíveis de Posse
O objeto da usucapião é a aquisição
originária de domínio e propriedade. Compreende, assim, o uso, o gozo ou
fruição, a livre disposição, o poder de reivindicação, mais o título registral.
Assim, quando a ação é proposta o
usucapiente já é dono (tem os poderes da propriedade (domínio), mas só não tem
o título; ainda não é ainda proprietário. Dono é sobre a coisa, e proprietário
é sobre a coletividade.
Nesta linha de reflexão, o objeto da
usucapião, para Cristiano de Farias Chaves, é a aquisição de propriedade a
partir do título registral.
Mas além de servir para a aquisição de
propriedade, a usucapião serve também
para a aquisição de outros direitos reais. O problema é que os Direitos
Reais estão todos no artigo 1.225 (princípio da tipicidade). E os Direitos
Reais estão divididos todos em 2 (duas) categorias:
è
Direitos reais
na coisa própria
Propriedade.
è
Direitos reais
na coisa alheia
Todos
os demais.
Assim, somente os direitos reais na coisa alheia suscetíveis de posse podem
ser objeto de usucapião.
Por esta lógica, não admitem posse e,
conseqüentemente, usucapião a
hipoteca, a alienação fiduciária e a anticrese. Ao contrário, seguem
três exemplos de direitos reais de coisa alheia suscetíveis de usucapião, posto
que suscetíveis de posse: enfiteuse,
superfície e servidão predial.
A título de exemplo, basta imaginar um loteamento
situado na frente da praia. Em tal situação, suponhamos o terreno de um
proprietário que se situa na frente da praia. Esse proprietário não construiu.
Mas os proprietários dos terrenos que estão atrás, sim.
Pensando na lógica do menor esforço,
será que esses últimos vão dar a volta no quarteirão para ir à praia ou abrirão
uma passagem no imóvel?
Dezoito anos depois chega o proprietário
e constrói. Os possuidores poderão pedir usucapião da servidão de passagem? Sim, porque é absolutamente possível a
aquisição de direito real na coisa alheia suscetível de posse.
No entanto, chama-se a atenção para a variação do animus domini. Isso
ocorre porque o usucapiente não tem vontade de ser dono, mas a intenção de ser titular de direito real
na coisa alheia.
b) Usucapião de Bens Públicos
A própria Constituição[10] e
o Código Civil[11]
proíbem expressamente a usucapião de imóveis públicos, sejam urbanos ou rurais.
A norma conta com o respaldo da doutrina e jurisprudência majoritária que ainda
a aplicam nas lides do Poder Judiciário.[12]
Todavia, o rigor da previsão
constitucional enfrenta críticas por parte da doutrina que tenta quebrar este
paradigma em nome da função social.
Neste sentido, autores clássicos como
Silvio Rodrigues já se posicionavam a favor da usucapião de bens públicos
dominicais, como as terras devolutas. O argumento utilizado era no sentido de
que, sendo alienáveis, tais bens seriam prescritíveis e usucapíveis.
Tal entendimento, que é seguido por
Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald, dentre outros autores contemporâneos, vem
sendo aplicado na jurisprudência.[13]
Indo mais além, sustenta-se até mesmo a
usucapião da enfiteuse de terras públicas, já que a Constituição proíbe a
usucapião do direito de propriedade, mas não de outro direito real.
O tema, inclusive, já foi objeto de
pergunta em prova de Juiz Federal da 4ª Região. Admite-se
usucapião de enfiteuse de terra pública?. Em uma questão como
essa é claro que iremos lembrar, de cara, do art. 102 do CC, que proíbe a
usucapião de bens públicos. Não somente ele, mas, principalmente, a própria
Constituição, nos artigos 182 e 186.
Cristiano Chaves admite a usucapião de
direitos reais na coisa alheia de bens públicos, como a enfiteuse, por exemplo,
pois o que se proíbe, segundo este autor, é a aquisição da propriedade, mas não
de outros direitos reais. Basta observar que, na enfiteuse, o Estado continua a
ser o proprietário.
Enfiteuse é direito real na coisa
alheia. O que o usucapiente adquire é um direito sobre a propriedade do Estado.
Logo, o Estado continua sendo o proprietário do imóvel. Assim, o Estado
continua sendo o proprietário, por isso é
perfeitamente possível a usucapião de direitos reais na coisa alheia de bens
públicos.
Além disso, pode-se invocar um segundo
motivo ou razão, pois ao se adquirir direito real de coisa alheia sobre bem
público está se reafirmando que a
propriedade do bem pertence ao poder público. Reafirma-se a propriedade pública
dessa maneira, inclusive.
O terceiro e último argumento é o de que
o usucapiente apenas terá parcela dos poderes do domínio, mas não a
propriedade.
Por fim, assinala-se que o até mesmo a
tese de usucapião de um bem público é defendida. Para Cristiano Chaves e Nelson
Rosenvald, por exemplo, existem dois tipos de bens públicos: os materialmente
públicos e os formalmente públicos. Estes seriam a classe dos bens que apenas
na forma seriam públicos, mas que não estariam afetados a nenhuma função ou
atividade produtiva.
Já os materialmente públicos seriam
aqueles que efetivamente estão afetados a uma atividade de interesse social.
Então para os citados autores, os bens
formalmente públicos poderiam ser objeto de usucapião, porque não estariam
cumprindo a sua função social, vejamos:
“A nosso viso, a absoluta impossibilidade
de usucapião sobre bens públicos é equivocada, por ofensa ao princípio
constitucional da função social da posse e, em última instância, ao próprio
princípio da proporcionalidade. Os bens públicos poderiam ser divididos em
materialmente e formalmente públicos. Estes seriam aqueles registrados em nome
da pessoa jurídica de Direito Público, porém excluídos de qualquer forma de
ocupação, seja para moradia ou exercício de atividade produtiva. Já os bens
materialmente públicos seriam aqueles aptos a preencher critérios de
legitimidade e merecimento, postos dotados de alguma função social.
Porém, a Constituição Federal não atendeu
a esta peculiaridade, olvidando-se de ponderar o direito fundamental difuso à
função social com o necessário dimensionamento do bem público, de acordo com a
sua conformação no caso concreto. Ou seja: se formalmente público, seria
possível a usucapião, satisfeitos os demais requisitos; sendo materialmente
públicos, haveria óbice à usucapião. Esta seria a forma mais adequada de tratar
a matéria, se lembrarmos que, enquanto o bem privado ‘tem’ função social, o bem
público ‘é’ função social”
1.1.1.5.Usucapião e prescrição
A prescrição é um instituto com
dupla-face porque, em se tratando de um fenômeno ligado ao decurso do tempo, a
prescrição produzirá, concomitantemente, efeitos aquisitivos e extintivos.
Assim, se para uma pessoa a relação
jurídica se extingue; para a outra, ela surge. A prescrição é, portanto, uma
moeda de dupla-face. Prescrição aquisitiva e extintiva. O lado aquisitivo
ganhou o nome de usucapião. Usucapião, portanto, é a face aquisitiva da prescrição da pretensão!
Então, quando se diz que determinada
situação é imprescritível, diz-se que a situação é inusucapível (não suscetível
de usucapião). Por exemplo, quando se diz que os bens públicos são
imprescritíveis; diz-se, a rigor, que não são usucapíveis.
Consequentemente, se usucapião é
prescrição, aplicam-se ao primeiro todas as regras desta última. Neste sentido,
enuncia o art. 1.244 do CC que se estende ao possuidor o disposto quanto
ao devedor acerca das causas que obstam,
suspendem ou interrompem a prescrição, as quais também se aplicam à
usucapião.
Isso significa que devem ser aplicadas
à usucapião as hipóteses previstas nos arts. 197 a 202 do CC, que tratam das
causas impeditivas, suspensivas e interruptivas dos prazos prescricionais.
Neste sentido, recordemos que não corre
prescrição contra o brasileiro que estiver no estrangeiro a serviço público
(art. 197, 198 e 199). Isso quer dizer que não corre o prazo de usucapião
contra o cônsul brasileiro a serviço do país na frança.
Da mesma forma, não corre prescrição
entre marido e mulher na constância do casamento. Logo, é certo dizer que o marido
não tem legitimação (falta de aptidão para a prática de determinado ato ou
exercício de um direito) para usucapir imóvel da mulher na constância da
relação, em virtude de sua posição jurídica em face da esposa. Todavia, esta regra não se aplica à recente
modalidade de usucapião prevista no artigo 1.240-A do Código Civil (usucapião
por abandono do lar).
São tantas e tão diversificadas regras
que preferimos nos valer da lista apresentada por Flávio Tartuce.[14]
No que concerne à situação do incapaz –
lembremos que não corre prescrição contra absolutamente incapaz - lança-se um
desafio matemático (Pergunta do MP de Minas Gerais):
Uma pessoa vinha
preenchendo os requisitos da usucapião
extraordinária. Exatamente no dia em que se perfez o décimo ano, aquela
pessoa em cujo o nome o imóvel estava registrado faleceu e deixou o único
herdeiro, menor com dez anos de idade. A pergunta é: quanto tempo falta para que ocorra o usucapião?
Para resolver a questão seria
imprescindível que o candidato estivesse a par das regras que impendem,
suspendem e interrompem a prescrição. Do contrário, diria que faltam 5 anos e
incorreria no chamado “erro feliz”. Em segundo lugar, é importantíssimo lembrar
que a o prazo não corre contra absolutamente incapaz, sendo que este estado de
incapacidade cessa aos 16 (e não aos 18) anos.
Reunindo esses dois conhecimentos
básicos, o candidato preparado diria, com razão, que faltam 11 anos para se
consumar a prescrição aquisitiva. Onze anos porque o usucapiente terá de
aguardar o período da suspensão do prazo até que o herdeiro proprietário passe
de absoluta para relativamente incapaz em função da idade. Aí já se vão 6 anos.
Por fim, somam-se os 5 anos faltantes para a aquisição da propriedade pela
usucapião extraordinária.
No que tange às causas interruptivas,
previstas no artigo 202 do Código Civil[15],
surge de imediato uma questão interessante. É que a citação válida e realizada
dentro dos prazos legais interrompe a prescrição desde a data da propositura da
ação.[16]
Portanto, pelos critérios da lei, basta que ocorra a citação válida. Observe
que a lei não cogita do conteúdo do despacho, muito menos do resultado da
sentença do processo.
Neste caso, existe uma dúvida em saber,
por exemplo, se uma ação reivindicatória julgada improcedente porque o autor
não comprovou a sua condição de proprietário seria suficiente para interromper
um prazo temporal de usucapião de 14 (quatorze) anos.
Imagine se o autor da ação
reivindicatória, por descuido ou outro motivo qualquer, não juntou o título de
propriedade que é necessário para a procedência do pedido. Então, caso o
possuidor e réu da ação reivindicatória ajuizasse, em seguida, uma ação de
usucapião, seu prazo recomeçaria a partir do ajuizamento da ação petitória?
Quanto a esta polêmica, o STJ teve dois
entendimentos. Inicialmente, foi firmada a orientação de que a ação
reivindicatória julgada improcedente não interrompe o prazo para aquisição da
propriedade por usucapião, nos termos do RE 149.186/RS.
RECURSO
ESPECIAL. USUCAPIÃO. AÇÃO POSSESSÓRIA IMPROCEDENTE. CITAÇÃO. EFEITO
INTERRUPTIVO. AUSÊNCIA. NOTIFICAÇÃO E/OU PROTESTO. CONDIÇÕES. DIVERGÊNCIA.
1. Uma vez julgada improcedente a ação
possessória, a citação não tem efeito interruptivo da prescrição aquisitiva.
2. Notificação
judicial ou protesto para interromper a prescrição aquisitiva deve ter fim
específico e declarado.
3. Só há
dissídio jurisprudencial quando sobre o mesmo tema os julgados confrontados
adotam posicionamento diferente. No caso, de qualquer modo, o entendimento
pretoriano majoritário se encaminha no sentido do acórdão recorrido.
4. Precedentes
do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça.
5. Recurso
especial não conhecido.
(REsp
149.186/RS, Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES, QUARTA TURMA, julgado em 04/11/2003,
DJ 19/12/2003, p. 466)
Observe que este posicionamento era
radical, pois, embora o autor da ação petitória se opusesse expressamente à
posse do réu, contestando e impugnando-a, se a ação fosse julgada improcedente,
a citação não teria o efeito de interromper a prescrição!
Sendo assim, a segunda seção do STJ,
órgão formado pela reunião das turmas de direito privado (terceira e quarta
turma), decidiu, no informativo nº 298, de 25.09.06, que, embora a ação
reivindicatória tenha sido julgada improcedente, o autor de alguma forma
interferiu na mansidão e pacificidade da posse. Tal entendimento foi proferido
no EREsp 54.788/SP:
Direito
Processual Civil. Efeitos da citação válida. Código de Processo Civil, art.
219. Ação proposta, mas pedido julgado improcedente. Inequívoco exercício do
direito. Inércia descaracterizada. Prazo prescricional interrompido.
I. Preceitua o
art. 219 do Código de Processo Civil que a citação válida torna prevento o
juízo, induz litispendência e faz litigiosa a coisa; e, ainda quando ordenada
por juiz incompetente, constitui em mora o devedor e interrompe a prescrição.
Quanto ao tema da interrupção da prescrição, a lei não faz distinção entre o
pedido julgado procedente e o pedido julgado improcedente. Evidenciado o inequívoco exercício do direito e a boa-fé do autor,
ainda que com a propositura de ação incabível, interrompe-se o prazo
prescricional.
II. Embargos de
divergência conhecidos, porém não providos.
(EREsp
54.788/SP, Rel. Ministro ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO, Rel. p/ Acórdão Ministro
CESAR ASFOR ROCHA, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 28/02/2007, DJ 11/10/2007, p. 282)
Problemas igualmente difíceis surgem nos
condomínios. Para ilustrar, basta imaginar a situação dos herdeiros que recebem
a posse e a propriedade dos bens do falecido em razão do princípio da saisine.
A herança, como se sabe, é transferida como um todo unitário (art. 1.791), pelo
que é caracterizado como um bem indivisível, pelo menos até partilha.
Pois bem, imagine então que um estranho tenha
exercido posse de 10 anos sobre um imóvel integrante do espólio, mas que, ao
completar 7 (sete) anos de exercício de poder fático sobre o bem, constatou que
um dos herdeiros condôminos faleceu, deixando seis filhos maiores e um filho de
8 anos.
Ora, sabe-se que a prescrição não corre
contra absolutamente incapaz. Neste caso, tem-se no nosso exemplo uma hipótese
de causa suspensiva do prazo prescricional que, por força do artigo 1.224 c/c
art. 198, III e art. 3º, ambos do CC/02, também se aplica à usucapião.
Pois bem. E neste caso? Os demais
herdeiros condôminos seriam “beneficiados” com a suspensão do prazo. Em
princípio, diria que não, já que o efeito da suspensão do prazo é
personalíssimo e só atinge a pessoa diretamente envolvida, como o menor
absolutamente incapaz. Todavia, como o bem é indivisível, a suspensão aproveita
os demais credores solidários, nos termos do artigo 201 do Código Civil.
Ressalta-se que o STJ já se pronunciou
sobre um caso semelhante[17],
mas entendeu a os efeitos da suspensão só aproveitam os demais herdeiros do
falecido condômino (os demais seis filhos e irmãos do menino de 8 anos), mas
não beneficiam os outros condôminos (os tios do menino de 8 anos).
Já quanto às causas interruptivas em
condomínio, a iniciativa de um dos condôminos beneficiará os demais, já que as
hipóteses de interrupção possuem natureza objetiva e aproveitam os demais
credores solidários.(art. 204,§1º, do CC/02)
1.1.1.6.Requisitos da Usucapião
Os requisitos podem ser divididos em
dois grupos:
OBRIGATÓRIOS
|
FACULTATIVOS
|
a)
Idoneidade do bem usucapiendo (coisa idônea)
b)
Posse qualificada (mansa, pacífica e com animus domini)
c)
Lapso temporal
|
a)
Justo título
b)
Boa fé
|
Não esqueça que a presença dos
requisitos facultativos não é necessária. A sua presença implica apenas em
redução do prazo! Presentes os requisitos facultativos, diminui-se o prazo para
a usucapião.
Com tais esclarecimentos, passemos ao
estudo pontual de cada um dos requisitos, começando pelos obrigatórios:
1.1.1.6.1.
Requisitos
Obrigatórios
a) Posse Qualificada
A posse qualificada caracteriza-se pela
presença dos seguintes requisitos:
è
Animus domini – ou seja, a posse com intenção de dono.
Nos dizeres de Chaves e Rosenvald “consiste no propósito de o usucapiente
possuir a coisa como se esta lhe pertencesse.” Ou ele acredita que a coisa é
sua mesmo, e comporta-se como tal, ou sabe que não é, mas atua como se fosse o
dono, pois quer excluir o antigo titular desta condição. Essa posse não está
presente em situações como o contrato de locação e comodato, cujos possuidores
têm a chamada posse ad interdicta[18].
No entanto, pode ocorrer a alteração na
causa da posse – intervetio possessionis –
passando de ad interdicta para ad usucapionem. Ilustre-se com a hipótese em que um
locatário está no imóvel há cerca de trinta anos, não pagando os aluguéis há
cerca de vinte anos, tendo o locador desaparecido. A jurisprudência tem
reconhecido a usucapião em casos semelhantes.[19]
è
Posse Mansa, Pacífica - exercida sem qualquer manifestação em contrário de
quem tenha legítimo interesse, ou seja, sem a oposição do proprietário do bem.
Se em algum momento houver contestação dessa posse pelo proprietário,
desaparece o requisito da mansidão.
Posse mansa e pacífica é aquela que não
sofreu oposição ao longo do tempo. O conceito é fácil, mas de início já fica uma pergunta?
Desqualificaria a posse mansa e pacífica o ajuizamento de uma ação possessória ou petitória? Suponha que o possuidor já está prestes a alcançar o prazo e o proprietário instaura ação possessória (reintegração de posse) ou até uma ação reivindicatória.
Como visto alhures, o atual entendimento
do STJ é o de que ocorre a interrupção mesmo na hipótese de improcedência da
ação possessória ou petitória, mas desde que seja manifesta a oposição e
resistência do autor à posse exercida pelo réu.
è
Posse Contínua e Duradoura – É dizer: posse sem intervalos, ininterrupta.
Em relação à continuidade, deve-se
ponderar que o sistema admite a SOMA DE
POSSES (art. 1.243). Dispõe o art. 1.243 do atual Código Civil que o
possuidor pode, para o fim de contar o tempo exigido pelos artigos
antecedentes, acrescentar à sua posse a dos seus antecessores (art. 1.207),
contanto que todas sejam contínuas, pacíficas e, nos casos do art. 1.242, com
justo título e de boa-fé.
Ou
seja: o usucapiente pode somar à sua o tempo de posse de seus antecessores, o que pode se
dar por ato inter vivos ou causa mortis (por contrato ou herança).
Em termos simples, eu posso vender a posse ou receber o tempo de posse via
sucessão hereditária. Exemplificando, em caso de sucessão de empresas, uma pode somar a sua
posse à da outra para usucapir um imóvel. Ainda a ilustrar, um herdeiro pode
continuar a posse do de cujus para os fins de usucapião
Com efeito, à soma de posses por ato inter vivos dá-se o nome de acessio possessionis; diversamente, à
soma por ato causa mortis dá-se o
nome de sucessio possessionis
Neste particular, devemos lembrar do
art. 1784, que regulamenta o princípio da droit
de saisine, ao dispor que, quando da morte, ocorre a transmissão automática
da posse e da propriedade dos bens do falecido para seus herdeiros.
Um detalhe importante: não há transmissão de posse por ato
inter vivos na usucapião especial, pois se exige um ato direto do possuidor
(tornar a terra produtiva, por exemplo).
A propósito, na IV Jornada de
Direito Civil foi aprovado um enunciado versando exatamente sobre isso, o
de número 317, prevendo que “A accessio possessionis, de que trata o
art. 1.243, primeira parte, do Código Civil, não encontra aplicabilidade
relativamente aos arts. 1.239 e 1.240 do mesmo diploma legal, em face da
normatividade do usucapião constitucional urbano e rural, arts. 183 e 191,
respectivamente”.
Por outro lado, mesmo na usucapião
especial admite-se a soma de prazos por sucessão causa mortis. Aliás, há regra
específica da sucessio possessionis, prevista no art. 9.º, § 3.º, da Lei
10.257/2001 (Estatuto da Cidade).
Por fim, no que tange ao caráter
duradouro da posse, cada modalidade de usucapião estabelece um prazo específico
para se consumar a prescrição aquisitiva, o que será visto adiante. Entretanto,
convém advertir que, na V Jornada de Direito Civil foi editado um enunciado
interessante e que tem relação direta com o assunto, vejamos:
“O prazo, na ação de
usucapião, pode ser completado no curso do processo, ressalvadas as hipóteses
de má-fé processual do autor” (Enunciado n. 497 CJF/STJ).
b) Idoneidade da Coisa
Segundo Cristiano Chaves e Nelson
Rosenvald, “somente os direitos reais que recaiam em coisas usucapíveis poderão ser obtidos por este modo de aquisição
originário.[20]”
Em outras palavras, o bem deve admitir usucapião. Alguns bens são inidôneos,
como, por exemplo, aqueles que estão fora do comércio.
Além do mais, de acordo com a própria
Constituição e o Código Civil, os bens públicos de qualquer natureza são
insuscetíveis de usucapião, nos termos dos artigos 183,§3º e 191, p. único da
CR/88 e artigo 102 do CC/02:
Art. 183. Aquele
que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados,
por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia
ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de
outro imóvel urbano ou rural.
§ 3º - Os
imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião.
Art. 191. Aquele
que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como seu, por
cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra, em zona rural, não
superior a cinqüenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua
família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade.
Parágrafo único.
Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião.
Art. 102. Os
bens públicos não estão sujeitos a usucapião.
Neste aspecto, a Constituição de 1988
não faz por onde merecer o adjetivo “cidadã”, pois demonstra resquício
conservador e indica que apenas a propriedade privada deve cumprir a função
social.
O curioso é que o direito pré-codificado
brasileiro permitia a usucapião de imóveis públicos, ainda que mediante o
exercício de uma posse de 40 anos sobre o bem. No entanto, o órgão ao qual se
confere a guarda da constituição, o STF, editou súmula sobre o assunto (SÚMULA
340), estabelecendo que: Desde a vigência
do Código Civil, os bens dominicais, como os demais bens públicos, não podem ser
adquiridos por usucapião.
Esta foi, portanto, a tendência que se
seguiu desde então. Aliás, a própria epígrafe do capítulo destinado à ação de
usucapião, no Código de Processo Civil, vem descrito como “Ação de Usucapião de
Terras Particulares” (art. 941 e ss.), o que denota que os bens públicos estão
completamente afastados da usucapião.
Porém, não obstante o caráter
peremptório das disposições legais, concorda-se com o posicionamento de Nelson
Rosenvald e Cristiano Chaves, para os quais não existe uma impossibilidade
absoluta de usucapião de bens públicos.
Os citados autores classificam os bens
públicos por um critério que leva em conta basicamente se o imóvel preenche ou
não uma finalidade prática. Assim, existem bens formalmente públicos, que
apenas estão registrados em nome das pessoas jurídicas de direito público, mas
que estão “excluídos de qualquer forma de ocupação, seja para moradia ou
exercício de atividade produtiva.[21]”
Por outro lado, os bens classificados
como materialmente públicos seriam aqueles que, além de estarem registrados
como tal, também cumprem uma função social.
Daí que, com razão, Chaves e Rosenvald
vão dizer que a vedação absoluta viola o princípio da função social e o da
proporcionalidade.
Outra crítica pertinente é dirigida ao
critério adotado pelo Código Civil na definição do que vem a ser bem público:
Art. 98. São
públicos os bens do domínio nacional pertencentes às pessoas jurídicas de
direito público interno; todos os outros são particulares, seja qual for a
pessoa a que pertencerem.
Trata-se, como se vê, de um critério formal
que desconsidera a finalidade exercida pelo bem no contexto da sociedade. Neste
ponto, novamente se concorda com a posição de Chaves e Rosenvald, segundo os
quais “não é a personalidade jurídica do titular do bem que determinará a sua
natureza, mas a afetação de suas finalidades a um serviço público.”
Portanto, o critério não deve se pautar
sobre quem tem a titularidade do bem, mas sim se este cumpre ou não uma
finalidade de interesse público.
Ainda dentro da análise dos bens
públicos, cabe perguntar se as terras devolutas seriam usucapíveis ou não. Para
a resposta, é preciso antes definir o que vem a ser terras devolutas. Para
Chaves e Rosenvald,[22]
seriam terras devolutas aquelas que ainda não foram registradas em nome de
ninguém, tratando-se de res nullius
ou “terras adéspotas.”
Para os citados autores, a terras
devolutas poderiam ser objeto de usucapião, já que não pertencem ao Estado. Com
efeito, na perspectiva civilista, milita em favor dos particulares uma
presunção relativa de que as terras devolutas não pertencem a ninguém, de modo
que o Poder Público, para desconstituir a presunção, deve comprovar que
instaurou previamente um processo discriminatório[23]para
registrar o imóvel em nome da pessoa jurídica de direito público.
Já para alguns autores, como para José
dos Santos Carvalho Filho, a presunção relativa milita em favor do Estado, pois
as terras devolutas são todas aquelas que não ingressaram no domínio privado
por algum título legítimo, pois todas as terras do Brasil em sua origem eram
públicas.
Ou seja: há uma corrente que defende que
as terras devolutas podem ser objeto de usucapião, por não serem de propriedade
de ninguém (res nullius), e outra que
defende que as terras devolutas são públicas, cabendo ao interessado provar que
se trata de propriedade privada.
Ao que tudo indica, o STJ acolhe o
posicionamento da primeira corrente, conforme nos seguintes julgados:
PROCESSUAL
CIVIL. RECURSO ESPECIAL. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA.
DISSÍDIO
JURISPRUDENCIAL NÃO COMPROVADO. USUCAPIÃO. TERRA DEVOLUTA.
ÔNUS DA PROVA.
I – Inviável o
especial, à mingua de prequestionamento, se a matéria impugnada não foi objeto
de deliberação no tribunal de origem.
II – É de ser
negado seguimento ao recurso fundado na alínea “c” do permissivo
constitucional, quando não demonstrada a existência do propalado dissídio.
III – Cabe ao Estado o ônus da prova, quando
alega ser pública a área objeto de usucapião.
Com ressalvas
quanto à terminologia, recurso não conhecido.
(REsp 97.634/RS,
Rel. Ministro CASTRO FILHO, TERCEIRA TURMA, julgado em 16/02/2003, DJ
10/02/2004, p. 246)
PROCESSUAL
CIVIL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO DISCRIMINATÓRIA. PONTAL DO PARANAPANEMA. OMISSÃO. INEXISTÊNCIA.
DISPOSITIVOS NÃO PREQUESTIONADOS. NÃO-CONHECIMENTO. AÇÃO ANTERIOR COM OBJETO
MAIS AMPLO. LITISPENDÊNCIA. NÃO-OCORRÊNCIA. ADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. COISA
JULGADA. SÚMULA 7/STJ. LEGISLAÇÃO ESTADUAL. AUSÊNCIA DE CONTESTAÇÃO EM FACE DA
LEGISLAÇÃO FEDERAL. NÃO-CONHECIMENTO. LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO.
INEXISTÊNCIA. PROVA EMPRESTADA. CABIMENTO. DOCUMENTO FALSO. COMPROVAÇÃO DE
POSSE. IMPOSSIBILIDADE. USUCAPIÃO COM BASE EM LEGISLAÇÃO ESTADUAL.
INVIABILIDADE. SÚMULA 340/STF. EMBARGOS DECLARATÓRIOS PARA PREQUESTIONAMENTO.
MULTA INDEVIDA. SÚMULA 98/STJ.
1. [...]
2.
3. Inviável o
conhecimento da suposta violação do art. 859 do CC/1916, bem como dos arts. 216
e 252 da Lei de Registros Públicos (valor probante do registro público), por se
tratar de dispositivos não prequestionados. Além disso, o valor que atesta o
referido registro não é absoluto, podendo ser ilidido no curso de ação
judicial. Precedentes do STJ.
4. Considerando
que a ação anterior (extinta sem julgamento de mérito após a destruição dos
autos, por incêndio no Fórum, em 24.7.1986) é mais ampla que a atual, não
haveria, ao contrário do que pretende a recorrente, falar em extinção do
processo por litispendência, mas em reunião por continência.
5. A Ação
Discriminatória é procedimento judicial adequado para que o Estado comprove que
as terras são devolutas, distinguindo-as das particulares. As provas a serem
produzidas referem-se a eventual domínio privado na área, nos termos do art. 4º
da Lei 6.383/1976.
6. As instâncias
de origem afastaram a alegação de coisa julgada, pois a decisão proferida em
1927 teria sido meramente administrativa e, além disso, sujeitava-se à
complementação demarcatória perante o juízo. Consignaram, ainda, dúvida quanto
à observância do contraditório. Finalmente, seria inviável aferir se a área
abrangida no procedimento administrativo seria a mesma analisada no presente
processo judicial. Rever esse entendimento esbarraria na Súmula 7/STJ.
7. Ademais, a
análise dessa compreensão a que chegou o Tribunal de origem – de que a natureza
da decisão anterior é administrativa – exigiria o exame da norma que regulou
aquele primeiro processo, qual seja o Decreto Estadual 734/1900, o que, por
falta de contestação em face de lei federal, extrapolaria a competência do STJ.
8. Despreza-se a
alegação de litisconsórcio passivo necessário, com relação aos antigos
proprietários do imóvel e aos possuidores de glebas localizadas fora da área
abarcada pela Discriminatória (ainda que derivadas do mesmo registro original).
O objeto da demanda exige a participação apenas daqueles cujos títulos
registrados sejam impugnados pelo Estado e por eventuais possuidores das
terras.
Ressalva-se o
direito dos interessados em glebas fora da área discriminanda de discutir seus
títulos em ação própria (Discriminatória que abarque os imóveis por eles
ocupados).
9. Não se
conhece da suposta nulidade das provas emprestadas, pois a recorrente não
aponta o dispositivo legal que teria sido violado, tampouco indica prejuízo ou
violação do contraditório. Ademais, o STJ entende ser possível a apreciação de
prova emprestada, desde que garantido o contraditório, o que foi observado in
casu. Haveria ofensa à legislação federal se o Tribunal de origem não tivesse
examinado as provas, conforme precedentes do STJ.
10. O acórdão
recorrido consignou que a natureza das terras (devolutas) foi comprovada a
contento, em razão dos vícios na cadeia dominial e da inexistência de
usucapião.
11. Ainda que se
admita a possibilidade de usucapião de terras públicas no período anterior ao
Código Civil de 1916, inafastáveis os requisitos específicos dessa modalidade
aquisitiva. A posse não se presume, vedação essa que vale tanto para a prova da
sua existência no mundo dos fatos como para o dies a quo da afirmação
possessória.
12. A certidão
(de 1856) em que a letra e a assinatura não pertencem a quem se faz supor (Frei
Pacífico) é, para todos os fins, documento inexistente e, portanto, incapaz de
convalidação. Tampouco o decurso do prazo transforma o inexistente em
existente, ou mesmo em documento putativo.
13. Se o
registro inicial da cadeia dominial apresentado pelo particular (a certidão
firmada por Frei Pacífico) é realmente falso (e esse juízo fático cabe às
instâncias ordinárias), dele não pode defluir nenhum efeito jurídico válido,
seja quanto aos seus aspectos substantivos diretos, seja quanto a presumir o
dies a quo da posse, isto é, 14 de maio de 1856, data de sua lavratura.
14. A discussão
sobre a boa ou má-fé, nesse contexto jurídico, é irrelevante. O que importa é
que o imóvel, por ser terra pública, não podia ser objeto de usucapião,
qualquer que fosse o estado de espírito do pretendente. A boa-fé (fato jurídico
de conotação individual) não tem o condão de invalidar proibição legal
expressa, de ordem pública, lavrada em favor da coletividade.
15. Não
comprovada a posse, impossível o reconhecimento de usucapião, qualquer que seja
o fundamento jurídico alegado (legislação federal ou estadual). De qualquer
forma, o e. STF, nos processos que sustentam a Súmula 340 daquela Corte
("Desde a vigência do código civil, os bens dominicais, como os demais
bens públicos, não podem ser adquiridos por usucapião"), entendeu que
inexiste usucapião de imóveis públicos decorrente de legislação estadual, ainda
que se trate de terras devolutas pertencentes ao Estado (RE 4.369/SP, j.
21.9.1943). Inviável, assim, a pretensão de usucapião extraordinário (e de
desnecessidade de comprovação de justo título) com base no Decreto-Lei Estadual
de SP 14.916/1945.
16. Considerando
que os únicos Embargos de Declaração opostos pela recorrente tiveram propósito
de prequestionamento, afasta-se a multa de 1% sobre o valor da causa aplicada
pelo Tribunal de origem, nos termos da Súmula 98/STJ.
17. Recurso
Especial parcialmente conhecido e, nessa parte, parcialmente provido.
(REsp
847.397/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em
12/02/2008, DJe 02/12/2009)
Deixando a temática dos bens públicos,
passa-se ao exame de outras situações específicas.
Assim, de início, vem a questão se o bem
gravado com cláusula de inalienabilidade pode ser objeto de usucapião.
Realmente a questão incomoda, pois o autor da liberalidade – doação ou
testamento – inseriu a cláusula restritiva para que o bem ficasse perenemente
na titularidade do beneficiado.
No entanto, mesmo gravado com a cláusula
de inalienabilidade, o bem é passível de usucapião, já que se trata de
modalidade de aquisição originária, de modo que o usucapiente recebe a coisa
livre e desembaraçada. Neste sentido, já decidiu o STJ:
AÇÃO
REIVINDICATORIA. ALEGAÇÃO, EM DEFESA, DE USUCAPIÃO EXTRAORDINARIO. IMOVEL EM
FIDEICOMISSO, COM CLAUSULA DE INALIENABILIDADE. A AQUISIÇÃO POR USUCAPIÃO E
AQUISIÇÃO ORIGINARIA. COM RELAÇÃO AO USUCAPIENTE, IMPORTA A POSSE PELO PRAZO DE
VINTE ANOS, PACIFICA E ININTERRUPTA, COM ANIMO DE DONO. NENHUMA RELAÇÃO OU SUCESSÃO EXISTE ENTRE O PERDENTE DO DIREITO DE
PROPRIEDADE, E O QUE A ADQUIRE PELO USUCAPIÃO. COM O USUCAPIÃO, SIMPLESMENTE EXTINGUE-SE O DOMINIO
DO ANTERIOR PROPRIETARIO, BEM COMO OS DIREITOS REAIS QUE TIVER ELE CONSTITUIDO,
E SEM EMBARGO DE QUAISQUER LIMITAÇÕES A SEU DISPOR. PRAZO DE VINTE
ANOS CONSUMADO NO INTERREGNO ENTRE A DATA EM QUE O FIDUCIARIO MAIS JOVEM
COMPLETOU OS DEZESSEIS ANOS, E A DATA DA PROPOSITURA DA AÇÃO REIVINDICATORIA.
RECURSO ESPECIAL
CONHECIDO PELA ALINEA C, MAS NÃO PROVIDO. (REsp 13.663/SP, Rel. Ministro ATHOS
CARNEIRO, QUARTA TURMA, julgado em 22/09/1992, DJ 26/10/1992, p. 19054)
Pela mesma lógica, no caso do bem de
família convencional (art. 1.711 do CC/02), “a sua inalienabilidade é modo
impeditivo somente para as formas de aquisição por modo derivado[24]”
O STJ já se pronunciou sobre isso, confira-se:
REIVINDICATÓRIA.
USUCAPIÃO COMO DEFESA. ACOLHIMENTO. POSSE DECORRENTE DE COMPROMISSO DE VENDA E
COMPRA. JUSTO TÍTULO. BEM DE FAMÍLIA.
– A
jurisprudência do STJ reconhece como justo título, hábil a demonstrar a posse,
o instrumento particular de compromisso de venda e compra.
– O bem de família, sobrevindo mudança ou abandono,
é suscetível de usucapião.
– Alegada má-fé
dos possuidores, dependente do reexame de matéria fático-probatória. Incidência
da Súmula n. 7-STJ.
Recurso especial
não conhecido.
(REsp
174.108/SP, Rel. Ministro BARROS MONTEIRO, QUARTA TURMA, julgado em 15/09/2005,
DJ 24/10/2005, p. 327)
Destarte, o bem de família legal,
previsto na Lei 8.009/90 sequer cogita de inalienabilidade, mas apenas de
impenhorabilidade, não deixando dúvidas sobre a possibilidade de usucapião.
E o bem
em condomínio, pode ser usucapido? Por terceiros, não há dúvida!
Atenção: Aqui estamos falando de
herança. Uma pessoa morreu e deixou cinco filhos. Esses cinco filhos são
herdeiros e condôminos de um bem.
Depois de muitos debates, o STJ disse
que sim. Um condômino pode usucapir, desde
que estabeleça posse com exclusividade, alijando os demais. (AgRegAgInstr 731.971/MS).
Nesse caso, ele passará a ser o único proprietário.
Na realidade, é preciso distinguir duas
situações no condomínio:
è
Condomínio pro indiviso. No qual, além
do condomínio, há composse. Assim, se um dos compossuidores exercer posse
exclusiva sobre a integralidade do bem dentro do prazo e observados os
requisitos legais, terá sim direito à usucapião. Isso porque a posse exclusiva,
exteriorizada por um dos proprietários, impede a composse dos demais e aniquila
a compropriedade.
è
Condomínio pro diviso. Nesta modalidade cada possuidor exerce
os poderes de fato sobre um espaço delimitado do bem, de modo que não há se
falar em composse. No entanto, caso um dos condôminos exerça posse exclusiva
sobre a parte do outro, também terá direito à usucapião, como já decidiu o STJ
(REsp 101.009/SP)
O que importa,
portanto, é a posse com exclusividade, seja em condomínio pro diviso ou seja no
pro indiviso.
Ainda com relação ao condomínio, Flávio
Tartuce esclarece que não há se falar em usucapião se a posse resulta de mera tolerância dos demais condôminos.
Neste sentido, inclina-se a jurisprudência[25].
Sendo assim, a posse exercida sobre área
comum de condomínios edilícios não gera usucapião, pois se entende que houve
mera tolerância dos demais condôminos.
Mas se por um lado a posse de área comum
em condomínio não gera usucapião gera, por outro, a chamada supressio ou verwirkung. A diferença da
supressio para a usucapião é que, na primeira, não há aquisição originária de
propriedade. O que ocorre é a extinção da pretensão de recuperação da coisa
enquanto o possuidor estiver ali, no local.
Um caso muito comentado do STJ tratou de
um caso como este, confira-se:
CONDOMÍNIO. Área
comum. Prescrição. Boa-fé. Área destinada a corredor, que perdeu sua finalidade
com a alteração do projeto e veio a ser ocupada com exclusividade por alguns
condôminos, com a concordância dos demais. Consolidada a situação há mais de
vinte anos sobre área não indispensável à existência do condomínio, é de ser
mantido o statu quo. Aplicação do princípio da boa-fé (suppressio).
Recurso
conhecido e provido.
(REsp
214.680/SP, Rel. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, QUARTA TURMA, julgado em
10/08/1999, DJ 16/11/1999, p. 214)
Em arremate, registre-se que o STJ
também entende ser possível a usucapião de vaga de garagem, desde que
identificada com fração ideal do terreno, matrícula individual e designação
numérica própria, ou seja, que constitua verdadeira unidade autônoma do
condomínio (REsp 37.928-8)
a) Lapso Temporal
Talvez o mais significativo dos
requisitos obrigatórios é o fator tempo, que se mostra indispensável para a
conversão da situação de fato (posse) para uma situação de direito
(propriedade).
O tempo necessário para a usucapião
flutua ao sabor das políticas
legislativas dentro do contexto de cada país, a depender da predominância
da defesa dos interesses dos proprietários ou dos possuidores. Como primeiro,
cite-se o artigo 550 do Código Civil de 1915, que previa o prazo de 30 anos
para a usucapião extraordinária. Este prazo posteriormente foi reduzido para 20
anos, por força da Lei nº 2.437/55, até que, por fim, o atual Código o reduziu
para 15 anos.
Além de variar de acordo com as
convicções políticas de cada época, o requisito temporal também se altera conforme a espécie de usucapião. Vejamos
alguns dos principais prazos da legislação brasileira:
è
Usucapião
extraordinário – 15 anos
è
Usucapião
ordinário – 10 anos
è
Usucapião
especial (rural, urbano e urbano coletivo) – 5 anos
è
Usucapião
de bens móveis – 5 ou 3 anos (sem boa fé 5; com boa fé 3)
Não se pode esquecer que o parágrafo
único dos artigos 1238 e 1242 permitem a redução do prazo de usucapião, em
cinco anos, quando o usucapiente estiver morando ou tornar a terra produtiva.
(ou seja: cumprindo a função social da posse).
Daí que o tempo pode ser reduzido se, ao
invés de uma posse simples
(aquela que se satisfaz apenas com o exercido de fato dos poderes inerentes à
propriedade), se tratar de uma posse
qualificada pela função social, como aquela destinada à moradia ou à
realização de obras e serviços de caráter produtivo.
Inclusive, o juiz pode reduzir de ofício, pois a norma
é de ordem pública!!
Um detalhe: quando se tratar da
usucapião extraordinária, exige-se, além do cumprimento da função social, que o
justo título tenha sido constituído em escritura pública.
1.1.1.6.2.
Requisitos
Facultativos
a) Justo Título
É um instrumento jurídico que seria
idôneo para transferir a propriedade se não fosse o vício que pesa sobre o ele.
Observe que o justo título pode ter se constituído tanto por instrumento
particular como por escritura pública. O certo é que há um vício que impede a
transferência.
Com efeito, o justo título “é o
instrumento que conduz um possuidor a iludir-se, por acreditar que ele lhe
outorga a condição de proprietário.[26]” Em
matéria de posse e propriedade, o Código Civil trata do justo título com
significados distintos. Portanto, afirma-se que o código adota uma dupla
acepção.
Assim, o artigo 1.201 do CC/02 presume
relativamente que o possuidor está de boa fé subjetiva se tiver amparado por um
justo título. Neste caso, a acepção do conceito de justo título é ampla, pois “abarca
qualquer causa que justifique a posse.[27]”
Neste sentido, foi aprovado o Enunciado
303 do CJF:
303
– Art.1.201. Considera-se justo título para presunção relativa da boa-fé do
possuidor o justo motivo que lhe autoriza a aquisição derivada da posse, esteja
ou não materializado em instrumento público ou particular. Compreensão na
perspectiva da função social da posse.
Por outro lado, o significado de justo
título do artigo 1.242 é mais restrito e envolve apenas os títulos aptos em
tese para transferir a propriedade e outros direitos reais usucapíveis.
São exemplos de justo título nesta
acepção mais restrita a escritura de compra e venda, o formal de partilha, a
carta de arrematação, dentre outros. O que importa é que, pela sua aparência,
seja capaz de induzir qualquer pessoa cautelosa a incorrer no erro de pensar
que o título poderia lhe transferir a propriedade.
Anote-se que não é necessário o registro
do justo título para caracterizá-lo como tal e permitir a usucapião. Inclusive
há um Enunciado doutrinário do CJF exatamente neste sentido:
86 – Art. 1.242: A
expressão “justo título” contida nos arts. 1.242 e 1.260 do CC abrange todo e
qualquer ato jurídico hábil, em tese, a transferir a propriedade, independentemente
de registro.
Até uma promessa de compra e venda por
instrumento particular não depende do registro para ser caracterizada como
justo título e viabilizar a usucapião, como se pronunciou o STJ no Informativo
nº 260:
REIVINDICATÓRIA.
USUCAPIÃO COMO DEFESA. ACOLHIMENTO. POSSE DECORRENTE DE COMPROMISSO DE VENDA E
COMPRA. JUSTO TÍTULO. BEM DE FAMÍLIA.
– A jurisprudência do STJ reconhece como
justo título, hábil a demonstrar a posse, o instrumento particular de
compromisso de venda e compra.
– O bem de
família, sobrevindo mudança ou abandono, é suscetível de usucapião.
– Alegada má-fé
dos possuidores, dependente do reexame de matéria fático-probatória. Incidência
da Súmula n. 7-STJ.
Recurso especial
não conhecido.
(REsp 174.108/SP
, Rel. Ministro
BARROS MONTEIRO, QUARTA TURMA, julgado em 15/09/2005, DJ 24/10/2005, p. 327)
A propósito, não custa relembrar que a
promessa de compra e venda, ainda que desprovida de registro, também pode
amparar os embargos de terceiros opostos pelo promitente comprador em defesa da
sua posse, de acordo com a Súmula 84 do STF.
b) Boa fé
1.1.1.7.Espécies de Usucapião
Espécies
de Usucapião (de propriedade)
|
è
Extraordinário (art. 1238 CC)
è
Ordinário (1242 CC)
è
Especial Urbano (183 da CR)
è
Especial Rural (art. 191 da CR)
è
Especial Urbano Coletivo (art. 10 a 12 do Estatuto
da Cidade)
|
10.1.3.5.6.1.
USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA (art. 1.238)
Art. 1.238 “aquele
que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um
imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé;
podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de
título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis”
parágrafo único, o
prazo estabelecido no dispositivo será reduzido para dez anos se o possuidor
houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras
ou serviços de caráter produtivo
Há certas incoerências na terminologia
jurídica. Por exemplo, a palavra “tradição” tem um sentido totalmente diverso
para o direito. O mesmo acontece em relação a essa primeira espécie, pois a
usucapião extraordinária é, na verdade, usucapião comum.
É comum porque essa é a regra geral de
usucapião, que para a sua caracterização exige a presença apenas dos requisitos
objetivos.
A usucapião extraordinária se divide em
duas subespécies, a regra geral, do caput, denominada usucapião extraordinária
regular, e a modalidade prevista no parágrafo único, denominada usucapião
extraordinária por posse-trabalho.
Vejamos a primeira:
a) Usucapião Extraordinária Regular
è
Posse
mansa, pacífica e ininuterrupta, com aninus
domini
è
Lapso
temporal mínimo de 15 anos.[28]
b) Usucapião Extraordinária Por Posse-Trabalho (Função
Social)
Concretizando a função social, o
dispositivo estabelece, em seu parágrafo único, que o prazo pode ser reduzido
de 15 para 10 se o possuidor estabeleceu no local a sua moradia ou realizou obras ou serviços de caráter produtivo.
Como se vê, os requisitos desta
subespécie de usucapião extraordinária são:
è
Posse
mansa, pacífica e ininterrupta, com animus
domini;
è
Estabelecimento
de moradia habitual ou realização de obras ou serviços de caráter produtivo;
è
Lapso
temporal mínimo de 10 anos.
Ressalta-se que a lei não exige outros
requisitos além dos que foram mencionados. Na usucapião extraordinária por
posse trabalho não se exige a presença de justo título ou boa fé. Flávio
Tartuce salienta que a modalidade em estudo vem sendo objeto de numerosos
julgados pelo país.[29]
Por todos, cite-se a ementa de um
precedente da 4ª Turma do STJ:
DIREITOS REAIS. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIO. POSSE PARCIALMENTE EXERCIDA NA VIGÊNCIA DO CÓDIGO CIVIL DE 1916. APLICAÇÃO IMEDIATA DO ART. 1.238, § ÚNICO, DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. INTELIGÊNCIA DA REGRA DE TRANSIÇÃO ESPECÍFICA CONFERIDA PELO ART. 2.029. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO EM PARTE E, NA EXTENSÃO, PROVIDO.
1. Ao usucapião extraordinário qualificado pela "posse-trabalho", previsto no art. 1.238, § único, do Código Civil de 2002, a regra de transição aplicável não é a insculpida no art. 2.028 (regra geral), mas sim a do art. 2.029, que prevê forma específica de transição dos prazos do usucapião dessa natureza.
2. O art. 1.238, § único, do CC/02, tem aplicação imediata às posses ad usucapionem já iniciadas, "qualquer que seja o tempo transcorrido" na vigência do Código anterior, devendo apenas ser respeitada a fórmula de transição, segundo a qual serão acrescidos dois anos ao novo prazo, nos dois anos após a entrada em vigor do Código de 2002.
3. A citação realizada em ação possessória, extinta sem resolução de mérito, não tem o condão de interromper o prazo da prescrição aquisitiva. Precedentes.
4. É plenamente possível o reconhecimento do usucapião quando o prazo exigido por lei se exauriu no curso do processo, por força do art. 462 do CPC, que privilegia o estado atual em que se encontram as coisas, evitando-se provimento judicial de procedência quando já pereceu o direito do autor ou de improcedência quando o direito pleiteado na inicial, delineado pela causa petendi narrada, é reforçado por fatos supervenientes.
5. Recurso especial parcialmente conhecido e, na extensão, provido.
10.1.3.6.2. USUCAPIÃO
ORDINÁRIA (art. 1.242)
Art. 1242. Adquire
também a propriedade do imóvel aquele que, contínua e incontestadamente, com
justo título e boa-fé, o possuir por dez anos.
Parágrafo único. Será
de cinco anos o prazo previsto neste artigo se o imóvel houver sido adquirido,
onerosamente, com base no registro constante do respectivo cartório, cancelada
posteriormente, desde que os possuidores nele tiverem estabelecido a sua
moradia, ou realizado investimentos de interesse social e econômico
De acordo com o artigo 1.242, a
usucapião ordinária se divide em duas modalidades: usucapião ordinária regular e a usucapião ordinária por posse-trabalho.
Vejamos os requisitos da primeira modalidade.
a) Usucapião Ordinária Regular
Os requisitos são:
è
Justo título.
è
Boa-fé, no caso a
boa-fé subjetiva, existente no campo intencional ou psicológico (art. 1.201 do
CC).
No que toca ao justo título, a
expressão abrange todo e qualquer ato jurídico hábil, em tese, a transferir a
propriedade, independentemente de registro.[31] Ou ainda: “é o
instrumento que conduz um possuidor a iludir-se, por acreditar que ele lhe
outorga a condição de proprietário.[32]”
Trata-se, assim, de documento
formalmente idôneo à transferência da propriedade, mas que apresenta um defeito
que impede esta possibilidade.
São exemplos: escritura pública, formal
de partilha, carta de arrematação etc, independentemente de registro, segundo o
enunciado n. 86 da Jornada de Direito Civil. No caso da usucapião, o decorrer
do tempo produz o efeito de expurgar o vício originário que o título contém. É
dizer: o tempo se encarrega de sanar os vícios congênitos do títulos.
Assim
pela amplitude que se confere ao sentido da expressão “justo título”, deve ser
considerado tal, para a usucapião ordinária, o instrumento particular de
compromisso de compra e venda, independentemente
do seu registro ou não no Cartório de Registro de Imóveis.[33]
O conceito em si de justo título, pela
sua abstração, traz certa dificuldade inicialmente para se visualizar bons
exemplos para o entendimento da matéria. Assim, para ilustrar, aponta-se[34]
pelo menos três causas mais comuns que viciam o título aquisitivo, são eles:
è
VENDA A NON
DOMINO
A,
estelionatário, vende para B imóvel pertencente a C, e o registra. Para
tanto, A falsificou escrituras e adulterou documentos. No STJ, há um
precedente bem elucidativo – REsp 652.449/SP.
|
è
TÍTULO COM VÍCIO
QUE GERA INVALIDADE
Neste caso o
transmitente é o real proprietário, mas o ato padece de um vício de nulidade
ou anulabilidade. Exemplo: imóvel alienado por um dos cônjuges que omite sua
condição de casado ao adquirente, hipótese em que o cônjuge preterido terá o
prazo decadencial de 2 (dois) anos, contados da dissolução da sociedade
conjugal, para propor a ação anulatória.
|
è
TÍTULO QUE NÃO
ATENDE O PLANO DA EFICÁCIA
Por fim, realizada a venda pelo legítimo
proprietário e não havendo defeitos no plano da validade, ainda podem ocorrer
vícios no plano da eficácia. Aliás, não é possível catalogar tão facilmente as
mais variadas hipóteses que atuam no plano da eficácia, como pode ser feito nas
causas de nulidade ou anulabilidade. Assim, a título de recordação, lembremos
que a condição, o termo e o encargo são os melhores exemplos, mas existem
várias outras: o adimplemento ou o inadimplemento estão no plano da eficácia,
assim como a cláusula penal etc.
Relativamente à usucapião, pode-se citar
a hipótese de uma promessa de compra e venda que não foi integralmente quitada.
Neste caso, por uma problema de eficácia, falta de pagamento, o título padece
de um vício.
Por fim, em relação à boa fé, significa
que o possuidor tem a convicção que o bem lhe pertence. A maior parte dos possuidores
detém a intenção de dono, embora saibam que não o são. Mas o possuidor de boa
fé vai além. Ele incide num estado de erro, que gera nele a falsa percepção de
ser o proprietário do título.
b) Usucapião Ordinária Por Posse-Trabalho
Nesta modalidade o prazo é reduzido a
cinco anos, desde que, além dos elementos obrigatórios, sejam preenchidos os
seguintes elementos facultativos:
è
Aquisição
onerosa com base no registro constante do respectivo cartório e cancelada
posteriormente (por exemplo, um instrumento particular de promessa de compra e
venda)
è
Moradia
ou investimento de interesse social ou econômico. (posse-trabalho)
A espécie constitui matéria de defesa a
ser alegada no curso da ação de anulação de registro do título translativo de
propriedade, sendo desnecessário o posterior ajuizamento da ação de usucapião.[35]
Registre-se, por fim, que esta
modalidade é muito semelhante à chamada usucapião tabular, prevista na LRP, que
será analisada a seguir.
c) Usucapião Tabular
A vende para B um imóvel. O título é
registrado em cartório. No entanto, o imóvel pertencia, na verdade, a C. E C
ajuíza ação de nulidade do registro. C prova que o registro é falso. Assim,
opera-se a evicção.
A Lei 6015/73 (LRP), em seu artigo 214,
§5º, criou o usucapião tabular.
No caso, quando C propôs a ação de
nulidade, B já tinha preenchido os requisitos. No caso, o juiz teria que
desconstituir a propriedade de B, o qual teria de propor ação de usucapião.
Assim, na ação de invalidade de
registro, o réu pode invocar, como defesa em seu favor, o usucapião, e o juiz
da vara de registros públicos, verificando a presença dos requisitos, declarará
a usucapião e julgará improcedente a ação de invalidação.
Isso torna desnecessária a propositura
de uma nova ação, por questões de economia processual.
Um detalhe: só é possível falar em
usucapião tabular quando se tratar de usucapião ordinário (é lógico, porque
exige o justo título).
Apesar da regra, o juiz não pode alegar
de ofício a usucapião. Atenção para o artigo 219 do CPC, pois somente a
usucapião extintiva pode ser conhecida de ofício pelo juiz, em uma
interpretação restritiva deste dispositivo.
10.1.3.6.3.
Usucapião Especial Urbana (Art. 183, da CR; art. 1.240 do CC e art. 9º da Lei
10.257/2001)
Art. 183. “Aquele que possuir
como sua área urbana de até duzentos e cinquenta metros quadrados, por cinco
anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua
família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro
imóvel urbano ou rural”
Assim como a usucapião especial rural,
esta modalidade visa atender ao direito mínimo de moradia. O dispositivo
constitucional foi reproduzido no Código Civil (art. 1.240) e no Estatuto da
Cidade (art. 9º, Lei 10.257/2001). Os requisitos para a sua caracterização são:
a) Requisitos
è
Área urbana não
superior a 250 m2.
è
Posse mansa e pacífica
de cinco anos ininterruptos, sem oposição, com animus
domini.
è
O imóvel deve ser
utilizado para a sua moradia ou de sua família, nos termos do que prevê o art.
6.º, caput, da CF/1988 (pro
misero).
è
Usucapiente não pode
ser proprietário de outro imóvel rural ou urbano.
b) Regras Específicas do Estatuto da Cidade
Além dos requisitos, existem outras
importantes regras previstas no Estatuto da Cidade a respeito desta modalidade
de usucapião, a saber:
è
O título de domínio será conferido ao
homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil (art. 9.º, §
1.º, da Lei 10.257/2001);
è
O direito não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez (art. 9.º, § 2.º, da Lei 10.257/2001)
è
A modalidade não se destina às pessoas jurídicas.
O próprio procedimento da ação de
usucapião especial urbana também está previsto no Estatuto da Cidade.
c)
A Usucapião
Especial Urbana e a Acessio Possessionis
Dentre as principais regras previstas no
Estatuto da Cidade está a que dispõe sobre a soma de posses (acessio possessionis) na usucapião
especial urbana. Trata-se do §3º do art. 9º, que estabelece:
“para os efeitos
dessa modalidade de usucapião, o herdeiro legítimo continua, de pleno direito,
a posse de seu antecessor, desde que já resida no imóvel por ocasião da
abertura da sucessão”
Observa-se que a regra geral sobre a
soma de posses (art. 1.243) não se aplica à espécie. Como visto, qualquer
pessoa pode somar o seu tempo de posse com a de seu antecessor, seja por ato inter vivos ou mortis causae.
Vimos, ainda, que a soma de posses por
ato inter vivos recebe o nome de acessio possessionis e a por ato causa mortis denomina-se sucessio possessionis.
Assim, a partir do §3º do art. 9º, acima
transcrito, podemos concluir que, em matéria de usucapião especial urbano, não
se aplica a acessio possessionis, já
que não há soma de prazo em razão de ato inter
vivos.
Como assinala Flávio Tartuce, “resta claro, pela
literalidade da norma, que a soma das posses para a usucapião especial
urbana somente pode ser mortis causa e não inter vivos, como é na
regra geral.[36]”
Mesmo assim, é preciso ficar atento
porque, para que ocorra a soma de posses, deve-se comprovar que o herdeiro já
residia no imóvel ao tempo da abertura da sucessão. É uma situação muito
específica e que, portanto, deve-se ter toda a atenção.
d) Enunciados Doutrinários e Aplicações Práticas
Alguns enunciados doutrinários foram
aprovados nas jornadas de direito civil realizadas pelo CJF/STJ. Dois deles
consolidaram entendimentos sobre a possibilidade de usucapião de unidades
autônomas vinculadas a condomínios edilícios (apartamentos).
No caso, foram aprovados dois
enunciados, o de nº 85 (I Jornada) 314 (IV Jornada):
Enunciado n. 85 “Para efeitos do art. 1.240, caput,
do novo Código Civil, entende-se por ‘área urbana’ o imóvel edificado ou não, inclusive unidades
autônomas vinculadas a condomínios edilícios”
Enunciado n. 314 “para os efeitos do art. 1.240, não se
deve computar, para fins de limite de metragem máxima, a extensão compreendida
pela fração ideal correspondente à área comum”.
Anota-se oportunamente que há reflexo
deste posicionamento na jurisprudência, conforme se colhe deste julgado: TJSP, Apelação
390.646-4/3-00, Mococa, Terceira Câmara de Direito Privado, j. 05.09.2006, Rel.
Des. Beretta da Silveira, v.u., Voto 11.567.
10.1.6.3.4. Usucapião Urbana por Abandono de Lar (art. 1.240-A,
do CC/02)
Trata-se, como dito, de novidade em
matéria usucapião, decorrente da inclusão do artigo 1.240-A no Código Civil
pela Lei 12.424/11. Pelas semelhanças mantidas com a usucapião especial urbana,
tem-se, na verdade, uma subespécie desta.
Com efeito, dispõe o artigo 1.240-A:
“Art. 1.240-A. Aquele que exercer, por 2 (dois) anos
ininterruptamente e sem oposição, posse direta, com exclusividade, sobre imóvel
urbano de até 250 m2 (duzentos e cinquenta metros quadrados) cuja
propriedade divida com ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar,
utilizando-o para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio
integral, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.
§ 1.º O direito previsto no caput não será reconhecido
ao mesmo possuidor mais de uma vez.”
Assim, logo de início já se pode
observar várias semelhanças com a usucapião especial urbana, apresentando, é
claro, algumas especificidades. Vejamos os requisitos para a sua
caracterização:
a)
Requisitos
è
Posse
mansa pacífica e ininterrupta;
è
Imóvel
urbano de até 250 m2;
è
Abandono
do lar familiar
è
Lapso
temporal de 2 anos
è
Usucapiente
não pode ser proprietário de outro imóvel urbano ou rural.
Os dois primeiros requisitos também
estão presentes na usucapião especial urbana, valendo ressaltar que, em havendo disputa,
judicial ou extrajudicial, relativa ao imóvel, não ficará caracterizada a posse
ad usucapionem, não sendo o caso de subsunção do preceito.
O requisito do abandono do lar traz à
tona novamente a discussão de culpa nas relações familiares. Afinal, o abandono
se deu por culpa de quem? Neste sentido, muitos autores afirmam, com razão, que
o dispositivo está na contramão dos avanços obtidos na área do direito das
famílias, campo em que predomina o entendimento de que não mais se discute culpa
no término das relações conjugais.
Justamente por isso, a orientação é para
promover uma interpretação restrita da expressão abandono do lar, como propõe o
enunciado n. 499 do CJF:
“A aquisição da
propriedade na modalidade de usucapião prevista no art. 1.240-A do Código Civil
só pode ocorrer em virtude de implemento de seus pressupostos anteriormente ao
divórcio. O requisito ‘abandono do lar’ deve ser interpretado de maneira cautelosa,
mediante a verificação de que o afastamento do lar conjugal representa descumprimento simultâneo de
outros deveres conjugais, tais como assistência material e dever de
sustento do lar, onerando desigualmente aquele que se manteve na residência
familiar e que se responsabiliza unilateralmente com as despesas oriundas da
manutenção da família e do próprio imóvel, justificando a perda da propriedade
e a alteração do regime de bens quanto ao imóvel objeto de usucapião”.
Ou seja: o simples abandono não caracteriza
a hipótese. Para isso, é necessário verificar a presença do abandono e da
violação de outros deveres conjugais, o que resgata a questão da culpa,
inevitavelmente.
A principal novidade é a redução do
prazo para exíguos dois anos, o que faz com que a nova categoria seja aquela
com menor prazo previsto, entre todas as modalidades de usucapião, inclusive de
bens móveis (o prazo menor era de três anos). Deve ficar claro que a tendência
pós-moderna é justamente a de redução dos prazos legais, eis que o mundo
contemporâneo possibilita a tomada de decisões com maior rapidez.
Ademais, “não se pode admitir a aplicação da nova
usucapião nos casos de atos de violência praticados por um cônjuge ou
companheiro para retirar o outro do lar conjugal. Em suma, a expulsão do
cônjuge ou companheiro não pode ser comparada ao abandono.”
b)
Direito
Intertemporal
Diante da nova previsão legal,
pergunta-se: e a situação do cônjuge ou companheiro que já exerciam posse
exclusiva, mansa, pacífica e ininterrupta no imóvel há mais de dois anos em
virtude de abandono do lar, pelo outro, antes da vigência da Lei?
Apesar de muitos já terem preenchido os
requisitos do artigo 1.240-A antes de sua vigência, prevaleceu o entendimento
de que o prazo para exercício desse novo direito deve ser contado por inteiro,
a partir do início da vigência da alteração legislativa.
Realmente o entendimento está correto em
virtude do princípio da irretroatividade da lei em defesa do direito adquirido
(art. 5º, inc. XXXVI, da CR/88).
E não foi outro o entendimento
consubstanciado no enunciado 498 do CJF:
“A fluência do prazo
de 2 anos, previsto pelo art. 1.240-A para a nova modalidade de usucapião nele
contemplada com a tem início em vigor da Lei n. 12.424/2011”
c)
Posse Direta
Pela literalidade do artigo 1.240-A,
pode-se afirmar que a posse direta constitui um dos requisitos desta modalidade
de usucapião.
Sabemos, inclusive, que posse direta é
aquela em que o possuidor está em contato físico ou imediato com a coisa. Mas e
se o ex-cônjuge ou ex-companheiro que ficar na casa resolver alugar o imóvel ou
mesmo emprestá-lo para terceiros. Nesta hipótese, ele ficaria com a posse
indireta. Então, ele faz jus à usucapião?
Para sanar a dúvida, aprovou-se, na V
Jornada, o Enunciado 502, que firmou a seguinte orientação:
“O conceito de posse
direta do art. 1.240-A do Código Civil não coincide com a acepção empregada no
art. 1.197 do mesmo Código” (Enunciado n. 502).
Assim, para Flávio Tartuce, “não há necessidade de
que o imóvel esteja na posse direta do ex-cônjuge ou ex-companheiro, podendo
ele estar locado a terceiro; sendo viável do mesmo modo a nova usucapião pelo
exercício de posse indireta.[37]”
d)
Separação e
Divórcio
Não obstante as expressões “ex-cônjuges
ou ex-companheiros”, não se pode entender que a lei exige, além do abandono do
lar, que haja prévia separação, divórcio ou dissolução de união estável para
caracterizar a usucapião. Inclusive, um enunciado doutrinário foi aprovado
(Enunciado 501, da V Jornada) neste sentido:
“As expressões
‘ex-cônjuge’ e ‘ex-companheiro’, contidas no artigo 1.240-A do Código Civil,
correspondem à situação fática da
separação, independentemente de divórcio.
10.1.3.6.4.
Usucapião Constitucional ou Especial Rural – pro labore (Art. 191 da CR; art.
1.239 do CC e Lei 6.969/1981)
Estatui o caput do art. 191 da
CF/1988 que:
“Aquele que, não sendo proprietário de imóvel
rural ou urbano, possua como seu, por cinco anos ininterruptos, sem oposição,
área de terra, em zona rural, não superior a cinquenta hectares, tornando-a
produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia,
adquirir-lhe-á a propriedade”.[38]
Do enunciado é possível extrair seus
requisitos, quais sejam:
a) Requisitos
è
Prazo
de 5 anos
è
Imóvel
localizado em área rural e não superior a 50 hectares
è
Usucapiente
não pode ser proprietário de nenhum outro imóvel rural ou urbano
è
Finalidade
de moradia ou produtividade da terra.
Para Tartuce, “o imóvel deve ser
utilizado para subsistência ou trabalho (pro labore), podendo ser na
agricultura, na pecuária, no extrativismo ou em atividade similar. O fator
essencial é que a pessoa ou a família esteja tornando produtiva a terra, por
força de seu trabalho.”
No entanto, pela
literalidade do dispositivo, entendo que, além da produtividade, o possuidor
deve fazer do local a sua moradia. Ou seja: deve morar e trabalhar na terra.
Quanto à
extensão máxima da área, vem prevalecendo o entendimento de que se a posse
recair sobre área superior a 50 hectares, não
é possível a aquisição pela via da usucapião especial, ainda que o pedido
restrinja à dimensão do que se quer usucapir. [39]
Ao que tudo indica, a jurisprudência vem aplicando este entendimento.[40]
Por fim,
destaca-se que o procedimento desta modalidade de usucapião está previsto na
Lei 6.969/81
10.1.3.6.5.
Usucapião Especial Urbano Coletivo (art. 10 Lei 10.257/2001)
Conforme dispõe o artigo 10, da Lei
10.257/2001:
“As áreas urbanas com
mais de duzentos e cinquenta metros quadrados, ocupadas por população de baixa
renda para sua moradia, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, onde não for possível identificar os
terrenos ocupados por cada possuidor, são susceptíveis de serem usucapidas
coletivamente, desde que os possuidores não sejam proprietários de outro imóvel
urbano ou rural”.
São requisitos desta modalidade de
usucapião coletiva:
a) Requisitos:
è
Prazo
de 5 anos
è
Posse
coletiva para fins de moradia
è
População
de baixa renda (favela)
è
Imóvel
superior a 250m2 em área urbana (área mínima)
è
Legitimidade
para a ação de cada um dos possuidores e da associação de moradores, como
substituto processual
b) Regras específicas
O Estatuto da Cidade ainda dispõe de
normas específicas sobre a usucapião coletiva nos parágrafos do artigo 10.
Dentre elas, destaca-se, em primeiro lugar, a regra que admite a acessio possessionis (§1º). Na seqüência,
o §,2º prevê o óbvio, ao dispor que a usucapião será declarada por sentença e
que esta valerá como título para registro em cartório.
Até então nada de novo em relação às
demais modalidades, mas os §§3º, 4º e 5º, estes sim, trazem disposições
específicas e relevantes, isso porque o juiz atribuirá igual fração ideal de terreno a cada possuidor,
independentemente da dimensão do terreno que cada um ocupe, salvo hipótese de
acordo escrito entre os condôminos, estabelecendo frações ideais diferenciadas
(art. 10, § 3.º, da Lei 10.257/2001).
Com a sentença e o respectivo registro,
constitui-se um condomínio, indivisível e perpétuo, salvo deliberação
favorável tomada por, no mínimo, dois terços dos condôminos, no caso de
execução de urbanização posterior à constituição do condomínio (art. 10, § 4.º,
da Lei 10.257/2001).
Por fim, as deliberações relativas à
administração do condomínio especial serão tomadas por maioria de votos dos
condôminos presentes, obrigando também os demais, discordantes ou ausentes
(art. 10, § 5.º, da Lei 10.257/2001).
10.1.3.6.6.
Usucapião Especial Indígena (art. 33, da Lei 6.001/1973)
Esta modalidade de usucapião está prevista no Estatuto do
Índio (Lei 6.001/1973). Enuncia o art. 33 da referida Lei que “O índio,
integrado ou não, que ocupe como próprio, por dez anos consecutivos, trecho de
terra inferior a cinquenta hectares, adquirir-lhe-á a propriedade plena”.
Em
resumo, pelo que consta da norma, são requisitos da usucapião indígena:
è
Área de, no máximo, 50
ha.
è
Posse mansa e pacífica
por dez anos, exercida por indígena, integrado ou não.
10.1.3.6.7.
Usucapião Administrativa (Lei 11.977/2009, conhecida como Lei Minha Casa, Minha
Vida.)
A Lei que instituiu o programa Minha
Casa, Minha Vida introduziu nova modalidade de usucapião, que pode ser
declarada independentemente de processo judicial.
De acordo com o artigo 60 da Lei 11.977/2009,
o interessado deve obter previamente do Poder Público a legitimação de posse de
área pública ou particular, que depende do preenchimento de certos requisitos[41],
para, depois de 5 anos contados do registro da concessão, pedir ao oficial do
cartório a conversão[42] desse título em
registro de propriedade, tendo em vista sua aquisição por usucapião, nos termos
do art. 183 da Constituição Federal
10.1.6.4.
Usucapião Como
Matéria de Defesa
Todas as espécies ou categorias podem
ser alegadas como matéria de defesa (Súmula
237 do STF). Ou seja: alegadas pelo réu na contestação, independentemente
de reconvenção. Exemplo: Ação Reivindicatória.
A propõe a ação petitória contra B. O
possuidor citado alega, em contestação, que já preencheu os requisitos do
usucapião. Então, o juiz acolhe a usucapião como matéria de defesa e julga o
pedido improcedente.
Aqui há um problema: neste caso, o réu
vitorioso pode pegar a sentença e levar no cartório para registro? A sentença
não pode ser levada a registro, por não ter ocorrido a publicação de editais.
Então ela não pode produzir efeitos erga
omnes. A sentença que acolheu a usucapião como matéria de defesa não pode produzir efeitos erga ommes, porque não houve publicação
de editais e, consequentemente, não será registrada em cartório.
Exceção: existem dois
casos, em que a sentença que acolhe a usucapião como matéria de defesa será
levada para registro em cartório. São casos em que ela produz efeitos erga omnes, quais sejam: Na usucapião especial rural e na usucapião
especial urbano.
Isso por disposição expressa de lei.
(está previsto nas legislações específicas de cada uma das categorias). O problema é o perigo de afronta de
interesse de terceiros que não participaram do processo.
A propõe ação petitória contra B. na
inicial, A descreve que o imóvel tem 150m2. B alega usucapião
especial urbano. O juiz acolhe e B leva a sentença em registro. No entanto, o
imóvel tem 120m2, na verdade, mas foi registrado como sendo de 150m2.
Essa situação força que o vizinho prejudicado (o verdadeiro dono dos 30m2
surrupiados) ajuíze outra ação anulatória ou reivindicatória.
Atente-se para não confundir usucapião
tabular com usucapião alegado em matéria de defesa. Esta última também é
alegada como matéria de defesa, mas tem uma situação muito específica. O usucapião tabular é discutido nos autos
de uma ação de nulidade de registro.
Em toda ação que se discuta a
propriedade, pode-se alegar a usucapião. Mas a usucapião tabular só pode ser
alegada em ação declaratória de nulidade de registro.
10.1.6.5.
Aspectos
processuais de usucapião
10.1.6.5.4.
Generalidades
Relembrando do procedimento comum ordinário, sabe-se que ele é pentafásico (tem cinco fases)
Postulatória à conciliatória à saneatória à instrutória à decisória (a fase recursal é prolongamento da
fase decisória)
No momento em que se diz que o P.C.O é
pentafásico, diz-se que o procedimento forma um tipo padrão (standard). Isso
significa que toda vez que se alterar uma das fases, o procedimento se torna
especial. Em outras palavras, a alteração de qualquer dessas fases torna o
procedimento especial.
E o procedimento da ação de usucapião,
previsto no artigo 941 a 945 do CPC,
é especial. Logo, haverá modificação em alguma das fases.
10.1.6.5.5.
Peculiaridades
do Procedimento de Usucapião
a) A Fase dos Editais
A alteração que caracteriza a ação de
usucapião como procedimento especial consiste na supressão da fase conciliatória pela fase dos editais. Inclusive,
autores mais antigos, com Humberto Theodoro Júnior, chegam a apelidar o
usucapião de procedimento edital por
conta dessa fase dos editais.
b) Litisconsortes passivos necessários
Nesta fase, serão citados os
litisconsortes passivos necessários para que a sentença possa produzir efeitos erga omnes. E quais são os litisconsortes passivos necessários? Litisconsortes
simples, inclusive, pela possibilidade de produção de efeitos destoantes para cada um deles. São eles:
è
A
pessoa em cujo nome o imóvel está registrado e o seu respectivo cônjuge, se
casado for, por se tratar de uma ação
real (não chamá-lo de proprietário, pois a cada dia ele se torna menos
proprietário)
è
Os
confinantes e os respectivos cônjuges (confinante é relação de contiguidade. O
vizinho imediato) nem todo vizinho é confinante, mas todo confinante é vizinho.
è
O
atual possuidor, se houver. Súmula
263 do STF
è
As
Fazendas Públicas federal, estadual e municipal
è
A
coletividade, citada por edital.
è
Intimação
do MP para funcionar como fiscal da lei
c) Coletividade e Curador Especial
O CPC dispõe que um réu revel foi citado
por edital ou hora certa lhe será nomeado um curador especial! No entanto, no procedimento
de usucapião não será constituído um curador para representar a coletividade,
pois o curador especial se aplica para o caso de réu certo citado de forma
incerta (presumida).
d) MP e Usucapião como Matéria de Defesa
Outra reflexão! O MP atua como fiscal da
lei na ação em que a usucapião é alegada como matéria de defesa? Não porque a
sentença, de regra, não produz efeitos erga omnes, exceto, como visto, em se
tratando de usucapião especial rural ou urbano, devido à produção de efeitos
erga omnes.
e) Ordinarização do Procedimento de Usucapião
Superada a fase dos editais, o
procedimento de usucapião ordinariza. Significa que, dali em diante, seguirá o
procedimento comum ordinário:
Postulatória à fase de editais
à saneatória à instrutória à decisória
Exige-se, apenas, para que a sentença
seja levada a registro, a quitação fiscal (art. 945 do CPC). A peculiaridade é a exigência da quitação
tributária.
Inclusive, o 945 tem uma redação
curiosa. Afinal, o que significa “satisfeitas
as obrigações fiscais”? Ora, como se
trata de modo originário de aquisição, não há relação translatícia. Então,
o dispositivo se refere a imposto sobre
a propriedade (IPTU ou ITR). Este imposto será pago a partir do momento em
que se aperfeiçoou a aquisição.
Assim, por exemplo, em uma usucapião
extraordinária de 18 anos, o usucapiente deverá pagar a sisa correspondente ao
período de três anos. Ele paga o número
de impostos correspondentes ao período que exceder a aquisição. Se adquiriu
no 15º e provou que tem 23 anos de posse, paga 8 (lembrando da prescrição
fiscal de 5 anos)
10.1.6.6.
Usucapião de
Imóveis e Direito Intertemporal
Dentre as regras de transição previstas
no Código Civil está a do artigo 2.029, que assim dispõe:
“Até dois anos após a
entrada em vigor deste Código, os prazos estabelecidos no parágrafo único do
art. 1.238 e no parágrafo único do art. 1.242 serão acrescidos de dois anos,
qualquer que seja o tempo transcorrido na vigência do anterior, Lei 3.071, de 1.º
de janeiro de 1916”.
Como se nota, a norma tem aplicação
específica para a usucapião extraordinária e a ordinária por posse-trabalho,
que estabelecem, respectivamente, lapsos temporais de 10 e de 5 anos para se
consumar a prescrição aquisitiva. Entretanto, de acordo com a regra de
transição, esses prazos seriam de 12 e de 7.
Não custa lembrar que a data de início
de vigência do Código Civil foi 11/01/03, conforme entendimento jurisprudencial
e doutrinário dominantes. Com efeito, pelo menos até 11/01/05, as modalidades
de usucapião em exame ficaram sujeitas a este acréscimo temporal.
O exemplo de Maria Helena Diniz ilustra
a situação:
Se, p. ex., até dois anos da entrada em vigor do novo Código
Civil, alguém já vinha possuindo, desde o império do Código Civil de 1916, com animus
domini, imóvel por 9 anos sem justo título e boa-fé, tendo nele
estabelecido sua morada e o tornado produtivo, não terá de aguardar mais 11
anos para pedir a usucapião extraordinária, como previa o art. 550 do CC de
1916, que, para tanto, exigia 20 anos de posse ininterrupta, nem se lhe
aplicaria o disposto no art. 2.028, pois como reside no imóvel e nele realizou
obras sociais e econômicas, ter-se-á a posse ad laborem, logo
bastar-lhe-á, ante a patrimonialidade do prazo transcorrido, esperar mais três anos para pedir a
propriedade, obtendo sentença declaratória de usucapião, pois pelo art.
1.238, parágrafo único, o prazo é de 10
anos, acrescido de mais dois anos por força do art. 2.029 do CC. Deverá,
então, cumprir doze anos de
posse-trabalho para obter, por meio de usucapião, a propriedade daquele
imóvel”.
A aplicação específica do artigo 2029 às
modalidades de usucapião qualificadas pela posse-trabalho trouxe a reboque uma
dúvida em saber se as demais modalidades
estariam sujeitas à regra de transição do artigo 2.028 ou se os prazos teriam
aplicação imediata.
Autores como Tartuce e Mário Luiz
Delgado entendem que o artigo 2028 se aplica às demais modalidades de
usucapião. Assim, se ao tempo da vigência do Código Civil de 2002, houver
transcorrido menos da metade do prazo estabelecido pelo Código de 1916,
aplicam-se os prazos do atual diploma.
Este raciocínio prima por segurança
jurídica, porque o proprietário não poderia ser pego de surpresa com a redução
do prazo prescricional.
No entanto, o entendimento que prevaleceu
nas jornadas de direito civil foi a de que, fora as hipóteses do artigo 2029,
todos os demais prazos de usucapião estatuídos pelo Código Civil têm aplicação
imediata, por serem mais benéficas ao possuidor.
Eis o teor do enunciado 564, da VI Jornada de Direito Civil:
“as normas relativas
à usucapião extraordinária (art. 1.238, caput, CC) e à usucapião
ordinária (art. 1.242, caput, CC), por estabelecerem redução de prazo em
benefício do possuidor, têm aplicação
imediata, não incidindo o disposto no art. 2.028 do Código Civil”.
11.
Causas Derivadas
de Aquisição da Propriedade Imóvel
11.1.
Registro em
Cartório por ato inter vivos ou causa mortis
11.1.1.
Generalidades
O registro em cartório é necessário para
a aquisição da propriedade imobiliária pelo modo derivado. E esse registro é
necessário tanto para os atos inter vivos
quanto para os atos causa mortis.
Sendo assim, a escritura pública ou o
contrato particular de compra e venda não transferem, por si só, a propriedade.
Para tanto, é necessária a tradição, em relação aos bens móveis (art. 1.267) e
o registro do título translativo em cartório no que se refere aos bens imóveis
(art. 1.245).
Afirma-se, com isso, que o contrato de
compra e venda, embora seja consensual por pressupor somente a vontade das
partes para aperfeiçoar, não tem eficácia real, pois não transfere a
propriedade, já que, nos termos do artigo 481 do CC/02, o vendedor se obriga a
transferir o domínio da coisa alienada.
Só por curiosidade, convém anotar que o
direito pré-codificado seguia um sistema diverso do atual, semelhante ao
previsto no código francês (art. 712) e no italiano (art. 922), dispondo que a
escritura pública e o contrato eram suficientes para transmitir a propriedade.
Com efeito, antes do Código de 1916, os contratos de compra e venda, além de
consensuais, operavam a transferência da propriedade (tinham eficácia real).
No entanto, Carlos Roberto Gonçalves
sustenta que, por influência do jurisconsulto imperial Teixeira de Freitas, o direito
brasileiro afastou-se deste sistema de matriz franco-italiana para aproximar-se
do sistema alemão, que requer a tradição ou o registro, conforme o caso, como
atos complementares à transmissão do domínio.
Já Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald
afirmam que o Brasil seguiu o caminho do meio, ou seja, o sistema romano, ao
diferenciar o título, como causa, e o registro, como modo de aquisição da
propriedade. E nos dizeres dos mencionados autores: “Em nosso sistema, o título
simplesmente serve de causa à futura
aquisição de propriedade[43]”
Assim, esquematicamente, temos os
seguintes modelos ou sistemas relacionados com a aquisição da propriedade
imóvel:
Romano
|
Francês
(também adotado pelo direito italiano e português)
|
Germânico
|
A
aquisição depende da causa (título) e de um modo (forma de aquisição), que
seria o registro.
Título
+ registro
|
O
contrato por si basta para transferir a propriedade.
Basta
o consentimento. Valoriza-se a autonomia privada.[44]
Dispensa-se
qualquer ato adicional para isso.
O
registro serve como instrumento de publicidade.
Basta
o contrato.
O
registro funciona como meio para dar publicidade ao ato.
|
É
Similar ao modelo romano, mas é mais rigoroso e técnico.
Os
contratos produzem apenas obrigações.
A
transmissão da propriedade resulta de uma segunda convenção – convênio
jurídico real – realizada pelas mesmas partes perante o oficial do registro,
ocasião em que são sanados eventuais vícios existentes.
|
Hoje, portanto, o registro do título não
funciona apenas como meio de dar
publicidade a terceiros, mas efetivamente como forma de aquisição dos direitos
reais (propriedade e demais direitos reais limitados).
Assim, dependendo da situação, o
registro terá natureza declaratória, servindo mais como mecanismo para dar
publicidade a terceiros, o que ocorre na usucapião e na sucessão, ao passo em
que ele poderá, em outras situações – como na alienação inter vivos – ter natureza constitutiva, funcionando aí sim como
forma de aquisição do direito de propriedade.
Isso ocorre porque, na usucapião, a
própria sentença declaratória funciona como título aquisitivo e, na sucessão causa mortis, a propriedade é
transferida aos herdeiros imediatamente à morte do autor da herança, pelo
princípio do droit de saisine.
Atualmente o sistema de registros
públicos é regulado pela Lei 6.105, de 31 de dezembro de 1973.
11.1.2.
Eficácia do
Registro
Como exposto, é certo que o Brasil
adotou a técnica germânica concernente à aquisição do domínio pelo registro do
título, mas não de maneira absoluta, já que no direito alemão existe uma
presunção absoluta de que o proprietário é a pessoa indicada no registro,
enquanto no Brasil esta presunção é relativa, vez que admite prova em
contrário. Neste sentido, o artigo 1.245,§2º:
Art. 1.245.
Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título
translativo no Registro de Imóveis.
§ 2o
Enquanto não se promover, por meio de ação própria, a decretação de invalidade
do registro, e o respectivo cancelamento, o adquirente continua a ser havido
como dono do imóvel.
Como exemplo, cite-se a hipótese de
venda a non domino. (venda por aquele
que não é o proprietário). O verdadeiro proprietário, prejudicado, poderá
requerer o cancelamento do registro. (A – falso proprietário – vende para B,
que faz o registro da escritura). Todavia, C, verdadeiro proprietário, promove
o cancelamento e, na sequência, a ação reivindicatória.
Ainda no exemplo anterior, mesmo que o
comprador B vendesse o imóvel para D, e este para E, as sucessivas alienações,
mesmo que o adquirente alegue boa fé, não prejudicaram o direito de B. É o que
dispõe o artigo 1.247, parágrafo único:
Art.
1.247. Se o teor do registro não exprimir a verdade, poderá o interessado
reclamar que se retifique ou anule.
Parágrafo
único. Cancelado o registro, poderá o proprietário reivindicar o imóvel, independentemente da boa-fé ou do título
do terceiro adquirente.
11.1.3.
Princípios do
Registro Imobiliário
a)
Princípio da
Unicidade e Unitariedade das matrículas imobiliárias.
Tal princípio impõe a existência de uma
documentação específica para cada bem, de modo a ser observada uma exata
correspondência entre ambos. O documento é a matrícula, cuja certidão pode ser
obtida por qualquer interessado que lhe apresente o número ou localização
geográfica do bem objeto da mesma.[45] A
matrícula ainda serve de suporte para os atos de averbação e registro.
Com efeito, para concretizar essa
correspondência, “em cada matrícula existe apenas um imóvel e, para cada
imóvel, existe uma só matrícula autônoma.”[46]
Para ilustrar, após a finalização de uma incorporação imobiliária para a
edificação de unidades autônomas, é de praxe o cancelamento da matrícula mãe ou
originária, pois serão abertas matrículas específicas para cada uma delas.
O princípio da unicidade está previsto
diretamente nos artigos 227 e 176,§1º da LRP:
Art. 227 - Todo imóvel objeto de título a ser registrado deve estar matriculado no
Livro nº 2 - Registro Geral - obedecido o disposto no art. 176. (Renumerado do
art. 224 com nova redação pela Lei nº 6.216, de 1975).
Art. 176 - O Livro nº 2 - Registro Geral - será destinado,
à matrícula dos imóveis e ao registro ou averbação dos atos relacionados no
art. 167 e não atribuídos ao Livro nº 3
§ 1º A escrituração do Livro nº 2 obedecerá
às seguintes normas: (Renumerado do parágrafo único, pela Lei nº 6.688, de 1979)
I
- cada imóvel terá matrícula própria,
que será aberta por ocasião do primeiro registro a ser feito na vigência desta
Lei;
Percebe-se,
pois, que o princípio da unicidade exige uma correspondência entre a realidade
física do bem e o documento que lhe serve de proteção (matrícula). Justamente
por isso, o artigo 234[47]
permite a chamada fusão de duas matrículas em uma só quando, por exemplo, dois
imóveis contíguos pertencerem a uma mesma pessoa e forem objeto de duas
matrículas distintas. Neste caso, ambas serão encerradas e será aberta uma
matrícula nova e específica para os dois imóvel.
Por fim, convém anotar que o artigo
176,§1º, II da LRP estabelece os requisitos de uma matrícula, a saber:
Art.
176 [...]
II
- são requisitos da matrícula:
1) o número de ordem, que seguirá ao infinito;
2) a data;
3)
a identificação do imóvel, que será feita com indicação:
a
- se rural, do código do imóvel, dos dados constantes do CCIR, da denominação e
de suas características, confrontações, localização e área; (Incluída pela
Lei nº 10.267, de 2001)
b
- se urbano, de suas características e confrontações, localização, área,
logradouro, número e de sua designação cadastral, se houver. (Incluída pela
Lei nº 10.267, de 2001)
4)
o nome, domicílio e nacionalidade do proprietário, bem como:
a) tratando-se de pessoa física, o estado civil, a
profissão, o número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas do Ministério
da Fazenda ou do Registro Geral da cédula de identidade, ou à falta deste, sua
filiação;
b) tratando-se de pessoa jurídica, a sede social e o
número de inscrição no Cadastro Geral de Contribuintes do Ministério da
Fazenda;
5)
o número do registro anterior;
b)
Princípio da Especialidade Objetiva ou Subjetiva
Este princípio surge da necessidade da
exata identificação tanto do objeto como do titular do direito real sobre o
bem, daí falar-se em especialidade objetiva, no primeiro caso, e especialidade
subjetiva para o segundo. Assim, tanto o imóvel objeto da matrícula como o seu
respectivo titular “devem estar determinados de modo claro e especial[48]”
Tal previsto está previsto no artigo 225
da LRP e “exige minuciosa individualização, no título, do bem a ser registrado[49]”,
veja-se:
Art. 225 - Os tabeliães, escrivães e juizes farão
com que, nas escrituras e nos autos judiciais, as partes indiquem, com precisão, os característicos, as confrontações e as localizações dos imóveis,
mencionando os nomes dos confrontantes e, ainda, quando se tratar só de
terreno, se esse fica do lado par ou do lado ímpar do logradouro, em que quadra
e a que distância métrica da edificação ou da esquina mais próxima,
exigindo dos interessados certidão do registro imobiliário.
Especialidade, então, significa a
correta identificação e, para isso, o próprio artigo 176, 3, a) e b) já
estabelece os requisitos necessários que variam conforme se trate de imóvel
rural ou urbano, vejamos:
3)
a identificação do imóvel, que será feita com indicação:
a
- se rural, do código do imóvel, dos dados constantes do CCIR, da denominação e
de suas características, confrontações, localização e área; (Incluída pela
Lei nº 10.267, de 2001)
b
- se urbano, de suas características e confrontações, localização, área,
logradouro, número e de sua designação cadastral, se houver. (Incluída pela
Lei nº 10.267, de 2001)
Em conseqüência, o título que se
pretender registrar em dada matrícula deve apresentar descrição compatível do
imóvel para atender o princípio da especialidade objetiva. Caso contrário, o
registro será negado.
Neste sentido, um importante instrumento
para a concretização do princípio da especialidade objetiva tornou-se
obrigatório com a Lei 10.267, de 31, de outubro de 2005, e regulamentado pelo
Decreto 4.449/2002. Refiro-me ao georreferenciamento do imóvel rural, uma
espécie de mecanismo de medição, que deve ser averbado na matrícula
imobiliária. Segundo Luciano de Camargo Penteado, o georreferenciamento
“consiste na designação dos pontos de coordenadas de paralelos e meridianos dos
vértices da poligonal correspondente ao imóvel[50]”
Esse mecanismo serve, portanto, para
evitar o equívoco que as medições tradicionais podem trazer, com a conseqüente
sobreposições de áreas.
Já quanto à especialidade subjetiva,
esta diz respeito à correta identificação do titular do imóvel matriculado.
Para tanto, a LRP define os requisitos que deverão estar presentes na
matrícula:
4)
o nome, domicílio e nacionalidade do proprietário, bem como:
a) tratando-se de pessoa física, o estado civil, a
profissão, o número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas do Ministério
da Fazenda ou do Registro Geral da cédula de identidade, ou à falta deste, sua
filiação;
b) tratando-se de pessoa jurídica, a sede social e o
número de inscrição no Cadastro Geral de Contribuintes do Ministério da
Fazenda;
Note-se que tais requisitos trazem
segurança jurídica, pois permitem que terceiros possam certificar-se de que o
proprietário, que pretende alienar o imóvel, é ou não casado, o que é
importante para verificar não só quem é o verdadeiro titular, mas se seria ou
não caso de outorga conjugal.
b)
Princípio da
Continuidade ou do Trato Sucessivo
Este princípio, que advém da previsão
contida no artigo 195, da LRP[51],
exige, novamente em atenção à segurança jurídica e veracidade das informações, que
o outorgante de um título de transferência da propriedade ou outro direito real
sobre a coisa seja a mesma pessoa indicada na matrícula imobiliária.
Noutros termos, pela princípio da
continuidade, “somente se admite o registro de um título se a pessoa que nele
aparece como alienante é a mesma que figura no registro como o seu
proprietário.[52]”
Sendo assim, se B é outorgante de uma
escritura pública de compra e venda, mas A é o proprietário indicado na
matrícula, B não terá acesso ao registro imobiliário, ainda que seja o
legitimado sob o ponto de vista do direito material. Por exemplo, B recebeu o
imóvel a título de herança, mas não registrou o formal de partilha no cartório.
Neste caso, para atender ao princípio da
continuidade, B deve promover o registro do título que lhe atribuiu a condição
de proprietário para então registrar o título que ele outorga, por exemplo,
para C.
Em resumo, “os fatos marginais e
documentos apresentados a registro que eventualmente legitimem, do ponto de
vista do direito material, os sujeitos envolvidos no título, para assegurar a
continuidade, devem constar de algum modo no registro.”
Permite-se, com isso, o “imprescindível
encadeamento entre os assentos pertinentes a um dado imóvel[53]”
Ou ainda: “o registro de um título prende-se ao registro anterior em uma
sequência de atos, perfazendo um perfeito encadeamento.[54]” Essa cadeia não pode ser interrompida.
Além disso, o princípio da continuidade serve
para fiscalizar a arrecadação do ITBI, imposto incidente na alienação onerosa
de imóveis por ato inter vivos, cujo fato gerador ocorre no momento do registro
do título de transmissão.
No âmbito do STJ, destaca-se o seguinte
precedente sobre o tema:
PROCESSUAL CIVIL. REGISTROS PÚBLICOS (LEI N. 6.015/73). RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC. OMISSÃO CARACTERIZADA. NULIDADE DO ACÓRDÃO PROFERIDO NOS EMBARGOS DECLARATÓRIOS NA APELAÇÃO. RELEVÂNCIA DA ANÁLISE DA QUESTÃO DA CISÃO FRENTE AO PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE DOS REGISTROS PÚBLICOS. CADEIA DOMINIAL E REGISTRO DE CONTRATO DE ARRENDAMENTO COMERCIAL FIRMADO ANTERIORMENTE À CISÃO.
1. No julgamento da apelação e dos subsequentes embargos de declaração, não obstante provocada pelos ora recorrentes desde a impugnação ao procedimento de suscitação de dúvida, a c. Corte Estadual deixou de examinar tese relevante ao deslinde da controvérsia, relativamente à possibilidade de registro, sem quebra do princípio da continuidade registral, do contrato de arrendamento comercial firmado anteriormente à cisão da arrendante. Resta caracterizada, assim, ofensa ao art. 535 do Código de Processo Civil.
2. Parece influente na solução do caso, analisar-se o aspecto da cisão, realizada e registrada no registro imobiliário posteriormente à celebração do contrato de arrendamento de salão comercial em shopping center, ainda vigente, para efeito de eventual prevalência do contrato perante as atuais proprietárias, sociedades empresárias resultantes da cisão. Merece exame a questão do disposto nos arts. arts. 229, 233 e 234 da Lei de Sociedades Anônimas (Lei n. 6.404/76) a eventualmente afastar prejuízo ao princípio da continuidade dos registros públicos e, assim, possibilitar ainda o registro do contrato de arrendamento celebrado entre a cindida e as ora recorrentes.
3. Recurso especial provido, para anular o v. acórdão proferido em sede de embargos declaratórios e determinar que outro seja proferido, sanando-se a omissão verificada.
Por fim, ressalta-se que os modos
originários de aquisição da propriedade, como a usucapião, derrogam o princípio
da continuidade. Não era para menos, já que o fundamento da usucapião não é o
registro, mas sim a posse qualificada prolongada pelo tempo.
c)
Princípio da
Prioridade
O aforisma romano prior in tempore prior in iure bem ilustra este princípio.
Significa que o primeiro a registrar o imóvel, no tempo, teria prioridade
jurídica em relação a terceiros. Ou seja: este princípio protege quem primeiro
registra seu título.
No Código Civil, este princípio está
previsto no artigo 1.246: “Art. 1.246. O registro é eficaz desde o momento em
que se apresentar o título ao oficial do registro, e este o prenotar no
protocolo.”
Neste sentido, o artigo 191da LRP
contempla o princípio da prioridade ao estabelecer que:
Art. 191 -
Prevalecerão, para efeito de prioridade de registro, quando apresentados no
mesmo dia, os títulos prenotados no Protocolo sob número de ordem mais baixo,
protelando-se o registro dos apresentados posteriormente, pelo prazo
correspondente a, pelo menos, um dia útil.
Com efeito, observa-se que o princípio
da prioridade cria uma hierarquia com uma ordem de preferência de tutela
jurídica, já que há uma incompatibilidade jurídica entre dois títulos
apresentados a registro concomitantemente.[55]
Sendo assim, uma vez estabelecida a
prioridade, com a prenotação, o segundo título não tem acesso ao registro
imobiliário. Com efeito, observa-se que a preferência é estabelecida com a
prenotação. É a esta, na verdade, que assegura a prioridade.
Advirta-se, contudo, que o apresentante
que obteve a prioridade com a “prenotação”, caso tenha que atender exigências
formuladas pelo oficial, deve cumpri-las em trinta dias, pois do contrário o
oficial poderá examinar e, se estiver em ordem, registrar o segundo título
apresentado.
Por fim, consigne-se que uma exceção ao
princípio prioridade está prevista no artigo 192 da LRP, quando se tratar de
escrituras públicas, da mesma data e apresentadas no mesmo dia, que determinem,
taxativamente, a hora da sua lavratura, prevalecendo, para efeito de
prioridade, a que foi lavrada em primeiro lugar.
d)
Instância
Este princípio dispõe que o oficial não
pode promover registros sem prévio requerimento do interessado ou ordem
judicial. O oficial não age de ofício, para simplificar. Pode-se dizer até que
o princípio da instância está para os registros públicos assim como o princípio
do dispositivo ou adstrição está para a jurisdição.
O princípio da instância está previsto
em dois dispositivos da LRP, a saber:
Art. 13. Salvo as anotações e as averbações obrigatórias, os atos do
registro serão praticados:
I - por ordem judicial;
II - a requerimento verbal ou escrito dos interessados;
III - a requerimento do Ministério Público, quando a lei autorizar.
Art. 198 - Havendo exigência a
ser satisfeita, o oficial indicá-la-á por escrito. Não se conformando o
apresentante com a exigência do oficial, ou não a podendo satisfazer, será o
título, a seu requerimento e com a declaração de dúvida, remetido ao juízo competente
para dirimí-la, obedecendo-se ao seguinte:
e)
Princípio da
Publicidade
Por este princípio, “o registro confere
publicidade às transações imobiliárias, valendo contra terceiros[56]”.
Qualquer pessoa aliás, independentemente do motivo ou interesse, tem o direito
de requerer certidões ao oficial do cartório (art. 17, da LRP)
Dessa forma, pode-se afirmar que o
registro, além de constituir direito real no direito brasileiro, produz outro
efeito de extrema importância, pois confere publicidade de seus acentos a
terceiros, que não poderão alegar o seu desconhecimento.
Essa publicidade pode resultar do
próprio registro como de uma averbação. Em termos práticos, o registro é um ato
que opera a transferência da titularidade, enquanto a averbação é um ato pelo
qual o oficial lança certa anotação à margem do registro.
Um bom exemplo para ilustrar é a
hipótese do direito de preferência do locatário na aquisição do imóvel, direito
este que, para ser exercido, pressupõe a prévia averbação do contrato de
locação junto à matrícula do imóvel, justamente para se produzir eficácia em
relação a terceiros, nos termos do artigo 33, p. único da Lei 8.245/91.
Art.
33. O locatário preterido no seu direito de preferência poderá reclamar do
alienante as perdas e danos ou, depositando o preço e demais despesas do ato de
transferência, haver para si o imóvel locado, se o requerer no prazo de seis
meses, a contar do registro do ato no cartório de imóveis, desde que o contrato
de locação esteja averbado pelo menos trinta dias antes da alienação junto à
matrícula do imóvel.
Parágrafo
único. A averbação far - se - á à vista de qualquer das vias do
contrato de locação desde que subscrito também por duas testemunhas.
Ainda sobre a venda do imóvel a
terceiros, a Lei de Locações estabelece que a “alienação do imóvel rompe o
contrato, salvo se a locação for por tempo
determinado e o contrato contiver cláusula de vigência em caso de alienação,
averbada no registro de imóveis. (art. 8º, da LL)[57]”
Nota-se mais um nítido exemplo da
importância do princípio da publicidade em matéria contratual, pois é o registro
ou averbação que produzem eficácia real ao direito subjetivo. Entretanto, o
princípio da publicidade não é absoluto e pode ceder lugar a outro princípio,
como o da boa fé, por exemplo, em determinadas situações.
Assim, o STJ tem interessante precedente
do ano de 2013 (REsp 1.269.476/SP) no qual ficou entendido que, apesar da
ausência da averbação do contrato na matrícula do imóvel locado, o
terceiro/adquirente teve prévio conhecimento da existência do contrato de
locação durante as tratativas para a compra do imóvel.
O caso envolveu a compra de um imóvel
por uma sociedade empresária e quem figurava como locatário era um banco
privado brasileiro. Acontece que o contrato de locação não estava averbado na
matrícula, mas a vendedora incluiu uma cláusula de vigência do contrato de
locação na própria escritura de compra e venda. Nesse caso, embora ausente a
averbação, o terceiro não podia alegar desconhecimento do fato, pelo que se
decidiu pela aplicação do princípio da boa fé objetiva.
Eis a ementa do acórdão:
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE DESPEJO. DENÚNCIA VAZIA. COMPRA E VENDA. MANUTENÇÃO CONTRATO DE LOCAÇÃO. AUSÊNCIA DE AVERBAÇÃO NA MATRÍCULA DO IMÓVEL. CIÊNCIA INEQUÍVOCA DO COMPRADOR. VALOR DA CAUSA. IMPUGNAÇÃO. FALTA DE INTERESSE. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. SÚMULA 7/STJ.
1. Inexiste ofensa ao art. 535 do CPC, quando o tribunal de origem pronuncia-se de forma clara e precisa sobre a questão posta nos autos.
2. A ausência de decisão sobre os dispositivos legais supostamente violados, não obstante a interposição de embargos de declaração, impede o conhecimento do recurso especial. Incidência da Súmula 211/STJ.
3. Na hipótese, trata-se de ação de despejo proposta por comprador de imóvel em face de locatário. Discute-se a possibilidade do comprador de imóvel locado proceder à denúncia do contrato de locação ainda vigente, com fundamento na inexistência de averbação da referida avença na matrícula do respectivo imóvel.
4. O Tribunal de origem, após analisar a documentação apresentada pelas partes, que retratava toda a negociação de compra e venda do bem, até a lavratura da respectiva escritura, entendeu que, não obstante ausente a averbação do contrato na matrícula do imóvel, o adquirente tinha a obrigação de respeitar a locação até o seu termo final.
5. Afastada a possibilidade da recorrente denunciar o contrato de locação com base na ausência da sua averbação na matrícula do imóvel porque ela tinha inequívoco conhecimento da locação e concordara em respeitar seus termos em instrumentos firmados com o locador e proprietário anterior.
6. Ausência de interesse recursal no que tange à alegação de violação dos arts. 259, V; e 261 do CPC; e do art. 58, III, da Lei 8.245/91 porque o valor atribuído à causa, pela sentença, na ação declaratória, foi de doze locativos mensais.
7. É imprescindível, para que se possa aferir o trabalho desenvolvido pelo advogado e verificar-se a adequação ou não do percentual da verba honorária no caso em tela, que se proceda a exame de matéria de fato. Assim, incide, na espécie, a Súmula 7 desta Corte.
8. Negado provimento ao recurso especial.
f)
Princípio da
Força Probante (fé pública) ou Presunção
Já de acordo com este princípio, o
direito cria uma presunção de que o direito real pertence à pessoa cujo nome
figura no registro do título. Essa presunção legal não é, contudo, absoluta,
mas apenas relativa ou juris tantum. Relativa
porque se o registro, por algum
motivo, não exprimir a verdade, faculta-se ao interessado o pedido de
retificação ou anulação, nos termos do artigo 1.247 e 1.245,§2º do Código
Civil:
Art. 1.245.
Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título
translativo no Registro de Imóveis.
§ 2o
Enquanto não se promover, por meio de ação própria, a decretação de invalidade
do registro, e o respectivo cancelamento, o adquirente continua a ser havido
como dono do imóvel.
Art. 1.247. Se o
teor do registro não exprimir a verdade, poderá o interessado reclamar que se
retifique ou anule.
No mesmo sentido, dispõe o artigo 252 da
LRP:
Art. 252 - O registro,
enquanto não cancelado, produz todos os efeitos legais ainda que, por outra
maneira, se prove que o título está desfeito, anulado, extinto ou rescindido
Assim, como visto, a legislação
brasileira destoa neste particular do sistema germânico, já que neste país a
propriedade imobiliária está toda cadastrada[58],
de modo que a presunção é absoluta (jus
et de jure).
Mesmo sendo relativa, esta presunção é,
no dizer de Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald, “o centro gravitacional de
nosso sistema registrário”, pois confere segurança jurídica ao adquirente. Além
disso, a presunção relativa confere uma garantia de índole processual, já que
cabe ao impugnante provar que a pessoa indicada no assento não é o verdadeiro
proprietário.
Por sua vez, o impugnante pode alegar
vícios no próprio título aquisitivo, como a nulidade (v.g, negócio firmado por
absolutamente incapaz não representado), ou anulabilidade (v.g, erro, dolo,
coação, lesão, estado de perigo, fraude contra credores).
Neste aspecto, é importante salientar
que mesmo terceiros de boa fé não podem alegar o desconhecimento do vício para
não serem privados da coisa. Isso acontece porque o registro não possui
eficácia saneadora do vício.
Dessa forma, os terceiros de boa fé
ficam desprotegidos, assistindo-lhes o direito à evicção, na forma do artigo
447 do CC/02. A única exceção em favor deles está prevista no artigo 214,§5º,
da LRP, que teve sua redação alterada pela Lei 10.931/04, pois “a nulidade não
será decretada se atingir terceiro de boa fé que já tiver preenchido as
condições de usucapião do imóvel”
Art. 214 - As
nulidades de pleno direito do registro, uma vez provadas, invalidam-no,
independentemente de ação direta.
§ 5o
A nulidade não será decretada se atingir terceiro de boa-fé que já tiver preenchido as condições de
usucapião do imóvel.
E falando em exceção, deve-se mencionar
outra prevista no direito brasileiro em matéria de força probatória do
registro. A regra é, como visto, que o registro induz presunção relativa. Entretanto,
há apenas uma exceção no direito brasileiro em que o registro tem força
probatória absoluta. Trata-se do chamado registro
torrens[59],
previsto na LRP (art. 277). É o registro
feito por decisão judicial em procedimento de competência da vara de registros
públicos, com intervenção do MP e oponibilidade erga omnes.
Além disso, é exclusivo para imóveis rurais. A força probatória é absoluta.
Encontra-se no Estado de Goiás, Mato
Grosso e Pará mas é raro encontrar o registro torrens no Brasil. Este, aliás, é
o único caso, no direito brasileiro, de força absoluta do registro. Todos os
demais são de força probatória relativa.
Assim, foi aprovado o enunciado n. 503
nas Jornadas de Direito Civil em que se reconheceu que a única exceção à
presunção relativa do registro é a matrícula torrens. No entanto, Cristiano
Chaves e Nelson Rosenvald também advertem que o “registro da sentença de
usucapião também concede fé pública e, consequentemente, presunção absoluta de
propriedade.[60]”
g)
Princípio da
Legalidade
Significa que o oficial do cartório, por
dever de ofício, só está autorizado a analisar os aspectos legais dos títulos
encaminhados a registro. Este exame de legalidade implica análise apenas dos
requisitos de validade do título, em seus aspectos intrínsecos e extrínsecos[61]
(art. 104 do CC/02, por exemplo).
Dessa forma, segundo entendimento de
respeitável doutrina, o oficial não estaria autorizado a recusar o registro de
uma escritura de compra e venda, alegando que sobre o imóvel já foi inscrita
previamente uma penhora e que, diante dos fatos, estaria configurada uma fraude
contra credores ou fraude à execução. Não lhe cabe, portanto, argüir vícios de
consentimento, já que atos como esses envolvem interesses particulares e não
públicos.
No entanto, autores como Afrânio de
Carvalho sustentam que, na prática, prevalece o costume dos oficiais examinarem
não apenas os aspectos legais do título, mas também alguns aspectos internos da
situação que, a princípio, ficaria restrita aos interesses particulares.[62]
Existem, na verdade, dois
posicionamentos discrepantes sobre o assunto. Parte da doutrina entende que a
aferição de legalidade será completa, pois envolve o exame de nulidades e
anulabilidades. Já uma segunda corrente, que inclui autores como Carlos Roberto
Gonçalves, Nelson Rosenvald e Cristiano Chaves, defende que o exame de
legalidade compreende apenas as matérias de nulidades, previstas no artigo 166
do CC/02, por se tratarem de causas que violam o interesse público.
Quanto à parte procedimental, tudo
começa, é óbvio, com a apresentação do título ao cartório. O título é então
protocolado, criando-se com isso a prenotação, cabendo ao ofício, em tese,
analisar os aspectos legais em 30 dias. Neste ponto o fluxo do procedimento
pode ter dois desfechos: 1º) o registro, se o título estiver em ordem ou 2º)
exigências a serem atendidas, tendo o interessado 30 dias para a sua
regularização[63]
Dessa forma, o oficial somente
registrará o título quando ele atender as exigências legais, ou seja, não
apresentar irregularidades. Por exemplo: “é irregistrável uma compra e venda de
imóvel cujo assento imobiliário tenha-se como inalienável, em virtude de
cláusula constante em negócio jurídico de doação ou sucessão[64]”
O apresentante, por sua vez, pode atender
as exigências, se concordar com elas ou discordar, caso em que formulará
requerimento com declaração de dúvida, que será dirimida pelo juiz, nos termos
do art. 198, da LRP.
Neste último caso, o oficial do
cartório, a partir do requerimento do apresentante, suscita a dúvida que será
dirimida, como dito, judicialmente por meio de um procedimento de jurisdição
voluntária, em que o apresentante figura como “suscitado”.
Neste procedimento o MP atua como custos legis. Contra a sentença de
procedência cabe recurso de apelação a ser interposto pelos interessados, pelo parquet ou por terceiro interessado. Na
hipótese inversa, ou seja, na improcedência do pedido o oficial do cartório não
pode, por falta de legítimo interesse, interpor o recurso de apelação. Neste
caso, o interesse recursal fica restrito ao MP e ao terceiro prejudicado.
O suscitado, é claro, não teria
interesse em recorrer da sentença de improcedência, já que o que ele quer é o
registro do título apresentado em cartório, e tanto é assim que, se confirmada
a decisão de primeiro grau, caberá ao mesmo apresentar novamente os documentos
para que se proceda ao registro (art. 203, da LRP)
Por fim, uma peculiaridade do
procedimento de suscitação de dúvida é que o órgão que julga o recurso, em grau
de apelação, é o Conselho Superior da Magistratura, cuja composição é definida
segundo as disposições das leis estaduais de organização judiciária.
h)
Princípio da
Territorialidade
Pela territorialidade, o registro do
título deve ser feito “na circunscrição imobiliária da situação do imóvel.[65]”
A escritura de compra e venda até pode ser lavrada em cartório de notas de
outra localidade, mas a transcrição do título translativo só pode ser feita no
cartório de imóveis do local da situação do imóvel, nos termos do art. 169 da
LRP.
Fica claro que a regra atende a um
critério utilitário, pois pretende facilitar o trabalho de terceiros
interessados, no sentido de verificar a possível existência de negócios sobre
certo imóvel.
Pode ocorrer, no entanto, que em uma mesma
comarca existam diversas “circunscrições imobiliárias”, de modo que a
atribuição do registro de cada uma delas dependerá do que dispuser a lei de
organização judiciária local.
Sendo assim, se não for de sua
atribuição, o oficial do cartório sequer prenotará o título, pois sua primeira
função é examinar preliminarmente se o título foi apresentado ao cartório
encarregado do registro.
12.
Matrícula,
Registro e Averbação.
Antes da vigência da LRP, os imóveis
recebiam um novo número de transcrição para cada alienação. Contudo, a LRP
estabeleceu a obrigatoriedade do número de matrícula a ser criado para todos os
imóveis que, após a sua vigência, sofressem algum tipo de alteração na sua
titularidade, na forma do artigo 176,§1º, I:
Art. 176 - O
Livro nº 2 - Registro Geral - será destinado, à matrícula dos imóveis e ao
registro ou averbação dos atos relacionados no art. 167 e não atribuídos ao
Livro nº 3
I - cada imóvel
terá matrícula própria, que será aberta por ocasião do primeiro registro a ser
feito na vigência desta Lei;
Dessa forma, os imóveis que foram
“vendidos, doados, permutados ou transferidos por sucessão hereditária
receberam um número de matrícula, por ocasião do registro do título translativo
(escritura pública, formal de partilha), número este que os acompanha[66]”
Diante disso, cada imóvel tem matrícula
própria, que o individualiza e o aparta dos demais. No entanto, é possível
ocorrer o desmembramento, com a formação de duas ou mais matrículas ou o
inverso, a fusão, em que se opera a unificação de propriedades contíguas.
Neste contexto, a matrícula é um
documento base que recebe a primeira inscrição da propriedade do bem. Funciona
como uma certidão de nascimento do imóvel. Ela particulariza o imóvel ao
descrever sua dimensão, suas confrontações e características.
Já o registro é um ato subseqüente à
matrícula que serve basicamente para documentar qualquer ato de disposição
total ou parcial da propriedade imobiliária. Neste caso, fala-se em registro de
alienações, gratuitas ou onerosas, por ato inter
vivos ou mortis causae, assim
como as inclusões de ônus reais como hipotecas, servidões e usufrutos.
Por fim, a averbação é uma anotação que promove à margem do registro,
para indicar certas alterações concernentes à situação física do imóvel, como a
construção de uma casa e mudança do nome de rua, ou relacionadas à situação
jurídica do titular.
Pode-se definir, também, a abrangência
da averbação por simples exclusão, já que será caracterizado como tal
(averbação), “todo ato levado ao ofício imobiliário que não modifique a causa
nem a natureza do título, por não importar em alteração de titularidade ou
constituição de ônus real sobre a coisa, será objeto de averbação[67]”
13.
Livros Obrigatórios
(...)
14.
Retificação e
Anulação do Registro
Visto que o registro imobiliário, no
direito brasileiro, tem presunção relativa (juris
tantum) de veracidade, é admitida prova em contrário, o que pode ser feito
pela retificação ou anulação “se o
teor do registro não exprimir a verdade.”
Neste sentido, os artigos 1.247 do CC/02
e 212 da LRP:
Art. 1.247. Se o
teor do registro não exprimir a verdade, poderá o interessado reclamar que se
retifique ou anule.
Art. 212. Se o
registro ou a averbação for omissa,
imprecisa ou não exprimir a verdade, a retificação será feita pelo
Oficial do Registro de Imóveis competente, a requerimento do interessado, por
meio do procedimento administrativo previsto no art. 213, facultado ao
interessado requerer a retificação por meio de procedimento judicial.
Nota-se, pelo artigo 212, que a
retificação pode ser promovida diretamente no cartório ou, facultativamente,
pela via judicial. Tem-se, com isso, um sistema misto (administrativo e
judicial). Isso, contudo, nem sempre foi assim. Somente depois da Lei 10.931,
de 2 de agosto de 2004, que alterou a redação do artigo em análise, é que se
tornou possível a retificação diretamente pela via cartorária.
Desta feita, permite-se que o pedido de
retificação seja feito ao próprio Oficial nas seguintes hipóteses:
è
Omissões
ou imprecisões nos registros e averbações;
è
Quando
os registros e averbações não exprimirem a verdade.
Apesar do dispositivo (art. 212, da LRP)
sugerir que o meio para retificação (judicial ou administrativo) seria sempre
uma escolha/faculdade do interessado, há situações em que a alteração deve ser
promovida exclusivamente pela via judicial. Neste caso, tem-se a seguinte
divisão:
Retificação via Cartório
|
Retificação Judicial
|
-
retificações de áreas;
-
descrição de perímetros de imóveis;
-
correção de nomes de pessoas
Há
casos, inclusive, em que o oficial está autorizado a promover a retificação
de ofício.
|
É
imprescindível nos seguintes casos:
-
quando houver impugnação fundamentada e não ocorrer transação entre os
interessados;
-
se o pedido envolver direito de terceiros
|
Cabe
destacar, ainda, outra significativa inovação operada pela Lei 10.931/04 que
permitiu a realização de diligências, pelo oficial, no imóvel objeto do pedido
de retificação, para obter esclarecimentos. Trata-se, sem dúvida, de medida
salutar, pois o oficial deixa aquela postura estática de recebedor para atuar
como fiscal da realidade.
Exatamente por isso, é possível a
retificação de registro público. Artigos 212 e 213 da LRP. São três casos de
retificação do registro:
è
Retificação
em cartório, quando não houver interesse de terceiros. (erro material)
è
Retificação
em juízo registral, por procedimento jurisdição voluntária quando houver
interesse de terceiros.
è
Retificação
em juízo cível, por procedimento ordinário, quando houver aumento de área.
111.1.Sucessão
Hereditária de Bens Imóveis
O direito hereditário ou sucessão constitui a forma de
transmissão derivada da propriedade que se dá por ato mortis causa, em
que o herdeiro legítimo ou testamentário ocupa o lugar do de cujus em
todos os seus direitos e deveres. Enuncia o art. 1.784 do CC que aberta a
sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e
testamentários. Houve alteração substancial quanto ao dispositivo, pois o art.
1.572 do CC/1916 mencionava a transmissão do domínio e da posse aos herdeiros.
Agora a menção é à herança, em sentido mais amplo e mais correto tecnicamente.
Surge aqui razão de importância quanto ao momento da morte,
pois ocorrendo esta e sendo aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde
logo, aos herdeiros legítimos e testamentários. Este é o princípio da saisine,
um dos mais importantes do Direito Civil.
Observe-se que, com a mudança de redação do art. 1.784 do Código
em vigor, não se faz necessária a transcrição no registro de imóveis para que
se verifique a transmissão da propriedade, pois de acordo com o CC/2002 basta a
morte para que a propriedade seja transmitida aos herdeiros.
[1]
AZEVEDO, Álvaro Villaça. Direito das Coisas... p. 63.
[2]
Mais precisamente na Tábua Sexta, Lei 5, que dispunha que aquele que possuísse
por dois anos um imóvel (fundi) ou por um ano um móvel (ceterae res) tornava-se dono pela posse. (AZEVEDO, Álvaro Villaça.
Direito das Coisas...p. 63)
[3]
Opus Cit. p. 321.
[4] Art. 1.260. Aquele que possuir
coisa móvel como sua, contínua e incontestadamente durante três anos, com justo
título e boa-fé, adquirir-lhe-á a propriedade.
[5] Art. 1.379. O
exercício incontestado e contínuo de uma servidão aparente, por dez anos, nos
termos do art. 1.242, autoriza o interessado a registrá-la em seu nome no
Registro de Imóveis, valendo-lhe como título a sentença que julgar consumado a
usucapião.
Parágrafo
único. Se o possuidor não tiver título, o prazo da usucapião será de vinte
anos.
[6] Art. 1.391. O usufruto de
imóveis, quando não resulte de usucapião, constituir-se-á mediante registro no
Cartório de Registro de Imóveis.
[7] Essa posição, segundo Cristiano
Chaves e Nelson Rosenvald, é praticamente unânime dentre os civilistas, com
divergência de poucos, como Caio Mario da Silva Pereira, segundo o qual o modo
originário de aquisição só se verifica ‘quando o indivíduo, num dado momento,
torna-se dono de uma coisa que jamais esteve sob o senhorio de outrem’
[8]
CHAVES, Cristiano de Farias. ROSENVALD, Nelson. Direitos Reais....p. 323.
[9]
Com essa posição, Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald.
[10] Art. 183,§1º e art. 191, p.
único
[11] Art. 102
[12]
Por todos, o mais recente: STJ, REsp 864.449/RS, Rel. Min. Eliana
Calmon, Segunda Turma, j. 15.12.2009, DJe 08.02.2010
[13] TJSP, Apelação
991.06.028414-0, Acórdão 4576364, Presidente Epitácio, Décima Nona Câmara de
Direito Privado, Rel. Des. Mário de Oliveira, j. 08.06.2010, DJESP
14.07.2010 e TJSP, Apelação 991.04.007975-9, Acórdão 4241892, Presidente
Venceslau, Décima Nona Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Conti Machado, j.
24.11.2009, DJESP 29.01.2010
[14]
– Não correrão os prazos de
usucapião entre os cônjuges, na constância da sociedade conjugal. Atente-se ao fato de que a nova modalidade
de usucapião urbana, para os casos de abandono do lar conjugal (art. 1.240-A do
CC), constitui exceção a essa regra.
– Não haverá
usucapião entre ascendentes e descendentes, durante o poder familiar, em regra,
até quando o menor completar dezoito anos.
– Não correrão
também os prazos entre tutelados ou curatelados e seus tutores ou curadores,
durante a tutela ou curatela.
– Os prazos de
usucapião não correm contra os absolutamente incapazes, tratados no art. 3.º do
CC (menores de 16 anos, enfermos e doentes mentais sem discernimento para a
prática dos atos da vida civil e pessoas que mesmo por causa transitória não
puderem exprimir vontade).
– Os prazos não
são contados contra os ausentes do País em serviço público da União, dos
Estados ou dos Municípios.
– Os prazos de
usucapião não contam contra os que se acharem servindo nas Forças Armadas, em
tempo de guerra.
– Pendendo condição suspensiva, não se
adquire um bem por usucapião. A título de exemplo, se a propriedade do bem
estiver sendo discutida em sede de ação reivindicatória, não haverá início do
prazo.
– Não se
adquire por usucapião não estando vencido eventual prazo para a aquisição do
direito.
– Não haverá
contagem para o prazo de usucapião pendendo ação de evicção.
– Não se contam
os prazos de usucapião quando a ação de usucapião se originar de fato que deva
ser apurado no juízo criminal, não correndo a prescrição antes da respectiva
sentença definitiva.
– Haverá
interrupção do prazo de usucapião no caso de despacho do juiz que, mesmo
incompetente, ordenar a citação, se o interessado a promover no prazo e na
forma da lei processual. Essa ação em que há a citação pode ser justamente
aquela em que se discute o domínio da coisa.
– O prazo
prescricional para a usucapião se interrompe pelo protesto judicial ou até
mesmo por eventual protesto cambial, se assim se pode imaginar.
– Interromperá
o prazo prescricional para a usucapião a apresentação do título de crédito em
juízo de inventário ou em concurso de credores.
– Qualquer ato
judicial que constitua em mora o possuidor interrompe o prazo para a usucapião.
– Por fim, por
qualquer ato inequívoco, ainda que extrajudicial, que importe reconhecimento do
direito alheio por parte do possuidor, tem o condão de interromper o prazo para
a usucapião.
[15] Art. 202. A interrupção da prescrição, que somente
poderá ocorrer uma vez, dar-se-á:
I - por despacho do juiz, mesmo incompetente, que
ordenar a citação, se o interessado a promover no prazo e na forma da lei
processual;
II - por protesto, nas condições do inciso
antecedente;
III - por protesto cambial;
IV - pela apresentação do título de crédito em juízo
de inventário ou em concurso de credores;
V - por qualquer ato judicial que constitua em mora o
devedor;
VI - por qualquer ato inequívoco, ainda que
extrajudicial, que importe reconhecimento do direito pelo devedor.
Parágrafo único. A prescrição interrompida recomeça a
correr da data do ato que a interrompeu, ou do último ato do processo para a
interromper.
[16] Art. 219
§ 2o
Incumbe à parte promover a citação do réu nos 10 (dez) dias subseqüentes ao
despacho que a ordenar, não ficando prejudicada pela demora imputável
exclusivamente ao serviço judiciário.
[17] (Ac. 4ª T., REsp nº 23/PR, rel.
Min. Athos Carneiro, DJU 16.10.89).
[18] Não esquecer que nem toda a posse admite
usucapião!!! Lembrar que existem a posse ad
interdicta e posse ad usucapionem. A
primeira não gera usucapião, mas apenas autoriza a defesa possessória
(interditos). É o exemplo da posse
direta. (de um locatário ou comodatário, por exemplo)
[19] TJSP, Apelação com Revisão 337.693.4/9, Acórdão
3455115, São Paulo, Primeira Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Luiz Antonio
de Godoy, j. 27.01.2009, DJESP 20.02.2009 (TARTUCE, Flávio. Manual de
Direito Civil - Volume Único, 4ª edição. Método, 12/2013. VitalBook file.)
[20] CHAVES, Cristiano de Farias;
ROSENVALD, Nelson. Direitos Reais... p. 328.
[21]
Opus Cit. p. 328
[22]
Opus Cit. p. 330
[23] O procedimento do processo
discriminatório e regulado pela Lei 6.383, de 07 de Dezembro de 1076. A Ação
Discriminatória é procedimento judicial adequado para que o Estado comprove que
as terras são devolutas, distinguindo-as das particulares. As provas a serem
produzidas referem-se a eventual domínio privado na área, nos termos do art. 4º
da Lei 6.383/1976.
[24]
CHAVES, Cristiano de Farias; ROSENVALD, Nelson. Direitos Reais...p. 332.
[25] STJ, REsp 10.978/RJ,
Terceira Turma, Rel. Min. Nilson Naves, j. 25.05.1993, DJ 09.08.1993, p.
15.228
[26]
CHAVES, Cristiano de Farias; ROSENVALD, Nelson. Direitos Reais. P. 342.
[27]
Opus Cit. p. 343.
[28]
o prazo foi reduzido para 15 anos, uma vez que o CC/1916 consagrava um
prazo de 20 anos (art. 550 do CC/1916).
[29] STJ, REsp
1.088.082/RJ, Quarta Turma, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 02.03.2010, DJE
15.03.2010; TJSP, Apelação 994.09.273833-3, Acórdão 4552538, Fernandópolis,
Sexta Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Roberto Solimene, j. 10.06.2010, DJESP
26.07.2010; TJMG, Apelação Cível 1.0317.05.048800-4/0011, Itabira, Décima
Sétima Câmara Cível, Rel. Des. Eduardo Mariné da Cunha, j. 29.10.2009, DJEMG
18.11.2009
[30] O CC/2002 reduziu e
unificou os prazos anteriormente previstos, que eram de 10 anos entre presentes
e de 15 anos entre ausentes (art. 551 do CC/1916).
[32]
CHAVES, Cristiano de Farias; ROSENVALD, Nelson....365. 2014
[33] (nesse sentido: STJ, REsp 171.204/GO, Quarta
Turma, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, j. 26.06.2003, DJ 01.03.2004,
p. 186).
[34]
Os exemplos são de Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald.
[35] Enunciado n. 569, CJF “no caso do art. 1.242,
parágrafo único, a usucapião, como matéria de defesa, prescinde do ajuizamento
da ação de usucapião, visto que, nessa hipótese, o usucapiente já é o titular
do imóvel no registro”.
[36] TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil - Volume
Único, 4ª edição. Método, 12/2013. VitalBook file.
[37]
TARTUCE, Flávio. Manual
de Direito Civil - Volume Único, 4ª edição. Método, 12/2013. VitalBook
file.
[38] A regra foi
reproduzida, na literalidade, pelo art. 1.239 do CC/2002; estando o instituto
da usucapião constitucional ou especial rural do mesmo modo
regulamentado pela Lei 6.969/1981.
[39] Neste sentido, o enunciado 313 da Jornada:
“Quando a posse ocorre sobre área superior aos limites legais, não é
possível a aquisição pela via da usucapião especial, ainda que o pedido
restrinja a dimensão do que se quer usucapir”.
[40] TJRS, Apelação Cível
70027024959, Porto Alegre, Décima Nona Câmara Cível, Rel. Des. Carlos Rafael
dos Santos Júnior, j. 07.04.2009, DOERS 19.05.2009, p. 60
[41] Tal legitimação da posse será concedida aos
moradores cadastrados pelo Poder Público, desde que: a) não sejam
concessionários, foreiros ou proprietários de outro imóvel urbano ou rural; e
b) não sejam beneficiários de legitimação de posse concedida anteriormente. A
legitimação de posse também será concedida ao coproprietário da gleba, titular
de cotas ou frações ideais, devidamente cadastrado pelo Poder Público, desde
que exerça seu direito de propriedade em um lote individualizado e identificado
no parcelamento registrado.
[42]
Para requerer tal
conversão, o adquirente deverá apresentar: I – certidões do cartório
distribuidor demonstrando a inexistência de ações em andamento que versem sobre
a posse ou a propriedade do imóvel; II – declaração de que não possui outro
imóvel urbano ou rural; III – declaração de que o imóvel é utilizado para sua
moradia ou de sua família; e IV – declaração de que não teve reconhecido
anteriormente o direito à usucapião de imóveis em áreas urbanas.
[43]
CHAVES, Cristiano de Farias. ROSENVALD, Nelson....p. 315. 2014
[44] Segundo Cristiano Chaves e
Nelson Rosenvald, o sistema francês é uma resposta da burguesia aos privilégios
da nobreza. Apesar do respeito à autonomia privada, o sistema francês não está
imune a críticas, já que acaba por misturar o título com o modo de aquisição.
Além disso, outros inconvenientes surgem, uma vez que o registro confere
publicidade, mas não assegura o direito de propriedade. Neste caso, geralmente
as partes contratam seguros para garantir o direito transferido, o que traz
custos de transação.
[45]
PENTEADO, Luciano de Camargo. Direito das Coisas. 2ª Edição.... p. 329.
[46]
Opus cit.
[47] Art. 234 - Quando dois ou mais
imóveis contíguos pertencentes ao mesmo proprietário, constarem de matrículas
autônomas, pode ele requerer a fusão destas em uma só, de novo número,
encerrando-se as primitivas.
[48]
PENTEADO, Luciano de Camargo. Direito das Coisas. p. 331.
[49]
GONÇALVES, Carlos Roberto...p. 307.
[50]
Opus Cit.
[51] Art. 195 - Se o imóvel não
estiver matriculado ou registrado em nome do outorgante, o oficial exigirá a
prévia matrícula e o registro do título anterior, qualquer que seja a sua
natureza, para manter a continuidade do registro.
[52]
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. p. 306.
[53]
GONÇALVES, Carlos Roberto....p 306.
[54]
CHAVES, Cristiano de Farias; ROSENVALD, Nelson....p. 329. 2014
[55]
PENTEADO, Luciano de Camargo.....p. 335.
[56] GONÇALVES, Carlos Roberto.
Direito Civil Brasileiro. Direito das Coisas. Volume 5. p. 301.
[57] TARTUCE, Flávio. Direito Civil
3. Ed. 2014. 9ª Edição. Editora Método. São Paulo: 2014. p. 386.
Art. 8º Se o imóvel for alienado durante a locação,
o adquirente poderá denunciar o contrato, com o prazo de noventa dias para a
desocupação, salvo se a locação for por tempo determinado e o contrato contiver
cláusula de vigência em caso de alienação e estiver averbado junto à matrícula
do imóvel.
[58]
GONÇALVES, Carlos Roberto....p. 303.
[59]
Algumas curiosidades sobre o registro torrens:
Origem:
O registro Torrens foi
criado pelo irlandês Robert Richard
Torrens e colocado em prática na Austrália, então colônia britânica, em
1858. Foi introduzido no Brasil, com a República, nos 14 meses da vice-chefia
de Rui Barbosa no Governo Provisório (a ditadura), pelo Decreto 451-B
(31-5-1890), regulamentado pelo Decreto 955-A (5-11-1890). Era um dos requisitos
do projeto de imigração e colonização lançado naqueles 14 meses iniciais da
República. Dissolvido o gabinete Rui Barbosa, o sistema Torrens entrou
em xeque, mantendo-se apenas como uma alternativa extravagante e em desuso —
"um processo misto, principalmente judicial, muito demorado e
dispendioso com a publicação de editais, custas e outras despesas, só acessível
aos ricos".
Sobre o Registro Torrens no Brasil:
O sistema de registro Torrens foi
introduzido no Brasil por Rui Barbosa
na vice-chefia da ditadura (Governo Provisório da República) e Francisco
Glicério, ministro da Agricultura, em 1890, como instrumento de mobilização da
terra — porém nunca se difundiu, exceto no Rio Grande do Sul, com sua
Constituição positivista [o estado deixou de
registrar novos títulos em 1988], e atualmente em Goiás.
Ao contrário do mero registro de
transmissão — utilizado até hoje (e que não garante o direito transmitido) —, o registro Torrens torna a propriedade
da terra quase incontestável, sob a garantia do Estado. Com isso, pode
ser transferido por simples endosso do proprietário, e circular sem dificuldade
na economia — bancos, bolsas — como valor líquido e certo.
Sua obtenção, naturalmente, exige não
apenas a comprovação do direito anterior sobre a terra (documentação), como a
demarcação exata, indo ao ponto de incorporar no processo as cadernetas de
notas dos agrimensores. Enfim, exige a publicação da pretensão, com prazo
aberto a contestação.
Emitido o certificado, não poderá mais ser
contestado — salvo por fraude em sua emissão; ou existência de registro
anterior (o que também implica em fraude). A simples movimentação de
topógrafos, porém — seguida de edital não contestado — já deixaria pouco espaço
a dúvidas. (CAVALCANTI, R. Flávio. A República e a Propriedade da Terra:
Registro Torrens. Disponível em: http://doc.brazilia.jor.br/Historia-Projetos/Torrens.shtml.
Acesso em 24/10/14.
[60]
CHAVES, Cristiano de Farias. ROSENVALD, Nelson. 2014...p 328
[61]
GONÇALVES, Carlos Roberto....p. 303.
[62]
CARVALHO, Afrânio. Registro de Imóveis. cit., p. 277. Apud GONÇALVES,
Carlos Roberto....p. 305.
[63]
GONÇALVES, Carlos Roberto.... p. 305.
[64]
CHAVES, Cristiano de Farias. ROSENVALD, Nelson. 2014...p 328
[65]
Opus cit. 305.
[66]
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro...p 309.
[67]
CHAVES, Cristiano de Farias. ROSENVALD, Nelson....p 341.
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